Quando era miúdo escrevia cartas ao Pai Natal. Eram curtas, sem grandes desejos, riscava com régua para o palavreado não sair torto e acabava com alguma deferência, um sorriso, selo colado com cuspo e uma morada na Lapónia.
Miguel Pacheco
Na altura já desconfiava que aquilo não saía da escola, mas o exercício sabia-me bem: meia dúzia de linhas bastavam para sonhar com a coleção completa dos Masters do Universo, She-Ra e o castelo de Grayskull incluídos, tudo dentro do sapatinho. Nunca chegaram, mas fartei-me de pensar nisso.
Trinta anos depois, a carta de António José Seguro à troika é parecida. A missiva, bem-intencionada e estruturada (as minhas também eram) impressiona os amigos, mas falha na consequência: como os presentes nunca chegam (e os meus pais insistiam em peças mais instrutivas), há o risco de acharem que é tudo bullshit.
O que Seguro já devia ter percebido é que, da parte das três instituições que coordenam a troika, não há qualquer intenção em meter demasiado a mão na massa. O FMI, porque tem fraca margem financeira; a Comissão porque é uma institucional supranacional sem grande autonomia. Falta o BCE, que há 6 meses tem feito muito para resolver esta crise, mas que também já se fartou de pisar fora do seu mandato.
Sem autonomia política, os 3 limitam-se a fazer o que fazem bem: sugestões técnicas de política económica, sem margem nem autonomia política. Nem podiam tê-la: a Comissão – como o BCE – está hoje fragilizada pela desproporção de forças no seio da União, sabendo que o foco de decisão só é delegado em Bruxelas quando Berlim permite.
Seguro sabe isso, mas prefere a aparência política, um discurso de “eu avisei-vos há muito tempo”, onde não percebe que a margem de Portugal, nesta negociação, é mínima.
Entre o seguidismo de Gaspar e o anarquismo da esquerda pró-reestruturação, o líder do PS quer sentar-se com os masters do universo para decidir o futuro do país. Vai perceber que, pelo Natal, é melhor esperar por um castelo de brincar.
Com o respeito que todas as opiniões me merecem e sem querer contrariar o que o articulista opina, depois de ler a carta de Seguro concluí, rapidamente, que o Pai Natal não existe e que a Troika existe, o que impede qualquer comparação…
Para além do mais, o Pai Natal é bom e construtivo e a Troika é aterradora e arrasadora!
O Pai Natal, um dia por ano, “DÁ” e a Troika, durante 365 (366 nos anos bissextos) TIRA!
O Pai Natal tem uns duendes que o ajudam a cumprir a MISSÃO (do Pai Natal) e a Troika tem uns “doentes” que a ajudam a contrariar a MISSÃO (o bom resultado se cumpríssemos as promessas que o seu programa prometia)!
O Pai Natal ilude e a Troika engana!
O Pai Natal alimenta o imaginário futuro de crianças inocentes e a Troika retira o alimento no presente e o futuro de adultos inocentes! E aqui é que está o que é comparável: SOMOS TODOS INOCENTES, mesmo o Pai Natal, menos a Troika…
Entroikados, mas não calados!
O secretário-geral do PS pediu para a que a 7ª avaliação da troika seja discutida com os responsáveis políticos das três instituições e não apenas com os técnicos. Leia a carta na íntegra.
Exmo. Sr. Presidente
Não é a primeira vez que lhe dirijo formalmente uma carta sobre as consequências para os portugueses do Programa de Ajustamento Económico e Financeiro de Portugal. Anteriormente fi-lo para dar conta da posição do Partido Socialista nas reuniões com os representantes da troika, reafirmando o nosso compromisso com os objectivos de consolidação orçamental mas alertando para a necessidade do Programa ser credível e ter em linha de conta com os impactos económicos e sociais da austeridade. Recordo que na carta remetida em Setembro de 2012 chamava a atenção para o fracasso da tese da austeridade expansionista e referia uma situação de pré-ruptura social que aconselhava fortemente a uma reavaliação do modo de ajustamento.
Infelizmente a situação económica e social agravou-se fortemente.
Por outro lado, os dados do Eurostat da passada quinta feira comprovam que no quarto trimestre de 2012 a economia portuguesa retraiu-se 3,8% em termos homólogos, com a maior queda trimestral registada em toda a União Europeia e uma recessão mais profunda do que a esperada porque qualquer entidade nacional ou internacional. A recessão não só persiste como está a agravar-se.
A balança externa, que nos últimos meses era o último argumento do Governo e da Troika para tentar indiciar algum aspeto do ajustamento com impacto positivo, dá mostras de degradação. Todos sabíamos que as importações estão a retrair-se pela forte redução da procura interna, nomeadamente do investimento. O que é reconhecido pelas recenes estatísticas do INE é que as exportações estão em desaceleração há um ano e em Dezembro de 2012 caíram 3,2% em termos homólogos.
