(per)Seguidores

quarta-feira, 19 de junho de 2013

Mas o que eu quero é dizer-lhe que a coisa aí tá preta…

Cerca de 250.000 pessoas protestaram em várias cidades brasileiras contra o aumento do preço dos transportes a violência e os gastos públicos com o Mundial de Futebol, exigindo um melhor serviço público.
Só no Rio de Janeiro, mais de 100.000 pessoas saíram à rua na última noite, num protesto que começou por ser pacífico, mas terminou com confrontos entre os manifestantes e as autoridades.
De acordo com a Secretaria de Segurança, 20 polícias foram feridos por pedras ou estilhaços de vidros e 8 manifestantes também ficaram feridos, 2 deles com ferimentos de bala.
Protestos generalizados
A onda de manifestações espalhou-se, pelo menos, por 11 Estados brasileiros. Na cidade de São Paulo, manifestaram-se mais de 65.000 pessoas, gritando palavras de ordem como "Oh! O povo acordou!", num protesto que também terminou com confrontos entre a polícia e um grupo que tentou invadir o Palácio do Governo.
Em Brasília, o Congresso Nacional chegou mesmo a ser invadido, com as autoridades a serem incapazes de evitar que os manifestantes ocupassem a parte do edifício onde ficam as cúpulas da Câmara e do Senado.
Os protestos em Belo Horizonte juntaram mais 20.000 pessoas, enquanto as ruas das cidades de Belém e Curitiba se encheram com mais de 10.000 manifestantes cada.



Sem entrar em considerações de ordem política, destaco, mais uma vez, esta “coisa” das manifestações, que dá sempre origem a uma “guerrinha” de números de participantes e à associação de (poucos) atos de violência, tudo para descentrar a discussão das verdadeiras razões, que estão na sua origem.
Por exemplo, e para quem como eu participou, em Lisboa, numa manifestação com 120.000 professores, ao olhar para a enchente de pessoas que a imagem regista (muitas das fotos estão cortadas), só pode fazer contas de cabeça e multiplicar por 5 ou mais, o mesmo se passa noutras cidades, em que os números estão muito mirrados…
Quanto à violência anunciada (até se aleijam mais polícias do que civis), como em todas as “manifs” nos países do mundo ocidental e democrático (muitas vezes ou quase sempre iniciada por profissionais da polícia), é sempre transformada na “genuína notícia” e condenada veementemente (convém contestar pacificamente!), enquanto nas “Primaveras Árabes” e nas “guerras civis” nos países islâmicos, a mesma (híper) violência é aplaudida, apoiada e tema de discussão dos grandes fóruns dos grandes dirigentes…
Na génese destas manifestações, em qualquer país, está a crescente desigualdade económica e social, com o beneplácito dos respetivos governos, quando não incentivada, que leva o povo ao pico da indignação. No caso do Brasil, em que se ouve há décadas que “agora é que isto vai”, os cidadãos, ao verem e lerem que o país é hoje considerado um dos ricos e emergentes BRICS (Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul), sem verem essa riqueza refletida nas pessoas, leva-as a pensar que estão a cair no mesmo engodo com que todos os cidadãos, mundialmente, foram manipulados, e daí a reação, em tempo útil, impulsionada por uma consciencialização política, que as redes sociais facilitaram e aceleraram. Coisas do sistema…

