Primavera Árabe, Occupy, Indignados e os manifestantes nas capitais brasileiras: em todo o mundo, os motivos que levam os jovens às ruas são os mais variados. Em comum, a insatisfação e o protesto.
Em geral, trata-se da ocupação de espaços simbólicos das cidades, como Wall Street, em Nova York; a praça Tahrir, no Cairo; ou a praça Puerta de Sol, em Madrid; o Congresso Nacional ou a Avenida Paulista, no Brasil.
Iguais no ato de protestar, os movimentos distinguem-se nos seus objetivos. No mundo árabe, a insatisfação voltava-se contra governantes autoritários, há décadas instalados no poder.
Em Espanha, o desemprego e os planos de austeridade motivaram os Indignados a sair às ruas.
Em Nova York, o Occupy Wall Street mira a desigualdade económica e social, apresentando-se como os 99% de desfavorecidos na distribuição da riqueza.
No Brasil, as manifestações começaram em protesto contra o aumento das passagens de autocarros em São Paulo, mas logo ganharam uma dimensão maior, e a agenda também se ampliou.
Algo semelhante acontece na Turquia, onde a repressão policial a um movimento pacífico contrário à construção de um centro comercial num parque de Istambul gerou revolta de outros setores da sociedade. Assim como no Brasil, grupos diversos, com reivindicações variadas, juntaram-se ao movimento, engrossando a contestação na praça Taksim e no parque Gezi.
Levantamentos ocasionados por insatisfação política também ocorrem na África subsaariana, mas também em contextos bem únicos. O regime do presidente angolano, José Eduardo dos Santos, enfrenta manifestações de contestação desde o ano passado. São ações lideradas por jovens estudantes e ativistas culturais, severamente reprimidas pelas forças de segurança.
Os brasileiros no contexto mundial
A insatisfação parece ser o único ponto em comum entre os jovens que saem às ruas em todo o mundo. Mesmo no caso de um único país, como o Brasil, é difícil encontrar um tema unindo todos os manifestantes, como argumenta o cientista político Tim Wegenast, da Universidade de Constança. Para ele, existe uma "insatisfação com a política brasileira como um todo". Wegenast também não arrisca comparar a onda de protestos brasileira com as contestações permanentes à política vigente em Angola há mais de 30 anos. "Angola tem problemas sociais muito contundentes", afirma Wegenast.
Já o coordenador da organização Mais Democracia, João Roberto Pinto, consegue encontrar semelhanças entre alguns movimentos globais. Ele aproxima as manifestações brasileiras dos Indignados da Espanha e do Occupy Wall Street.
Segundo o cientista político, estas mobilizações têm o mesmo alvo. "O poder económico vem capturando a representação política. Isto não é novo, mas chegou a um ponto que saturou o povo."
Já o diretor-executivo da Transparência Brasil, Cláudio Abramo, evita comparar as manifestações brasileiras com as de outros países porque seriam "contextos diferentes".
Abramo concorda com Pinto quando se fala em crise na representação política no Brasil. Diz não acreditar que o motivo dos levantamentos generalizados seja só o aumento da passagem de autocarro. "Parece ser uma desilusão generalizada perante a representatividade do sistema político. Os partidos não representam ninguém, a não ser a si próprios", destaca.
Surpresa e contradição
Wegenast diz que não esperava uma mobilização deste porte neste momento no Brasil. "É um pouco contraditório ver um movimento de insatisfação, tendo em vista todo este crescimento económico e estes programas sociais das últimas décadas", afirma.
Abramo discorda que haja uma contradição. "A transferência de recursos para camadas mais pobres, como ocorreu nos programas sociais brasileiros, não causa impacto na classe média urbana, que é a camada da população mais sensível às ações do Estado."
Pinto descarta que os movimentos brasileiros estejam isentos de sofrer influência político-partidária. O coordenador do Mais Democracia celebra o interesse da população de protestar por maior participação nas decisões sobre questões do seu quotidiano. "No Rio, o pessoal quer discutir as concessões para o sistema de transporte. Querem que as empresas abram as suas planilhas de custo para ver a justificação de distribuição das linhas e de correções nas tarifas", argumenta.
Noutros países emergentes
Na Turquia, o primeiro-ministro Erdogan qualificou os protestos de "um ataque à democracia turca", uma reação bem diferente da expressada pelas autoridades brasileiras. Para Wegenast, o cenário político é outro. "A Turquia é uma quase-democracia, com direitos civis limitados, sem transparência e sem medias independentes", salienta. No caso do Brasil não se trata de um governante em perigo, que manda a polícia reprimir violentamente a oposição, como nos países da Primavera Árabe.
Manifestações noutros países BRICS também não encontram semelhanças com a onda de protestos brasileira.
O governo sul-africano não enfrenta levantamentos em série, mas vem sendo criticado há meses pela repressão à manifestação dos mineiros de Marikana, que deixou 34 mortos em agosto passado. Os trabalhadores reivindicaram melhores salários e foram alvejados pela polícia, numa repressão que lembrou os piores anos do Apartheid.
Na Rússia, além de optar pela repressão, o governo enfrenta os protestos mobilizando organizações aliadas para "contramanifestações".
Na China, a repressão do regime evita ações mais audaciosas por parte da população. Os levantamentos brasileiros também não se comparam aos conflitos religiosos na Índia, razão de intervenção enérgica do Estado.
"A repressão na China e na Rússia é para a sobrevivência do regime. Os governos sufocam qualquer movimento para permanecer no poder", salienta Wegenast. "O Brasil ainda é visto como a democracia mais sólida do BRICS."
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