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quinta-feira, 21 de fevereiro de 2013

Como na vida, ganharão mais os países mais ricos…

Bloco comercial seria o maior do mundo, impulsionando transações, mercado de trabalho e salários de ambos os lados. Mas, como costuma acontecer em projetos monumentais, os empecilhos estão nos detalhes.
Klaus Ulrich
De ambos os lados do Oceano Atlântico reina unanimidade: as barreiras comerciais entre os Estados Unidos e a União Europeia (UE) precisam cair. O presidente norte-americano, Barack Obama, e os do Conselho Europeu, Herman van Rompuy, e da Comissão Europeia, José Manuel Durão Barroso, anunciaram a 13/02 conversações sobre um acordo para reduzir as restrições alfandegárias e comerciais.
As negociações já poderão iniciar-se oficialmente em meados deste ano. Os EUA e a UE representam aproximadamente metade do desempenho económico e 1/3 do comércio mundial. Para a Alemanha, um tratado de livre comércio poderá trazer o embaratevimento dos produtos negociados, assim como impulsos para o mercado de trabalho e os salários.
Menos burocracia, mais investimentos
"Em tempos de condições básicas inseguras, devido às crises económicas e financeiras, a facilitação do comércio conjunto deveria ser um tema central para ambos os lados, a fim de aquecer o crescimento", declarou Anton Börner, presidente da Confederação do Comércio Atacadista, Exterior e Serviços (BGA, na sigla em alemão). Do seu ponto de vista, um acordo de livre comércio entre as duas regiões iria não só criar novos postos de trabalho e gerar aumento de salários, mas também influenciar sensivelmente o bem-estar privado.
As taxas alfandegárias entre a UE e os EUA já são modestas – segundo o BGA, entre 5% e 7%. No entanto, como, em cada ano, bens no valor superior a meio trilhão de euros circulam de um lado para o outro do Atlântico, o empresariado poderá vir a economizar bilhões.
Em 2010, só as empresas químicas europeias pagaram aos cofres dos Estados Unidos quase 700 milhões de euros pelas exportações para o país. Em contrapartida, os norte-americanos também injetaram mais de 1 bilhão de euros na Europa. Com a queda das barreiras, as associações económicas esperam menos burocracia para as médias empresas e mais dinheiro para investimentos, por exemplo na pesquisa e desenvolvimento.
Conceções conflituantes
A expectativa da economia alemã é de impulsos bilionários. "O tratado de livre comércio poderia elevar as nossas exportações para os EUA em 3 bilhões a 5 bilhões de euros por ano", estima Volker Treier, diretor do departamento de comércio exterior da Confederação Alemã das Câmaras de Indústria e Comércio (DIHK). A Câmara Americana de Comércio na Alemanha (AmCham) conta com um crescimento adicional do PIB de 1,5%. Várias empresas alemãs esperam, além disso, ter o acesso facilitado a contratos públicos nos Estados Unidos.
Entretanto o presidente da BGA, Anton Börner, ressalva que ainda há numerosas pedras a serem retiradas do caminho até se chegar a uma zona transatlântica de livre comércio. Sobretudo no tocante ao comércio de produtos agropecuários, as conceções são muito diversas entre si.
Enquanto a França teme a concorrência no setor agrário, os EUA querem seguir interditando a importação de carne bovina proveniente da UE, por ainda temer a encefalopatia espongiforme bovina (BSE). "Por sua vez, a UE não quer dos Estados Unidos nem alimentos transgénicos, nem galinhas tratadas com cloro", comenta Börner.
Tampouco devem ser subestimados os obstáculos burocráticos que este projeto implica, sobretudo nos EUA. "Enquanto na Europa numerosos setores já estão harmonizados através da UE, ou a competência já se situa no nível da União Europeia, nos EUA as jurisdições são, em parte, fragmentadas, e encontram-se no nível dos estados."
Perigo de dominação
Um acordo bilateral entre Washington e Bruxelas geraria um gigantesco bloco comercial. Juntas, as duas regiões são responsáveis por quase a metade do desempenho comercial global. Por isso, Börner vê o perigo "de que esse domínio comercial seja mal empregado para paralisar de forma duradoura as negociações multilaterais".
Contudo, o sentido de um tratado desta ordem não é o de se isolar em relação a terceiros. "Conversações sobre uma zona transatlântica de livre comércio não podem ser vistas como substituto para negociações multilaterais no nível da OMC [Organização Mundial do Comércio]", sublinha Börner. As forças e a dinâmica liberadas por uma zona livre transatlântica deveriam ser, antes, utilizadas para revitalizar de forma decisiva as empacadas negociações na OMC.
O chefe da BGA resume: "Uma integração mais forte dos mercados transatlânticos não geraria consideráveis vantagens só para as regiões económicas envolvidas. Tal acordo iria também projetar um claro sinal contra qualquer tendência protecionista".
Foram 65 palavras entre as quase 7.000 do "estado da União": o anúncio das negociações para o acordo de livre comércio e investimento transatlântico tem tanto de imprescindível como de incompreensão. Como é possível que o maior bloco económico do mundo, a mais sólida relação política da história, assente na mais poderosa aliança militar, não tenha ainda estabelecido uma zona de liberdade comercial que potencie empregos, negócios, comércio e regras de regulação?
Não é só à força corporativa das alminhas protecionistas nos dois lados do Atlântico que se devem atribuir responsabilidades, é à falta de vontade política das lideranças.
Este entendimento entre Bruxelas e Washington é fruto da dinâmica gerada pelas potências emergentes e do quadro clínico por que passam as economias europeias e norte-americana. Permite responder economicamente ao quadro geopolítico equilibrador, onde o capitalismo de Estado chinês vai fazendo caminho de charme, e aproveitar o contrato político transatlântico (pós-1945 e 1989) com bom senso e inteligência: acrescenta-lhe riqueza, competitividade, regras de regulação; retira-lhe barreiras, taxas e burocracia. Basta dizer que os EUA investem 4 vezes mais na Holanda do que no conjunto dos BRIC e que o comércio com Portugal é superior ao que Lisboa tem com os BRIC.
Há história comum, relações sólidas e muita margem para crescer. E é esta a outra face do acordo: o seu fim geopolítico. Aproveitar terreno comum para reforçarem o peso económico valida as regras do acordo para lá do seu espaço, dá peso negocial à Europa e EUA no concerto económico global, até nas boas práticas de governação e no respeito por direitos e liberdades individuais. É um modelo que, vingando, prepara a relação transatlântica para este século e projeta os pilares e valores do seu sucesso. Vai ter obstáculos, mas tem tudo para ser a linha que nos separa do declínio.
Bernardo Pires de Lima

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