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terça-feira, 4 de dezembro de 2012

À primeira até parece “lêgal”, mas levarem-nos o ouro?

No dia 29 de novembro, a Comissão dos Assuntos Económicos e Monetários do Parlamento Europeu aprovou a posição da assembleia sobre a supervisão do sistema bancário europeu. Esse documento servirá de base às negociações com os Estados-membros, permitindo ao Conselho de Ministros das Finanças, em 4 de dezembro, adotar um texto sobre a união bancária. É uma questão que o vice-presidente do Parlamento, Gianni Pittella, tem acompanhado de perto. Nesta entrevista, concedida na véspera da votação da Comissão, fala sobre o assunto ao Presseurop.
Presseurop – Em que ponto estamos, em matéria de união e supervisão bancária?
Gianni Pittella – Berlim não queria que o BCE pudesse exercer controlo sobre os bancos menos importantes, e em especial sobre os quase 1.600 “Landesbanken” (bancos regionais) e caixas económicas alemãs. Mas chegámos a um compromisso: a comissão de supervisão do BCE exercerá as suas competências sobre os bancos nacionais e aqueles cuja falência poderia causar um risco sistémico, para além dos que tenham solicitado ajuda financeira para superarem as suas dificuldades. As autoridades bancárias nacionais ficam com a supervisão sobre outros bancos. Mas o BCE terá a possibilidade, se considerar necessário, de também se debruçar sobre alguns, caso a caso. Ao Parlamento cabe garantir que não haja conflitos de interesses entre a autoridade de controlo e os bancos controlados. Uma questão sensível, em especial devido à extrema permeabilidade do setor bancário. Para além disso, decidimos que o presidente e o vice-presidente da comissão de fiscalização devem ser eleitos após aprovação pelo Parlamento Europeu – como o próprio presidente do BCE, aliás –, para garantir o controlo democrático do organismo. Vamos também requerer que a comissão de supervisão esteja em contacto permanente com a Comissão dos Assuntos Económicos e Monetários do Parlamento. Quanto à entrada em vigor, esperamos que o Conselho aprove o documento na cimeira de 13 e 14 de dezembro, de modo a que a supervisão entre gradualmente em funcionamento no início de 2013.
Uma vez aprovada essa comissão de supervisão bancária, quais as etapas para chegarmos a uma verdadeira união bancária?
Há ainda alguns passos a dar, nomeadamente em matéria de harmonização de regulamentos sobre depósitos bancários. Mas o mais importante é realmente a supervisão. É uma verdadeira revolução: passamos de 27 supervisores nacionais – algo absolutamente contraditório na Europa, onde há bancos supranacionais, uma real desvantagem – para um único. Não seria possível evitar novas crises bancárias mantendo o sistema atual.
A instituição de uma supervisão bancária única tem ainda a vantagem de encetar um círculo virtuoso: se fizermos a união bancária, podemos fazer a união económica e fiscal. E daí passamos à união política. Porque não faz sentido partilhar ao nível da UE os aspetos económicos e financeiros, e não o aspeto político.
Acredita na união política?
Sim! Apesar de haver resistências que devemos esforçar-nos por superar. E espero que, a partir de 2014, data das próximas eleições europeias, possamos instituir uma nova Convenção Europeia, que dote a União com novas regras no plano político e que fixe o quadro da futura união política.
Acha que o Parlamento tem um papel a desempenhar na vida económica da União e na busca de soluções para a crise económica?
Com o Tratado de Lisboa, o Parlamento tornou-se codecisor. Penso que, dentro de alguns anos, se tornará uma verdadeira câmara legislativa. A prazo, a verdadeira câmara legislativa da União Europeia deverá ser o Parlamento. Hoje, queremos fazer ouvir as nossas vozes sobre a forma de gerir a crise. Lutamos para fazer ouvir aos arautos da austeridade que todas as análises confirmam que os efeitos de uma política baseada apenas na austeridade são devastadores: a dívida pública não recua, a recessão instala-se, o desemprego aumenta, a procura interna retrai-se, a Europa perde competitividade internacional e as previsões de um retorno ao crescimento dizem que só em 2014.
Tem propostas alternativas?
É preciso virar já a página da austeridade. É hora de investir. Queremos um plano europeu de crescimento, coesão social e desenvolvimento sustentável. Um plano baseado no financiamento de redes de infraestruturas materiais e imateriais. Das primeiras fazem parte as redes ferroviárias, de energia, telemáticas e as energias renováveis. As segundas incluem educação, formação, investigação e mobilidade da juventude. É um plano de centenas de milhares de milhões de euros, que temos de pôr em prática rapidamente.
E onde pensa arranjar esses milhares de milhões de euros, quando os Estados-membros enfrentam cortes orçamentais por vezes enormes, por falta de dinheiro?
Precisamos de criar títulos de tesouro europeus – as famosas euro-obrigações –, para reunir cerca de três biliões de euros. Esse montante, não fui eu que o inventei: foram economistas liderados pelo [ex-presidente da Comissão Europeia] Romano Prodi e o [economista italiano] Alberto Quadro Curzio. 2,3 biliões seriam para a mutualização da dívida europeia, tratando, pois, de reduzi-la; os 700 mil milhões restantes seriam usados para financiar o plano de investimentos. Temos de dizer a Angela Merkel e aos cidadãos alemães: "Vejam, o lançamento destas euro-obrigações não vos vão custar um cêntimo, porque a garantia das euro-obrigações é fornecida pelas reservas de ouro dos Estados-membros e pelo seu património público".
Os Estados podem assegurar simultaneamente a sua própria dívida pública e uma possível dívida europeia?

