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terça-feira, 1 de janeiro de 2013

A imprensa na Europa (hoje) - 5/5

A capital belga é o coração da máquina de poder da UE, onde dezenas de jornalistas tentam cobrir atividades de todas as instituições. Mas, como descobriu um recém-chegado australiano, têm demasiada informação e muito pouco tempo para perceber o que se passa à sua volta. Excertos.
A sala de imprensa em Bruxelas antes do 
Conselho Europeu de 11 de dezembro de 2008
Há 2 meses que instalo diariamente o meu computador na área destinada aos órgãos de Comunicação Social na Comissão Europeia – rigorosamente a poucos passos de distância da grande sala das conferências de imprensa. Estou cercado por um exército multinacional (e multilingue) de repórteres eventuais, que aproveitam a Internet gratuita e aquilo que parece ser considerado café subsidiado (a 90 cêntimos cada – como é possível?).
Os correspondentes com C maiúsculo, que trabalham para os títulos de grande projeção, ficam ao virar da esquina, no Centro de Imprensa Internacional, conhecido por Palácio Residencial. Nós, os jornalistas independentes, comprimimo-nos pelos cantos e recantos de uma área mediática bastante lotada.
Sendo o único australiano na zona e sem qualquer afinidade com os outros anglófonos, fui adotado por um grupo de italianos, que prontamente me informaram que os meus direitos humanos são violados sempre que coma na cantina da Comissão (a do Conselho Europeu, do outro lado da rua, é muito melhor).
São um grupo interessante: gente inteligente, bem estruturada, com bom Inglês e na casa dos trinta e poucos anos. Um deles descortinou um nicho num pequeno serviço de notícias breves e numa revista de aviação; outro está a trabalhar na delegação em Bruxelas de uma estação noticiosa italiana de televisão por cabo; outro escreve para um boletim agrícola. Passam de um contrato para o outro, às vezes até de emprego para emprego, e andam sempre à procura de mais.
‘Colaborador permanente’
Fui também apresentado ao "patriarca" do corpo italiano de imprensa: um cavalheiro distinto, cujo cartão-de-visita parece uma tautologia: “collaboratore fisso” ("colaborador permanente"). O seu jornal em Itália não queria pagar-lhe a permanência em Bruxelas, mas concordou em comprar-lhe um certo número de crónicas por semana, com uma espécie de avença. Não é o único nessa situação: o segundo maior jornal italiano, La Repubblica, substituiu recentemente o seu aposentado correspondente em Bruxelas por... ele mesmo – isto é, deixaram-no manter o lugar, mas como colaborador eventual com um contrato de exclusividade.
A delegação de Bruxelas do jornal é agora assegurada por um correspondente aposentado que complementa a sua reforma fazendo o mesmo trabalho que fazia antes.
Não é a vida exuberante que se associaria ao jornalismo na mais importante cidade da Europa. Hoje, ouvi um jornalista ao telefone, exigindo saber que tipo de refeição iria ser servida (gratuitamente) numa conferência que estava a pensar cobrir. "Quando diz sanduíches… a que tipo de sanduíches se refere?", perguntava ele. Pouco depois, outro fazia braço-de-ferro com o seu jornal, que queria que estivesse presente numa reunião anual no seu país de origem, mas sem lhe pagar a passagem aérea. A sede acabou por ceder, mas o jornalista tinha de apanhar um voo low-cost em Charleroi (cidade a uma hora de automóvel a sul de Bruxelas, que toda a gente adora odiar). O jornalista ficou a resmungar sobre isso o resto do dia.
A que ponto esta precarização está a afetar a transmissão de notícias europeias, é difícil dizer, visto que muitos “freelancers” europeus sentados ao meu lado no momento em que escrevo esta prosa nunca conheceram mais nada. Trabalham freneticamente – saindo a correr da conferência de imprensa do meio-dia, para desatarem a teclar freneticamente durante a hora seguinte. Raramente viajam e prontamente admitem que não têm muito tempo para investigação – estão ali para recolher a notícia mastigada que a União Europeia lhes disponibiliza todos os dias.
Se é de notícia direta e simples que gosta, trabalhar na União Europeia pode ser fácil.
Todos os dias, os escaninhos colocados no exterior da Sala de Imprensa da Comissão Europeia enchem-se de comunicados de imprensa anunciando decisões políticas importantes e dispendiosas. Muito frequentemente, consegue-se o telemóvel de consultores extraordinariamente bem-falantes (e multilingues), que fornecem um historial e declarações em direto. Pode-se assistir a "briefings técnicos" e, mexendo-se bem, consegue-se uma entrevista com um comissário.
Para a Comunicação Social eletrónica, há 2 canais na Internet que fazem a cobertura de todos os acontecimentos da UE (no Luxemburgo, Bruxelas e Estrasburgo), e pode-se pedir todos os vídeos que se consiga meter no cartão de memória. Há estúdios e técnicos disponibilizados gratuitamente: se quiser gravar uma entrevista televisionada com um membro do Parlamento Europeu, é só reservar o pessoal do audiovisual.
Demasiada informação
Um dia, reuni todos os materiais de comunicação oficial que consegui encontrar: 15. Um anúncio do comissário para a Política Regional em matéria de concorrência e de auxílios estatais; uma comissão parlamentar sobre Política Europeia Comum de Comércio; uma intervenção da vice-presidente Catherine Ashton sobre as eleições na Ucrânia; a aprovação pela Comissão da fusão de duas empresas de telecomunicações; etc. Entretanto, a minha caixa de entrada de e-mail foi-se enchendo de avisos de mensagens provenientes de organismos da UE que nem sabia que existiam.
O fulcro do sistema de geração de notícias da União Europeia é a conferência de imprensa diária da Comissão, ao meio-dia, que normalmente não fornece nenhuma informação nova. Na verdade, a maior parte das vezes, a porta-voz da Comissão, Pia Ahrenkilde Hansen (uma versão multilingue da CJ, para os fãs de “Os homens do Presidente”), limita-se a reiterar o que foi anunciado nos comunicados de imprensa. Começo a suspeitar que os repórteres vão a estas reuniões só para se orientarem para escrever, colhendo das perguntas de outros jornalistas uma ponta por onde pegar.
Os meus companheiros dizem por piada que já aprenderam a regra mais importante para um jornalista que trabalha fora de Bruxelas: passar os últimos 10 minutos do dia a apagar os emails que recebem da União Europeia. Ninguém quer levar coisas daquelas para casa e um ritual catártico pode ser tonificante. Mas sobre a forma global de se gerir a relação com a instituição que estamos a cobrir, não são dados conselhos.
Ponto de viragem
Estamos num ponto de viragem da história da Europa – e do mundo. Nos próximos anos, a União Europeia ou começa a desagregar-se ou os membros do seu núcleo adotam o espírito pioneiro dos fundadores e avançam para uma maior unidade – até mesmo para uma federação integral.
Está tudo a acontecer a passo de caracol; mas, quando os nossos relatos dos próximos 5 anos forem somados, teremos narrado algo grandioso. Pode ser o melhor trabalho das nossas carreiras.
Estaremos à altura do desafio? Seremos capazes de ultrapassar o nevoeiro quotidiano de comunicados de imprensa, citações citáveis e disputas mesquinhas para dar conta do tempo que estamos a viver? Ou o nosso ponto de vista privilegiado das caves da Comissão coloca-nos demasiado perto da ação – demasiado comprometidos com a mecânica dos anúncios políticos –, impedindo-nos de dar sentido ao que está a acontecer?

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