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sexta-feira, 14 de dezembro de 2012

A angústia de um país acéfalo num próximo futuro?

Jovens cientistas e com rendas para pagar desesperam. Ninguém os ouve. Não há amor à ciência que resista assim. E não importa a justificação oficial, porque ela não serve como talão de desconto no supermercado.
Filipa Marques*
No trânsito de Lisboa e a caminho de mais um dia de trabalho, faço mentalmente a lista de colegas e amigos cientistas que emigraram nos últimos anos. Somo uns quantos e sei que serão mais em breve. Como em qualquer outra área, sempre houve gente a emigrar em busca de melhores oportunidades. Dizem uns que até é bom porque aprendem lá fora e a maioria irá voltar. Concordo com a primeira parte, é bom aprender lá fora. Duvido da segunda; a maioria que vai, hoje mais do que nunca, não volta tão cedo, simplesmente não pode.
É gente qualificada que parte. E é Portugal que mais perde. Falo principalmente de jovens outrora bolseiros de investigação científica. O país investiu nestes jovens, através de um ensino superior de qualidade (sim, ainda há ensino superior de qualidade em Portugal) e de bolsas de formação avançada, tudo isto num esforço digno de registo na última década. E esta gente não é ingrata com o país, mas, graças às idiossincrasias da própria natureza, precisam de comer e ter um tecto.
Bolseiros de investigação, de doutoramento, de pós-doutoramento deparam-se hoje com atropelos à sua dignidade. Presos num contrato que exige exclusividade, são os primeiros a sofrer as consequências da instabilidade no financiamento, atrasos na gestão de processos e nas transferências de verbas para as instituições. Falta liquidez? Não faz mal, atrasam-se os pagamentos aos bolseiros e, de preferência, sem avisar. As instituições e o Governo refutam responsabilidades e, enquanto isto, estes jovens adultos e com rendas para pagar desesperam. Nada podem fazer, é a exclusividade patente no contrato que os impede de considerar qualquer outra hipótese viável e imediata de rendimento. Ninguém os ouve. Não há amor à ciência que resista assim. E não importa a justificação oficial, porque ela não serve como talão de desconto no supermercado. A responsabilidade não é de um, é de todo um sistema que falha, agora quando todos mais precisam.
E quando até há pouco o tempo os “felizardos” bolseiros podiam contar com o apoio da família para sobreviver nos meses sem bolsa; agora nem isso lhes vale. A família já não pode ajudar. Alguém lhes disse que viveram acima das suas possibilidades e por isso foram-lhes cortados salários e aumentados os impostos.
Defende-se hoje um modelo de financiamento da ciência de excelência. Não poderia estar mais de acordo. Mas na base de sustentação dessa tão almejada excelência está o trabalho científico de base, que, não sendo outstanding como gosta de se dizer, não deixa de ser fundamental. Ora esse trabalho científico fundamental é, frequentemente, suportado por bolseiros de investigação em formato de “formação avançada subsidiada”. Na realidade, esses bolseiros somam no seu currículo uma “avançada” lista de bolsas ao longo de anos, espaçadas por meses em que nada recebem enquanto esperam pelo início de um qualquer novo projecto.
Este modelo de prestação de trabalho científico fundamental precisa de ser reformulado e integrado numa visão estratégica de futuro científico sustentável e sustentado em Portugal. Um desafio para a ciência portuguesa e, reconhecendo dificuldades que o país enfrenta, é o de não confundir excelência com elite. É que o trabalho científico de excelência não se reflecte necessariamente em publicações em revistas científicas internacionais.
Por outras palavras, há ciência de excelência que escapa na malha dos indicadores científicos tradicionais utilizados pelos painéis de avaliação. A cegueira do publish or perish (publica ou desapareces, numa tradução livre), se desenraizada da especificidade de cada ramo da ciência, conduzirá à extinção de áreas da ciência fundamentais para o desenvolvimento do país. A consequência é a já visível fuga para outros países de toda uma geração de gente qualificada. Outros países, como a Alemanha, agradecem.
Os números da OCDE indicam um acréscimo de emigração por parte de portugueses com formação superior. A OCDE suspeita ainda de que os dados sobre Portugal como país de origem estejam subestimados relativamente ao fluxo real de emigração. No caso dos jovens investigadores, não custa imaginar porquê. Como se contabiliza a emigração de cientistas em regimes precários? Como pode o país contabilizar a fuga destes cérebros? Assim de repente, contabilizo 7 jovens em fuga nos últimos 2 anos só no meu pequeno grupo de colegas que não ultrapassa a vintena.
Imersa nestes pensamentos, ouço a canção Boa Sorte (Vanessa da Mata/Ben Harper). Nunca como hoje a letra fez tanto sentido para mim, fala de uma despedida entre gente jovem e capaz e do seu país que já mais não os pode segurar. “É só isso / não tem mais jeito / acabou, boa sorte (…) / tudo o que quer de mim / irreais / expectativas / desleais(…).”
*Geóloga do Centro de Recursos Minerais, Mineralogia e Cristalografia da Universidade de Lisboa
Vanessa da Mata & Ben Harper - Boa Sorte (Good Luck)


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