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terça-feira, 18 de junho de 2013

Catadores do lixo da vida do pobre e do luxo dos VIPs

Os heróis dos Estados Unidos da América foram mudando ao longo dos tempos. Começaram por ser os colonos. Depois, os cowboys. Nos tempos das guerras mundiais, soldados e generais. Nos tempos de paz, atletas. Mais recentemente, funcionários que divulgam documentos confidenciais. Passámos do heroísmo físico ao heroísmo documental. E ainda dizem que a civilização ocidental não está em decadência.
Pedro Almeida Cabral
Com as revelações de Snowden, ficámos a saber da existência do programa PRISM. Não consigo imaginar nome mais adequado e que melhor descreva um avassalador programa de vigilância. Tal como um prisma separa da luz branca todas as cores, o PRISM analisa uma gigantesca quantidade de comunicações indistintas (mails, fotografias, ficheiros, conversas em chats, vídeos) e separa aquilo que se queira isolar. Tanto pode ser uma conspiração terrorista, como a conversa de 2 amantes à revelia dos seus casamentos.
O PRISM funciona com acesso directo aos servidores de diversas empresas como a Google, o Facebook ou a Microsoft. Não é preciso mais nada. Nem ordem de tribunal dirigida a cada uma das empresas. Nem fundadas suspeitas sobre a prática de crimes. A National Security Agency, a agência militar dos EUA que tem como missão interceptar estas comunicações, passa a ter no seu arquivo as pesquisas que efectuamos, as fotografias que partilhamos e as conversas que temos. E são mesmo as nossas. Pois, segundo declarações de Obama para tranquilizar os seus cidadãos, o PRISM não se aplica a cidadãos dos EUA. Tranquilizador para o resto do mundo, portanto.
De acordo com a legislação pós- 11 de Setembro aprovada por Bush e confirmada por Obama, há uma autorização judicial genérica que é dada todos os anos por um tribunal secreto. Cabe aos agentes da NSA pedir às empresas a informação sobre determinadas pessoas. Este ponto ainda não é completamente claro. Mas parece que a NSA tem acesso a tráfego indiscriminado da Internet. E analisa, vasculha, selecciona e identifica o que pretende investigar. Depois, acaba por ordenar às empresas para disponibilizarem informação sobre uma pessoa em concreto. No fundo, parece mais uma legitimação a posteriori, recolhe-se primeiro a informação e depois pede-se autorização. Um mimo de vários terabytes para espiões.
Os defensores do PRISM argumentam que este sistema é essencial para evitar ataques terroristas iguais ao 11 de Setembro. Mas a verdade é que o 11 de Setembro também se deveu à incompetência da CIA em fornecer atempadamente informações sobre um dos terroristas ao FBI. Também defendem que foi este tipo de vigilância que impediu um atentado ao metro de Nova Iorque em 2009. Estes falcões da vigilância não referem é que o acesso à conta de mail de um desses terroristas se fez com uma autorização emitida por um tribunal, à boa maneira antiga. E, já agora, o fantástico PRISM não evitou o recente atentado na maratona de Boston.
Estamos conversados. Snowden revelou o que já se suspeitava mas não se tinha a certeza. O PRISM é inadmissível, abusivo e perigoso. Snowden é um herói. Ponto. Final. Obama será pressionado para ser mais transparente e para reformar o PRISM e é o fim desta história. Snowden terá certificado de heroísmo comprovado e busto esculpido em museus. Um autêntico Martin Luther King da privacidade com uma Avenida Snowden a sair do Capitólio em Washington.
Ou talvez não. Num mundo tão confuso e onde há tanta informação, o que queremos e desejamos é factos pronto a digerir. E um herói instantâneo resume uma história e dispensa avaliações e avaliações aprofundadas. A verdade é que Snowden tem todo o mérito em ter revelado o PRISM, mas é mais um mártir com talento do que um herói encartado dos direitos civis.
É que não se compreende porque é que Snowden se refugiou em Hong-Kong, território chinês, quando se sabe que os EUA mantêm uma ciberguerra com a China e que o Governo chinês tem um controlo total sobre a Internet. É que não se compreende porque é que Snowden acusa os EUA de espiarem instituições civis de Hong Kong e da China em vez de se ter limitado a divulgar o PRISM. É que não se compreende o que é que o direito à privacidade tem a ver com a espionagem do Reino Unido à Turquia e à África do Sul em cimeiras internacionais, como se soube agora. É que não se compreende a revelação feita ontem à noite da forma como o Presidente russo foi espiado pela NSA. Eu ainda sou do tempo em que os americanos espiavam os russos e vice-versa. Mas se calhar a História acabou mesmo aí por 1991, como sustentavam alguns, e a espionagem passou a ser descartável. Mesmo assim, ainda distingo bem espionagem, tão velha como o mundo, de um programa como o PRISM, e não vejo qual a relação entre uma e outro.
Os verdadeiros heróis lutam por um povo. Os mártires lutam por outra coisa qualquer. Talvez pela vontade de serem isso mesmo: mártires. Os heróis ficam para sempre. Os mártires são uma linha de rodapé. Quanto a Snowden, conseguiu ser herói por uma semana. Está de acordo com os tempos.
As autoridades britânicas espiaram líderes e funcionários de outros países “atacando tanto os computadores como os telefones dos delegados” da cimeira do G20 que se realizou em Londres, em 2009, revela o jornal The Guardian, como parte de uma investigação sobre os programas ultra secretos de vigilância britânico e americano.
Segundo os documentos a que o diário teve acesso, altos funcionários do Reino Unido autorizaram o uso de tecnologia sofisticada para vigiar as comunicações dos convidados, incluindo a instalação de cibercafés para intercetarem e-mails e monitorarem a atividade online, entrarem nas comunicações BlackBerry, fornecendo aos analistas dados concretos sobre “quem estava ao telefone com quem na cimeira”, e tendo, sobretudo, como alvos específicos os representantes turcos e russos.
O diário escreve que estas revelações “podem trazer alguma tensão” à cimeira do G8 que começa na Irlanda do Norte, na próxima segunda-feira, e onde todos os participantes e onde todos os convidados foram alvos potenciais de espionagem durante a cimeira de 2009.

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