"A Grécia devia reestruturar a dívida uma ou duas vezes. Mas é fácil para mim falar sobre isso, sentado aqui na Suécia." Per Jansson, vice-governador do Riksbank, o banco central sueco e o mais antigo do mundo, sorri. Lá fora, o dia amanheceu cinzento como a economia europeia, mas em vésperas de Natal, a Suécia encontra razões para acreditar num futuro de crescimento.
Mónica Bello
Per Jansson, que já foi secretário de Estado para as Políticas Económicas e Internacionais, tem um único pesadelo: "Que as coisas comecem a correr mal na Alemanha. A Alemanha também tem de traçar limites, não pode resolver todos os problemas atirando dinheiro para cima deles, eternamente." Para já, no entanto, o vice-governador segue a linha otimista do Relatório de Política Monetária do banco central sueco. "Eu tenho esperança e ainda acredito", diz, que a crise das dívidas públicas pode ser gerida, levando ao declínio do clima de incerteza que tem vindo a afetar as economias europeias. E que pode ainda vir a desestabilizar a economia da Suécia, onde as exportações representam 50% do PIB e cujos maiores clientes são os países da União Europeia, quase metade deles na zona euro.
A 10 minutos a pé, o ministro das Finanças sueco tem ainda meia hora disponível para explicar a sua política antes de se meter num avião para Bruxelas. Anders Borg, eleito há duas semanas pelo Financial Times como o vice-campeão europeu das Finanças (atrás do homólogo alemão Wolfgang Schäuble), é também o dono do aspeto exterior menos ortodoxo de todos os governantes da Europa. O rabo de cavalo e o brinco na orelha esquerda podiam até indiciar um espírito mais à esquerda, mas seria engano. Em 2006, quando assumiu o cargo das Finanças no governo de centro-direita de Fredrik Reinfeldt, já iam longe os tempos em que o adolescente Borg tinha defendido a descriminalização das drogas num artigo de jornal.
Manter as finanças públicas na ordem é o seu principal objetivo. E é com pragmatismo e férrea convicção que mantém a Suécia no rumo traçado, prevendo-se para 2013 uma dívida pública de 36% e um superavit no Orçamento do Estado. "Durante a crise regressámos com números muito altos de crescimento em 2010 e 2011. Na verdade ultrapassámos os valores do PIB registados antes da crise", explica. E a capacidade de resistência da economia sueca tem, pelo menos, duas razões fundamentais, segundo Borg: "Fomos capazes de fazer uma grande série de reformas estruturais que nos permitiram aumentar a nossa competitividade, sobretudo referente ao sector interno de serviços." As exportações sofreram uma quebra, mas recuperaram rapidamente. "Temos muitos bens industriais e indústria de alta tecnologia, por isso tendemos a ser mais cíclicos, mas também temos uma tendência para recuperar mais fortemente do que muitos outros países", explica. Quando outros pediam estímulos à economia em forma de crédito, Anders Borg preferiu continuar a aplicar reformas ao Estado social, aliviar a carga de impostos sobre as empresas (uma redução de 15% em 2013) e manter o esforço de investimento em investigação e desenvolvimento e infraestruturas. As reformas, aliás, já não são novidade para os suecos. Têm vindo a ser introduzidas desde o início da década de 90 pelos sucessivos governos, altura em que uma bolha imobiliária e financeira na Suécia abalou os bancos nacionais e em 6 meses atirou o país do equilíbrio orçamental para um défice de 13% e uma crise de que só recuperou na viragem para o século XXI. De um dos países mais ricos do mundo nos anos 70, a Suécia deu um trambolhão para o 15.º lugar - onde aliás se mantém quando se comparam PIB per capita.
20 anos de reformas (que continuam a ser implementadas) - e muita desregulação - depois, o atual ministro das Finanças não tem dúvidas: "Quando a perceção no país é de que todos estão no mesmo barco, é mais fácil levar a cabo reformas estruturais e tomar decisões políticas difíceis." Na Suécia, um dos países com diferenças de rendimento mais baixas na União Europeia e na OCDE, a coesão social não é só um conceito. Com menos subsídios, o chamado "modelo sueco" do Estado social já não é o mesmo, mas mantém altos os níveis de proteção social - das creches ao desemprego, aos cuidados de terceira idade. O pagamento de pensões, por exemplo, obedece agora ao princípio "o que entra é o que sai" e os valores são ajustados anualmente. Altos mantêm-se igualmente os impostos sobre o rendimento - 50% do salário da maioria dos suecos entra nos cofres públicos: 20% para o Estado central e cerca de 30% para os municípios e regiões, que têm a seu cargo, entre outros serviços, a gestão da saúde e educação gratuitas.
"De uma maneira geral estamos fortes e é provável que, quando fizermos o Orçamento do Estado para 2014, possamos adotar medidas adicionais para tentar pôr um pouco de mais energia na economia", promete o ministro das Finanças sueco.
Nem tudo são rosas, obviamente. Stefan Fölster, economista-chefe da Confederação Empresarial Sueca, gostaria de ver cortes maiores nos impostos e mais flexibilização na lei laboral. Não são poucas as empresas que já trocaram a Suécia por ambientes fiscais mais simpáticos, como o Skype, por exemplo, que preferiu instalar-se na Estónia. O princípio que obriga a respeitar a antiguidade dos trabalhadores na empresa quando é preciso dispensar força de trabalho, queixam-se os empresários, não deixa que a competência possa ser o principal critério de avaliação. Fölster acredita que esta medida poderia ajudar a baixar o elevado desemprego jovem, 20% dos cerca de 700.000 suecos desempregados. Argumento que não convence o sindicalista e economista Ola Pettersson, da Confederação dos Sindicatos Sueca: "Os mais novos resistem melhor a períodos de transição entre empregos."
Portugal está a milhas da Suécia em inúmeros indicadores e as receitas suecas de crescimento económico, redistribuição de riqueza e bem-estar social não servirão certamente a todos. Isaac Newton, o físico, matemático, astrónomo e filósofo britânico do século XVII, disse: "Se eu vi mais longe, foi porque me pus em pé nos ombros de gigantes." A frase, inscrita numa das paredes da cafetaria do museu dedicado a Alfred Nobel, no centro histórico de Estocolmo, pode ser inspiradora.
*A jornalista viajou a convite da Embaixada da Suécia
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