Os dirigentes europeus parecem incapazes de sair do círculo vicioso da recessão e do desemprego. Isto apesar das pressões das opiniões públicas para que se abandone o regime da austeridade imposto pelos seus compromissos europeus, sob a égide da Alemanha. Enquanto isso, a importância da União Europeia no mundo vai decrescendo.
Os líderes europeus são muito bons a introduzirem novas leis, mas desde há uns anos que se mostram incapazes de resolver a crise económica. Os números do crescimento económico recentemente divulgados pelo Eurostat, mais parecem uma sentença de morte: Europa, estás a caminhar rapidamente para o abismo e os travões há muito que deixaram de funcionar.
Nos primeiros 3 meses de 2013, a economia da zona euro contraiu 1% em relação ao mesmo período do ano anterior e a dos 27 países da UE contraíram 0,7%. Praticamente toda a gente está no vermelho: a Grécia com menos 5,3%, Chipre 4,1%, Portugal 3,9%, Itália 2,3%, Espanha 2%. A Finlândia e a Holanda também apresentam crescimento negativo, enquanto a Áustria estagnou. A França está atualmente em recessão. O crescimento da Alemanha é positivo, mas só quando comparado trimestralmente. Tudo é desespero e miséria.
Enquanto a Europa range os dentes e chora, outros estão a deixar as águas tormentosas. Os Estados Unidos, por exemplo, vilipendiados no passado por muitos políticos europeus por ter sido lá que começou a crise global, provocada pela ganância e irresponsabilidade dos bancos norte-americanos. E hoje – quanta ingratidão –, os Estados Unidos estão a crescer enquanto a Europa contrai.
No 1.º trimestre de 2013, os Estados Unidos cresceram 2,5%, a taxa de desemprego é a mais baixa dos últimos 4 anos e o mercado bolsista está otimista. A Europa olhou sempre para os Estados Unidos como o país do capitalismo selvagem e da injustiça social. A Europa, pelo contrário, sempre teve a sua “economia de mercado social” que protege os trabalhadores e que lhes concede uma quantidade de ótimos direitos.
Austerus vs. Sparkurs
Nos últimos anos, os europeus tinham tido uma atitude paternalista em relação aos americanos, dizendo-lhes como deviam relançar a sua economia. Mas agora os papéis inverteram-se. Numa entrevista recente ao diário económico espanhol El Economista, um alto funcionário do Departamento do Tesouro norte-americano sugeriu que a UE deveria seguir o exemplo dos Estados Unidos e estimular o mercado em vez de continuar teimosamente agarrada ao dogma da austeridade e da redução do défice orçamental.
Curiosamente, muitos políticos europeus dizem o mesmo mas ninguém parece disposto a dar um murro na mesa e a opor-se a Berlim, para quem “estimular a procura” é sinónimo de inflação alta (um conceito tabu desde a hiperinflação da República de Weimar) e mais transferências dos contribuintes alemães dos orçamentos sem dinheiro de países como a Grécia ou a Espanha.
Espera-se, portanto, que os países do Sul apertem os cintos e se mantenham quietos. O abismo entre a Alemanha e os Estados membros da UE endividados já é evidente ao nível da linguagem. Na Irlanda, isso é austerity, em Espanha, austeridad, em Itália, austerità, em França, austeritè – palavras derivados do latim austerus, que significa “rigoroso, severo, ascético”. Uma palavra com conotações claramente desagradáveis. Na Alemanha, pelo contrário, a palavra Sparkurs traduz-se como “rumo ao rigor”, termo de conotação positiva, como algo de bom, inteligente e são.
“A política de Berlim não é motivada apenas por pragmatismo, mas também por valores fundamentais”, disse Ulrich Beck, um famoso sociólogo alemão, numa entrevista. “As objeções em relação aos países que gastam de mais são uma questão moral. Sob o ponto de vista sociológico, essa posição está enraizada na ética protestante. Mas também é uma questão de racionalismo económico. O governo alemão adotou o papel de professor que ensina os países do Sul a maneira de reformarem as suas economias.”