As suas reservas de ouro e património são perfeitamente suficientes. Podíamos decidir que os Estados gastassem em euro-obrigações a parte do PIB que excedesse os 60% [a dívida pública admitida pelos critérios de convergência do euro]. Tecnicamente, é viável. Devemos assumir que é a solução certa. Depois disso, se, para apoiar as euro-obrigações, Angela Merkel exigir que se avance para a união fiscal, ou seja, que os Estados-membros da zona euro cumpram os critérios estabelecidos no pacto fiscal e que haja [da parte da UE] controlos mais rígidos sobre as políticas orçamentais, concordo. Desde que também se avance com a união política.
Mencionou a possibilidade de o Parlamento se tornar na câmara legislativa da UE. Atualmente, esse papel é desempenhado pelo Conselho. Como vê a relação entre as duas instituições, nesse cenário?
Imagino um poder legislativo de duas câmaras – o Conselho será a segunda câmara, uma espécie de Senado –, em que ambas têm poderes iguais. O presidente do Conselho seria equiparado a um presidente do Senado. A menos que se pense em transformar o Conselho em órgão executivo, mas isso levanta a questão do papel da Comissão.
No futuro, imagina uma UE federal ou uma união a duas ou mesmo três velocidades? Ou será uma união mais intergovernamental?
A minha ambição era chegarmos a uma união federal. A solução intergovernamental não produziu resultados brilhantes. Porque a lógica intergovernamental é a de dirigir qualquer negociação pelos interesses nacionais. E é claro que esses são divergentes.
Uma reforma que é muitas vezes referida nos artigos que publicamos é a da eleição do presidente da Comissão e dos comissários europeus por sufrágio universal. O que pensa disso?
Sou a favor da eleição direta do presidente da Comissão. E podia ser já a partir de 2014, sem transtornar as atuais regras que regem as eleições europeias: se os partidos pertencentes a um grupo político no Parlamento Europeu derem indicação, durante a campanha, de qual é o seu candidato à presidência da Comissão, os eleitores votariam nele. Se o Partido Socialista Europeu indicar o atual presidente do Parlamento, Martin Schulz – como é meu desejo, porque tem a envergadura necessária para o lugar –, todos os partidos afiliados indicariam Schulz como candidato.
O que pensa da hipótese de listas eleitorais transnacionais, com candidatos que se apresentariam em países que não o seu?
Sou a favor. E sou também a favor da eleição dos comissários europeus de entre os eurodeputados, pois isso retirava a sua nomeação aos governos e resolvia o défice democrático, um dos males que afligem a Europa de hoje.

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