Especialistas detentores de informações importantes ou agentes em causa própria? Projetos de lei europeus incluem passagens copiadas na íntegra de textos elaborados por lobistas.
Jennifer Fraczek
Um projeto de lei para 500.000.000 de cidadãos da União Europeia é obviamente algo complicado. A fim de evitar efeitos colaterais indesejados, os deputados consultam peritos a respeito das sugestões apresentadas. Estes, no entanto, não são sempre independentes, e a partir do momento em que aconselham no interesse de uma empresa ou organização, passa-se a falar de trabalho de lóbi.
Recentemente, o deputado do Partido Verde Jan Philipp Albrecht, relator do Parlamento Europeu para a reforma da legislação sobre proteção de dados, queixou-se do facto de as firmas procurarem esclarecer os parlamentares sobre os seus pontos de vista com tamanha avidez. Uma avidez bem maior do que a de outros grupos de interesse, como, por exemplo, organizações não governamentais: em 2012 recebeu 9 vezes mais convites de lobistas do setor económico do que de outros grupos, revela Albrecht.
Neste processo, aparentemente alguns deputados deixam-se convencer. Isto é pelo menos o que deduz Marco Maas a partir da análise dos requerimentos para alterações de projetos de lei da UE. Segundo essa análise – realizada pela plataforma LobbyPlag, de que Maas é um dos fundadores – trechos inteiros dos textos foram simplesmente copiados de sugestões apresentadas por lobistas.
Comparando-se com o número de passagens reproduzidas de documentos das empresas com das de documentos das ONGs, logo fica claro que a influência do empresariado "é muito, muito maior do que a das ONGs".
Há controvérsias
Uma vez que o principal interesse da LobbyPlag é a reforma da lei de proteção de dados, na sua plataforma online só se encontram documentos da UE relativos a este projeto. Portanto, não é possível generalizar a partir dos resultados a que os seus organizadores chegaram.
Num grande estudo sobre o papel do lóbi na legislação europeia, a politóloga Heike Klüver, da Universidade de Constança, diz não ter encontrado nenhum desequilíbrio entre o empresariado e grupos com metas de maior interesse público.
"Costuma-se sugerir que associações empresariais são muito mais fortes e que o empresariado domina a legislação, enquanto outros grupos da sociedade mal são ouvidos", descreve Klüver. No entanto, na sua pesquisa, concluiu que isso não se aplica diretamente à União Europeia.
Analisou 56 processos legislativos, comparando que sucesso tiveram as associações empresariais e as ONGs em impor os seus interesses. "Não pude constatar nenhuma diferença significativa", afirma, acrescentando: "Quando se considera que os parlamentares precisam estudar uma série de projetos de lei, mas que normalmente só dispõem de uma secretária, um ou dois consultores e um estagiário, fica óbvio que simplesmente precisam de input externo".
Sugestões para piorar
Maas também percebe que os deputados precisam de ajuda na elaboração das leis. Mas irrita-se porque, por vezes, os esboços são piorados pelos lobistas, como no caso de um projeto sobre proteção de dados.
"O projeto original previa, por exemplo, que uma empresa de fora ficasse submetida a rigorosas normas de proteção de dados ao estabelecer-se na Europa. O novo projeto prevê que a empresa possa escolher qual o país que adotará como sede, e assim simplesmente escolher qual a lei de proteção de dados que mais lhe convém", diz o co-fundador da LobbyPlag. A seu ver, regras rigorosas são sistematicamente abrandadas.
Através de publicações de outros pesquisadores, Heike Klüver também tomou conhecimento de passagens de texto que foram copiadas das sugestões dos lobistas. "Em alguns estudos de caso no Parlamento Europeu, colegas meus encontraram esse tipo de reprodução. Mas esse não é nenhum fenómeno que diga respeito exclusivamente às associações empresariais, ocorre também com as ONGs", relativiza a pesquisadora da Universidade de Constança.
Registo facultativo em Bruxelas
Em geral, os lobistas perseguem dois tipos de estratégia, explica Klüver: externas e internas. As primeiras são, por exemplo, campanhas nos media ou manifestações em que os defensores de interesse procuram estabelecer contacto direto com os deputados. "Isso pode dar-se na forma de comunicados ou de consultas, em fóruns formais, oficiais, ou em workshops."
Além disso, há as estratégias internas, como audiências no Parlamento e redes informais. "Aí as pessoas se encontram, por exemplo, para almoçar ou jantar, ou as associações de lobistas organizam receções", relata a pesquisadora.
Em sua opinião, o lóbi é uma parte importante das representações de interesses na sociedade, além de melhorar a capacidade de resolução de problemas de certas instituições. A Comissão Europeia até possui um cadastro de lobistas. No entanto, o registro é facultativo para os profissionais, facto que a cientista política critica.
"Nenhum lobista me diz o que fazer"
Por sua vez, a Comissão Europeia, na condição iniciadora dos processos legislativos, rechaça qualquer acusação de falta de transparência. "A Comissão nunca utiliza de forma direta textos que possivelmente nos tenham sido apresentados por um grupo de lóbi", assegura um dos porta-vozes do órgão, Frederic Vincent.
Segundo ele, todas as contribuições da sociedade civil seriam divulgadas no website da Comissão. E no texto final do projeto de lei, a ser submetido ao Parlamento e ao Conselho Europeu, ficaria explicitado quais as sugestões que foram adotadas.
Na última segunda-feira (11/02), a comissária da UE para a Agenda Digital, Neelie Kroes, já tinha postado na rede social Twitter: "Nenhum lobista me diz o que devo fazer, nem norte-americano, nem nenhum outro".
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