Mas o professor não é muito apreciado. E isso incluiu o último concurso Eurovisão da Canção, onde a Alemanha sofreu uma derrota humilhante: Natalie Horler, com Glorious, ficou apenas em 21.º lugar entre 26 concorrentes. Os comentadores do canal de televisão alemão ZDF não tiveram dúvidas: “Já ninguém gosta de nós na Europa”. E, muito provavelmente, não andavam longe da verdade.
Cartas a Angela
A fotografia de Angela Merkel vestida com o uniforme das SS tornou-se presença assídua na primeira página dos tabloides gregos. Mas também há uma nova moda: políticos de vários países começaram a escrever cartas à chanceler Merkel, pedindo-lhe que deixe de os submeter a tantos testes e exames, pedindo-lhe que seja mais clemente e reduza os castigos, mas sugerindo, igualmente, que ela só faz o que faz para aumentar as suas possibilidades nas eleições para o Bundestag, marcadas para o próximo mês de setembro.
A chefe do Governo alemão não quer mitigar o Sparkurs [austeridade] porque isso poderia afastar os eleitores alemães. Duarte Marques, deputado do Partido Social Democrata de Portugal, defende numa carta enviada à líder alemã: “A Alemanha recusa-se a reconhecer as verdadeiras consequências da política de austeridade. É uma expressão de oportunismo, até agora raramente encontrado entre as elites alemãs. É indigno de um país que outrora, sob a liderança de Helmut Kohl, teve a coragem de carregar sobre os seus ombros a responsabilidade da Europa – por vezes, desafiando a sua própria opinião pública. O Senhor Kohl pertencia a uma geração de estadistas difícil de encontrar na Europa de hoje”.
“Na ja” [“Bem”], deve estar a pensar Merkel, “eu não sou só má pessoa, também sou inferior a Kohl. Fantástico!”. Essas cartas só servem para irritar Berlim e fazem com que endureça ainda mais a sua posição. A ideia da Alemanha “assumir a responsabilidade da Europa” é invariavelmente traduzida em Berlim como querendo significar “a Alemanha tem de nos dar mais dinheiro”.
Mas isso não é verdade. Nem no caso de Portugal, nem no da Grécia, nem em nenhum outro. O que é verdade é que a Sparkurs [austeridade] – tão elogiada por Merkel – também não está a produzir os resultados esperados. Um jornal português publicou recentemente uma comparação dos indicadores económicos de há 2 anos – altura em que Portugal deu consigo nos ternos braços da troika e se viu forçado a introduzir medidas de austeridade – e os de agora. Os números falam por si: o desemprego subiu de 12,9% para 18,2%; o défice orçamental aumentou de 4,4% para 5,5% do PIB; a dívida pública passou de 106% para 123% do PIB. Dificilmente se pode considerar que isto seja uma melhoria. Não admira que 240.000 pessoas – 2,5% da população – tenha deixado Portugal desde 2011.
A RTP, o canal público de televisão, emitiu recentemente uma reportagem sobre os trabalhadores portugueses que emigraram para o Reino Unido. Um arquiteto, um dentista, dois enfermeiros, duas enfermeiras: todos estão felizes por terem conseguido sair do atoleiro. Uma das mulheres estava tão entusiasmada com a perspetiva de poder trabalhar num hospital em Northampton, 100 quilómetros a norte de Londres, que, literalmente, dava saltos de contente em frente à câmara. Nenhum deles está a pensar voltar para casa. Um deles disse, “Talvez um dia”. Uma socióloga que foi entrevistada no mesmo programa falou sobre a depressão entre os jovens e na crescente onda de emigração não apenas para o Reino Unido mas também para as ex-colónias de Portugal: Brasil e Angola. Até se poderia imaginar um cartaz da zona euro anunciando: “Arranjámos-lhe emprego. No Rio de Janeiro”. Atraente, não?
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