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terça-feira, 19 de fevereiro de 2013

Entroikados, mas não calados!

Quando era miúdo escrevia cartas ao Pai Natal. Eram curtas, sem grandes desejos, riscava com régua para o palavreado não sair torto e acabava com alguma deferência, um sorriso, selo colado com cuspo e uma morada na Lapónia.
Miguel Pacheco
Na altura já desconfiava que aquilo não saía da escola, mas o exercício sabia-me bem: meia dúzia de linhas bastavam para sonhar com a coleção completa dos Masters do Universo, She-Ra e o castelo de Grayskull incluídos, tudo dentro do sapatinho. Nunca chegaram, mas fartei-me de pensar nisso.
Trinta anos depois, a carta de António José Seguro à troika é parecida. A missiva, bem-intencionada e estruturada (as minhas também eram) impressiona os amigos, mas falha na consequência: como os presentes nunca chegam (e os meus pais insistiam em peças mais instrutivas), há o risco de acharem que é tudo bullshit.
O que Seguro já devia ter percebido é que, da parte das três instituições que coordenam a troika, não há qualquer intenção em meter demasiado a mão na massa. O FMI, porque tem fraca margem financeira; a Comissão porque é uma institucional supranacional sem grande autonomia. Falta o BCE, que há 6 meses tem feito muito para resolver esta crise, mas que também já se fartou de pisar fora do seu mandato.
Sem autonomia política, os 3 limitam-se a fazer o que fazem bem: sugestões técnicas de política económica, sem margem nem autonomia política. Nem podiam tê-la: a Comissão – como o BCE – está hoje fragilizada pela desproporção de forças no seio da União, sabendo que o foco de decisão só é delegado em Bruxelas quando Berlim permite.
Seguro sabe isso, mas prefere a aparência política, um discurso de “eu avisei-vos há muito tempo”, onde não percebe que a margem de Portugal, nesta negociação, é mínima.
Entre o seguidismo de Gaspar e o anarquismo da esquerda pró-reestruturação, o líder do PS quer sentar-se com os masters do universo para decidir o futuro do país. Vai perceber que, pelo Natal, é melhor esperar por um castelo de brincar.
Com o respeito que todas as opiniões me merecem e sem querer contrariar o que o articulista opina, depois de ler a carta de Seguro concluí, rapidamente, que o Pai Natal não existe e que a Troika existe, o que impede qualquer comparação…
Para além do mais, o Pai Natal é bom e construtivo e a Troika é aterradora e arrasadora!
O Pai Natal, um dia por ano, “DÁ” e a Troika, durante 365 (366 nos anos bissextos) TIRA!
O Pai Natal tem uns duendes que o ajudam a cumprir a MISSÃO (do Pai Natal) e a Troika tem uns “doentes” que a ajudam a contrariar a MISSÃO (o bom resultado se cumpríssemos as promessas que o seu programa prometia)!
O Pai Natal ilude e a Troika engana!
O Pai Natal alimenta o imaginário futuro de crianças inocentes e a Troika retira o alimento no presente e o futuro de adultos inocentes! E aqui é que está o que é comparável: SOMOS TODOS INOCENTES, mesmo o Pai Natal, menos a Troika…
Entroikados, mas não calados!
O secretário-geral do PS pediu para a que a 7ª avaliação da troika seja discutida com os responsáveis políticos das três instituições e não apenas com os técnicos. Leia a carta na íntegra.
Exmo. Sr. Presidente
Não é a primeira vez que lhe dirijo formalmente uma carta sobre as consequências para os portugueses do Programa de Ajustamento Económico e Financeiro de Portugal. Anteriormente fi-lo para dar conta da posição do Partido Socialista nas reuniões com os representantes da troika, reafirmando o nosso compromisso com os objectivos de consolidação orçamental mas alertando para a necessidade do Programa ser credível e ter em linha de conta com os impactos económicos e sociais da austeridade. Recordo que na carta remetida em Setembro de 2012 chamava a atenção para o fracasso da tese da austeridade expansionista e referia uma situação de pré-ruptura social que aconselhava fortemente a uma reavaliação do modo de ajustamento.
Infelizmente a situação económica e social agravou-se fortemente. 
Segundo os dados mais recentes, a taxa de desemprego atingiu os 16,9%, isto é a maior taxa de todos os tempos em Portugal. Hoje temos 923 mil desempregados registados e 40% dos jovens não têm emprego. A situação torna-se ainda mais dramática quando é sabido que mais de metade destes portugueses não tem acesso a qualquer mecanismo de proteção social, encontrando-se na miséria ou a viver do apoio da família que, por sua vez, também é fustigada com cortes de salários e pensões a aumento de impostos. Ainda no final da passada semana foi publicado um relatório internacional a denunciar que mais de um quarto das crianças portuguesas estava em situação de pobreza ou exclusão.
Por outro lado, os dados do Eurostat da passada quinta feira comprovam que no quarto trimestre de 2012 a economia portuguesa retraiu-se 3,8% em termos homólogos, com a maior queda trimestral registada em toda a União Europeia e uma recessão mais profunda do que a esperada porque qualquer entidade nacional ou internacional. A recessão não só persiste como está a agravar-se.
A balança externa, que nos últimos meses era o último argumento do Governo e da Troika para tentar indiciar algum aspeto do ajustamento com impacto positivo, dá mostras de degradação. Todos sabíamos que as importações estão a retrair-se pela forte redução da procura interna, nomeadamente do investimento. O que é reconhecido pelas recenes estatísticas do INE é que as exportações estão em desaceleração há um ano e em Dezembro de 2012 caíram 3,2% em termos homólogos.
Mais desemprego, menos economia, mais falências e insolvências, mais pobreza, mais emigração de portugueses qualificados, em particular os jovens. Este é o retrato trágico da politica da austeridade do custe o que custar.
Uma política – a da austeridade expansionista – que não atingiu os objetivos propostos. O défice orçamental em 2012 ficou acima do inicialmente previsto e com recurso a receitas extraordinárias. A dívida pública não para de aumentar. E, mesmo com os fundos oriundos das privatizações, a dívida pública aumentou 7 p. p. em 2012.
O Memorando previa para 2012 um défice de 4,5% do PIB, uma taxa de desemprego de 13,4%, uma recessão de 1,8%, um stock de dívida de 189 mil milões de euros. O programa não permitiu atingir nenhum destes objetivos.
Há muitos sinais de que a austeridade excessiva tem sido contraproducente, um fator de recessão e de desagregação social. Só para dar três exemplos: o aumento de desemprego levou a uma quebra de 700 milhões de euros nas contribuições para a Segurança Social e de um aumento de 550 milhões de euros na despesa dos subsídios de desemprego; aumentaram-se as taxas do IVA para cobrar mais 12% e afinal a receita caiu 2%; a falência de muitas empresas, a insolvência de muitas famílias e as imparidades obriga a um esforço acrescido na capitalização da banca.
Em síntese, os portugueses estão a passar por enormes dificuldades, a fazer sacrifícios para além dos limites admissíveis, sem que se vejam os resultados (défice orçamental e divida pública) que o Governo e a Troica prometeram; com consequências dramáticas no desemprego e na destruição do aparelho produtivo.
Os portugueses não aguentam mais!
Estamos à beira de uma tragédia social. Chegou o momento de dizer basta!
Chegou o momento de procedermos, Portugal e a Comissão Europeia, Banco Central Europeu e Fundo Monetário Internacional, a uma avaliação política do processo de ajustamento do meu país.
Não está em causa, como nunca esteve o cumprimento das nossas obrigações externas. Honramos os nossos compromissos e queremos cumpri-los.
Não está em causa a necessidade do rigor e da disciplina orçamental. O Tratado Fiscal Europeu foi aprovado pelo PS, bem como a inclusão da regra de ouro na Lei de Enquadramento Orçamental.
O que está em causa é a política escolhida, a da austeridade expansionista, que não atinge os objetivos a que se propôs e está a criar problemas sociais e económicos de uma enorme gravidade.