Mais desemprego, menos economia, mais falências e insolvências, mais pobreza, mais emigração de portugueses qualificados, em particular os jovens. Este é o retrato trágico da politica da austeridade do custe o que custar.
Uma política – a da austeridade expansionista – que não atingiu os objetivos propostos. O défice orçamental em 2012 ficou acima do inicialmente previsto e com recurso a receitas extraordinárias. A dívida pública não para de aumentar. E, mesmo com os fundos oriundos das privatizações, a dívida pública aumentou 7 p. p. em 2012.
O Memorando previa para 2012 um défice de 4,5% do PIB, uma taxa de desemprego de 13,4%, uma recessão de 1,8%, um stock de dívida de 189 mil milões de euros. O programa não permitiu atingir nenhum destes objetivos.
Há muitos sinais de que a austeridade excessiva tem sido contraproducente, um fator de recessão e de desagregação social. Só para dar três exemplos: o aumento de desemprego levou a uma quebra de 700 milhões de euros nas contribuições para a Segurança Social e de um aumento de 550 milhões de euros na despesa dos subsídios de desemprego; aumentaram-se as taxas do IVA para cobrar mais 12% e afinal a receita caiu 2%; a falência de muitas empresas, a insolvência de muitas famílias e as imparidades obriga a um esforço acrescido na capitalização da banca.
Em síntese, os portugueses estão a passar por enormes dificuldades, a fazer sacrifícios para além dos limites admissíveis, sem que se vejam os resultados (défice orçamental e divida pública) que o Governo e a Troica prometeram; com consequências dramáticas no desemprego e na destruição do aparelho produtivo.
Os portugueses não aguentam mais!
Estamos à beira de uma tragédia social. Chegou o momento de dizer basta!
Chegou o momento de procedermos, Portugal e a Comissão Europeia, Banco Central Europeu e Fundo Monetário Internacional, a uma avaliação política do processo de ajustamento do meu país.
Não está em causa, como nunca esteve o cumprimento das nossas obrigações externas. Honramos os nossos compromissos e queremos cumpri-los.
Não está em causa a necessidade do rigor e da disciplina orçamental. O Tratado Fiscal Europeu foi aprovado pelo PS, bem como a inclusão da regra de ouro na Lei de Enquadramento Orçamental.
O que está em causa é a política escolhida, a da austeridade expansionista, que não atinge os objetivos a que se propôs e está a criar problemas sociais e económicos de uma enorme gravidade.
A avaliação politica que propomos, deve desenhar uma estratégia credível de consolidação das contas públicas, dando prioridade ao crescimento económico e à criação de emprego. Já não é só uma opção ideológica, como o PS tem defendido, trata-se de realismo. É uma obrigação moral, olharem para a situação de Portugal e terem, Governo e a Troika, a humildade de reconhecerem que a vossa receita falhou.
Portugal necessita, por razões que temos vindo a apontar e que são do conhecimento da Troika desde Novembro de 2011, de mais tempo para a consolidação das contas públicas, para o pagamento da dívida, de juros mais baixos e de um adiamento do pagamento de juros. Estas quatro condições são essenciais para a criação de um ambiente amigo do crescimento económico e são a melhor garantia de que os portugueses cumpriram os seus compromissos de acordo com as suas possibilidades.
Portugal quer sair da atual situação. Portugal quer eliminar os seus desequilíbrios estruturais e iniciar um ciclo virtuoso de crescimento, competitividade e finanças públicas sãs. Para que tal aconteça é necessário que se recupere o forte apoio político e social ao programa de ajustamento, o que passa por se perspetivar um programa credível e equitativo.
Há, em Portugal, um vasto consenso social de que é necessário uma estratégia credível de consolidação que tenha em conta as consequências sociais e a evolução da economia nacional.
A próxima avaliação do PAEF, a sétima, que vai ocorrer este mês de Fevereiro não pode ser um exercício técnico de verificação se o que está no memorando está a ser aplicado. Muito menos propor ou aceitar novas medidas de austeridade como aconteceu em Setembro último.
A próxima avaliação é crucial para a vida dos portugueses. Exige-se que seja uma avaliação política tendo em conta a grave situação económica e social. A Comissão Europeia, o Banco Central Europeu e o Fundo Monetário Internacional devem enviar a Portugal responsáveis políticos com capacidade de decisão.
Dirijo-lhe esta carta, sensibilizando-o para a situação gravíssima que os portugueses estão a viver e para a necessidade de a próxima delegação da Troika ser constituída por responsáveis políticos da instituição que dirige.
Com a expressão dos meus melhores cumprimentos
António José Seguro
Secretario Geral
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