Tolerância é o tema central da Igreja
Evangélica da Alemanha (EKD, na sigla em alemão) ao longo deste ano e um dos
principais temas a serem abordados pela igreja até 2017, quando se celebram os
500 anos da Reforma Protestante.
Mas, apesar dessa ênfase, o iniciador
da Reforma, o alemão Martinho Lutero, demonstrou forte oposição à religião
judaica, especialmente alguns anos antes de sua morte, em 1546.
Naquela época, Lutero chegou a pedir
que ateassem fogo às sinagogas e escolas judaicas, além de afirmar que os
judeus deveriam ter as casas destruídas, assim como os bens e livros religiosos
apreendidos.
A teóloga Margot Kässmann,
ex-presidente do Conselho da EKD, foi a mais recente especialista a apontar a
contradição entre as raízes históricas e o posicionamento atual da Igreja
Evangélica, cujo marco inicial são as 95 teses que – diz a lenda – Lutero
afixou na parede da Igreja do Castelo de Wittenberg em 1517. Nos escritos, ele
propunha uma reforma no catolicismo romano.
Kässmann escreveu que, com idade mais
avançada, Lutero foi "um exemplo
assustador do cristianismo antijudaico". A teóloga ainda enfatizou que
a comemoração do aniversário da Reforma deve citar as suas conquistas sem
ignorar esse lado sombrio.
Dececionado com os judeus
O reformista não foi sempre contra a
religião judaica. De acordo com o historiador holandês Herman Johan Selderhuis,
Lutero esperava que os judeus se convertessem ao cristianismo – o que não
aconteceu. Para Selderhuis, a deceção foi um dos motivos para que Lutero
começasse a hostilizar os judeus.
Mas ele não era o único a pregar o anti
judaísmo. Também outros teólogos reformadores, bem como representantes da
Igreja Católica e humanistas famosos, como Erasmo de Roterdão, ofendiam a
religião judaica. Selderhuis afirma que Erasmo de Roterdão elogiava a França
porque lá havia poucos judeus.
A convocação de Lutero para incendiar
as sinagogas não surtiu efeito no século 16. Em 1938, no entanto, os nazis
adotaram a parte dos escritos de Lutero que era hostil aos judeus. Postas em perspetiva,
as palavras do reformista ajudavam a justificar o que ficou conhecido como "Noite dos Cristais"
(ou Reichskristallnacht) – quando inúmeras sinagogas foram incendiadas.
O historiador adverte, porém, que
Lutero não pode ser visto como um dos responsáveis pelo assassinato de milhões
de judeus durante o Holocausto. "É
claro que, na década de 30, foi muito fácil usar o que Lutero disse e escreveu
como propaganda antissemita", comenta Selderhuis, que é protestante.
Ele explica que é importante distinguir entre o anti judaísmo de fundo
religioso de Lutero e a ideologia racista antissemita. "O antissemitismo é sobre ser contra o judeu como pessoa, contra a
sua origem e a sua existência como judeu."
As declarações de Lutero voltavam-se
contra a fé dos judeus. "Ele é
contra a religião judaica e a recusa de os judeus se aproximarem de
Cristo", aponta Selderhuis. De acordo com ele, nas palavras de Lutero
não há nada que mencione a ideia de eliminar um povo inteiro.
Também Kässmann salienta que Lutero
não poderia prever que as suas palavras seriam usadas pelos nazis, séculos
depois.
Polémica ainda viva
Até hoje, as declarações de Lutero
sobre os judeus provocam reações diversas. O artigo de Kässmann, embaixadora
das celebrações dos 500 anos da Reforma Protestante marcadas para 2017, foi
muito comentado no site do jornal Frankfurter Allgemeine Zeitung.
Alguns minimizam a polémica ou
defendem Lutero, situando as colocações do reformador no contexto social do
século XVI. Outros dizem não compreender como a EKD pode ter um inimigo dos
judeus como pilar. Um leitor escreveu que uma pessoa como Lutero não serve como
fundador de uma igreja cristã que propaga o amor ao próximo.
Também Kässmann vê duas linhas nas
críticas ao seu artigo. "De um lado,
há aqueles que defendem que o caráter evangelista, o protestantismo de Lutero
deve ser posto em primeiro plano", explica, mas outros mostram-se
dececionados com a faceta sombria de Lutero. Ele seria não apenas um inimigo
dos judeus, mas também dos turcos. Os insultos de Lutero contra a Igreja
Católica dificultariam os avanços no ecumenismo. Os seguidores dessa posição
defendem que a Igreja Evangélica se distancie de Lutero e dê o menor destaque
possível às suas ideias sobre os judeus.
Para a ex-presidente do Conselho da
EKD, o mais difícil é encontrar uma maneira de deixar claro que não se trata de
celebrar um jubileu exclusivamente alemão e de Lutero, mas de um jubileu
internacional e ecuménico da Reforma.
A teóloga ainda enfatiza que é sempre
melhor reconhecer os erros do passado. E que, hoje, a Igreja Evangélica prega
que um ataque aos judeus é também um ataque aos protestantes.
Sem comentários:
Enviar um comentário