A avaliação politica que propomos, deve desenhar uma estratégia credível de consolidação das contas públicas, dando prioridade ao crescimento económico e à criação de emprego. Já não é só uma opção ideológica, como o PS tem defendido, trata-se de realismo. É uma obrigação moral, olharem para a situação de Portugal e terem, Governo e a Troika, a humildade de reconhecerem que a vossa receita falhou.

Portugal necessita, por razões que temos vindo a apontar e que são do conhecimento da Troika desde Novembro de 2011, de mais tempo para a consolidação das contas públicas, para o pagamento da dívida, de juros mais baixos e de um adiamento do pagamento de juros. Estas quatro condições são essenciais para a criação de um ambiente amigo do crescimento económico e são a melhor garantia de que os portugueses cumpriram os seus compromissos de acordo com as suas possibilidades.
Portugal quer sair da atual situação. Portugal quer eliminar os seus desequilíbrios estruturais e iniciar um ciclo virtuoso de crescimento, competitividade e finanças públicas sãs. Para que tal aconteça é necessário que se recupere o forte apoio político e social ao programa de ajustamento, o que passa por se perspetivar um programa credível e equitativo.
Há, em Portugal, um vasto consenso social de que é necessário uma estratégia credível de consolidação que tenha em conta as consequências sociais e a evolução da economia nacional.

A próxima avaliação do PAEF, a sétima, que vai ocorrer este mês de Fevereiro não pode ser um exercício técnico de verificação se o que está no memorando está a ser aplicado. Muito menos propor ou aceitar novas medidas de austeridade como aconteceu em Setembro último. 
A próxima avaliação é crucial para a vida dos portugueses. Exige-se que seja uma avaliação política tendo em conta a grave situação económica e social. A Comissão Europeia, o Banco Central Europeu e o Fundo Monetário Internacional devem enviar a Portugal responsáveis políticos com capacidade de decisão.

Dirijo-lhe esta carta, sensibilizando-o para a situação gravíssima que os portugueses estão a viver e para a necessidade de a próxima delegação da Troika ser constituída por responsáveis políticos da instituição que dirige.
Com a expressão dos meus melhores cumprimentos

António José Seguro
Secretario Geral

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