Se tivermos informação bastante para elencar os direitos sociais que os brasileiros não tem e a baixíssima qualidade oferecida nas obrigações base de um Estado, que gasta muitíssimo com os seus agentes, é fácil entender este “Outono Quente”, que até vem tarde, dados os altos níveis de corrupção, que é endémica e tem sido tolerada pela população…
E para tanto, bastaram uns cêntimos de aumento nos transportes, ao mesmo tempo que se gastam bilhões em obras “inúteis”, em prejuízo dos direitos básicos. E tudo fica sintetizado num cartaz que dizia: “Se o seu filho adoecer, leve-o ao estádio”…
Pois! Porque devia ser: Se o seu filho adoecer, leve-o ao hospital do Estado…
Até lá, a coisa vai ficar ainda mais preta…
O recurso à violência e a luta pelo real significado da palavra “democracia” parecem despontar como algumas das questões que envolvem os protestos pelo país.
Fábio Salem Daie
No sentido de uma crise generalizada do contexto socioeconómico nacional e mundial, podemos afirmar que as manifestações iniciadas contra o aumento das passagens de autocarros, em diversas cidades do Brasil, são “políticas”. No entanto, parece não ser este o sentido que lhe é outorgado, pelo menos pelos gestores estaduais. Alarmados com a força demonstrada pela articulação popular (iniciada pelo Movimento Passe Livre), os governadores de São Paulo e do Rio de Janeiro, Geraldo Alckmin (PSDB) e Sérgio Cabral (PMDB), apressaram-se em tachar os protestos, na última quinta-feira, de “políticos”: querendo significar, entretanto, que se tratam na verdade de estratégias partidárias e não de “mobilizações espontâneas”.
Tal ótica não só se mostra falsa sob o aspeto organizativo do movimento (grandemente impulsionado pelas redes sociais e composto por uma gama ampla de componentes ideológicos) como também impede que uma mobilização há muito não vista possa ser, de facto, compreendida. Algo novo surge, ainda que não se possa prever o seu desdobramento. E isso é inegável.
Na seguimento de movimentos populares que tomaram praças e ruas à volta do mundo nos últimos anos, também este se apresenta como uma surpresa desagradável aos gestores da res publica, tornada, a partir da década de 1990, cada vez mais assunto dos negócios privados (bem como o transporte coletivo em São Paulo e noutras regiões).  Mesmo na televisão, jornalistas comentavam, à luz dos confrontos nas ruas, que nunca tinham realizado antes a cobertura de protestos “deste tipo”.
Neste momento, no entanto, boa parte dessa mesma imprensa está a fazer os trabalhos de casa: mostra imagens de policias feridos; conta histórias de “gente de bem” cercada pelo cenário de guerra civil; relata atos de “vandalismo” contra o património público e privado. A “violência”, na boca das autoridades municipais, estaduais e federais, é “inaceitável”.
Na ‘vanguarda’ da violência
A repressão policial, ainda mais brutal durante os protestos da quinta-feira (13/06), chegou a ferir não só manifestantes, mas também repórteres e fotógrafos, chamando a atenção de setores laborais e de organizações como a Amnistia Internacional. Essa resposta das forças de contenção já era esperada e, no entanto, tem sido colocada, par a par, com os ditos atos de “vandalismo” e “depredação” protagonizados por uma parcela ínfima dos participantes do movimento. Reside aí a noção, ainda que difusa, de que se trata de “excessos”, de ambos os lados, que ferem, de igual modo, o chamado Estado democrático de direito. Justamente aí, acreditamos, reside também o verdadeiro eixo do debate.
Em literatura (e contra o senso comum generalizado), grandes escritores como Alejo Carpentier sustentam que as manifestações latino-americanas, longe de seguirem as vanguardas europeias, na verdade precederam-nas. Pois bem, no que concerne à estruturação e ao treino de um aparato repressivo “de massa”, tal pensamento parece ser igualmente válido. No processo de desmontagem do governo civil-militar, aquando da redemocratização do Brasil na década de 1980, intelectuais como Florestan Fernandes já chamavam a atenção para o facto de que não bastava livrar o Estado das mãos autoritárias dos seus militares. Era preciso também destruir os aparatos repressivos construídos sob esse regime. Entre eles, a própria polícia, com o seu caráter militar: excrescência desse período, constituída na transição da década de 1960 a 1970.
A manutenção desta instituição, sob os augúrios da democracia liberal que chegava à cena já sob o signo da crise mundial do capitalismo (explodida nos anos 70), era uma aposta inteligente da elite nacional sobre o que o destino (economicamente turbulento) poderia reservar à Ordem e ao Progresso.

Sem comentários:

Enviar um comentário