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sábado, 5 de janeiro de 2013

A legitimidade, a legalidade, a infelicidade, a realidade.

A propósito da "linguagem da justiça" e da obscuridade que deliberadamente cultivava no passado, como se fosse um atributo indispensável à afirmação de uma autoridade indiscutível, dizia aqui, na passada sexta-feira, que os "tribunais foram inventados para decidir conflitos que, de outra forma, permaneceriam para sempre irresolúveis".
Pedro Bacelar de Vasconcelos
É uma redundância que enuncia o absurdo da promessa de decisão de algo indecidível mas que exprime a natureza singular de um poder que Montesquieu, no "Espírito das Leis", definiu como sendo "de certa forma, nulo": - "(...) os juízes da nação (...) não passam de seres inanimados que não podem moderar nem a força nem o rigor (das leis)".
Porque se o "poder de julgar" não permanecer separado do poder legislativo e do poder executivo, transforma-se numa força arbitrária e opressora. É este o sentido mais perene e universal do princípio da separação dos poderes que, em nome da liberdade, garante nas democracias constitucionais do nosso tempo que o poder de julgar os conflitos legais nunca se confunda com a autoridade política de quem governa e legisla.
A polémica suscitada pela imposição de sacrifícios suplementares aos funcionários públicos e reformados, com a suspensão dos subsídios prevista nos orçamentos de 2012 e de 2013, parece contemplar um tipo de conflito adequado ao poder judicial: alega-se a violação do princípio da igualdade, garantido pela Lei Fundamental, porventura, também relevante na apreciação dos efeitos da nova graduação dos escalões do IRS. E deve ponderar-se ainda a eventual violação do princípio da segurança jurídica e da proteção da confiança, igualmente previstos na Constituição, perante a alteração unilateral, por força da lei do orçamento, da contraprestação a que o Estado ficou obrigado, desde a conclusão legal da carreira contributiva dos respetivos beneficiários, matéria que o Tribunal Constitucional nunca apreciou até hoje embora numerosos processos estejam em curso nos tribunais comuns.
Não parece portanto que haja qualquer motivo para censurar a iniciativa do Presidente da República - anunciada na mensagem de Ano Novo - de submeter a apreciação da validade constitucional daquelas normas da lei do orçamento ao poder judicial, sendo certo que o Presidente está expressamente vinculado a "cumprir e fazer cumprir" a Constituição. Porém, na mesma ocasião, o Presidente comunica que promulgou a lei do Orçamento, apesar de "fundadas dúvidas" quanto à constitucionalidade das referidas normas, "porque se tal não acontecesse, o país ficaria privado do mais importante instrumento de política económica de que dispõe" e "as consequências no plano externo seriam extremamente negativas". Os juízos de oportunidade e a antecipação das consequências de decisões próprias são considerações de índole substancialmente política e perfeitamente adequadas ao perfil das atribuições constitucionais do Presidente da República. Mas levantam-se aqui dois problemas delicados.
Em primeiro lugar, a prioridade reconhecida à conveniência da entrada em vigor do Orçamento do Estado no primeiro dia do ano - ainda que se trate do "mais importante instrumento de política económica" e sendo previsíveis consequências externas negativas - com prejuízo da obrigação de defesa da ordem democrática e dos direitos humanos que a Lei Fundamental especialmente lhe confia. Em segundo lugar, as apreensões suscitadas por esta transferência para o poder judicial de uma responsabilidade de que se abdica com fundamento em considerações de natureza exclusivamente política que o Presidente pode, de facto, invocar mas que estão vedadas aos juízes na apreciação material da constitucionalidade das normas. A "batata quente" passou assim para as mãos dos juízes do Tribunal Constitucional. Estes procedimentos criam um grave risco de perversão do sentido da responsabilidade política, da lógica da legitimação democrática e do princípio da separação dos poderes, somando a judicialização da política à omnipotência da troika e à transcendência da "vontade dos mercados" que um outro órgão de soberania, o Governo, incessantemente proclama.
A diretora-geral do FMI, Christine Lagarde lamenta as situações de desemprego, os elevados custos de financiamento das empresas e a dificuldade em reduzir as rendas excessivas em setores não transacionáveis.
“O facto de não termos previsto a inconstitucionalidade de algumas medidas propostas no ano passado foi uma infelicidade”, diz, referindo-se ao chumbo dos cortes dos subsídios de férias e de Natal que o Governo introduziu em 2012 para a função pública mas que foram rejeitados pelo Tribunal Constitucional.
No entanto, deixa também elogios: “A maior surpresa foi a determinação colectiva do país na recuperação, incluindo membros da coligação, sindicatos e a opinião pública. Nem toda a gente está contente, muitas pessoas estão frustradas, estão a fazer enormes sacrifícios e perderam os seus empregos. Mas há um sentimento colectivo de que existe uma saída e que tem de ser feita conjuntamente.”
Num artigo de opinião, Mota Amaral, deputado do PSD e antigo presidente do Parlamento diz que "a situação geral do País, em vez de melhorar, como o Governo promete e todos desejaríamos, tem vindo a degradar-se" e escreve: "Basta ter os olhos abertos para comprovar o alastramento de uma verdadeira catástrofe". O antigo presidente do parlamento conclui: "O Governo tem vindo a ficar isolado (...) perante a crítica generalizada da opinião pública e a crescente indignação dos cidadãos". O deputado do PSD garante ainda que avisou o Governo para algumas opções que considera erradas e dá um exemplo: "Parece-me ter sido um erro a voluntariosa opção por ir além da Troika". Mota Amaral diz que nunca foi ouvido.

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