Há já alguns anos que a Alemanha se confronta com uma diminuição de natalidade recorde. Resultado de uma política familiar dispendiosa, excessiva e contraditória de que são vítimas sobretudo mulheres entre os 30 e os 40 anos.
Taxas referentes a 2009 |
Mulheres licenciadas na casa dos 40 e dos 50 anos e sem filhos: eis a encarnação de um fenómeno alemão acompanhado de perto pelos demógrafos. De facto, 20% dos alemães do ocidente nascidos entre 1960 e 1964 não têm filhos, 22% têm apenas um. E a probabilidade de não terem filhos aumenta cada vez mais com o nível de estudos. “1/4 dos licenciados do ensino superior não tem filhos, embora essa percentagem seja de apenas 15% nas que pararam de estudar no secundário”, resume Christian Schmidt, investigador do instituto económico berlinense DIW.
O fenómeno preocupa os círculos governamentais em Berlim, num contexto de rigor e redução das despesas públicas. Uma vez que são essencialmente as mulheres mais ricas que não têm filhos, enquanto o número de jovens oriundas de famílias pobres, que dependem de prestações sociais, esse, não para de aumentar. Muitas vezes, a imprensa alemã estigmatiza esses “Dinks” (double income, no kids, “dois rendimentos, sem filhos”), acusando-os de hedonismo e egoísmo. No entanto, a realidade é por vezes muito diferente.
Desolada aos 50 anos
Num artigo da revista feminina Brigitte intitulado “Demasiado velha para ter um filho?”, a jornalista Sabine Reichel descreve a evolução dos seus sentimentos enquanto mulher sem filhos: feminista dedicada aos 30, adepta da liberdade aos 40, desolada aos 50. “Nunca devemos abdicar de algo tão importante como um filho por razões aparentemente razoáveis”, afirma.
“A dimensão do fenómeno de mulheres entre os 40 e os 50 anos sem filhos é o fator decisivo que explica a fraca taxa de natalidade na Alemanha”, revela um relatório do Gabinete federal de estatísticas, publicado este ano. O país conta apenas com 8 nascimentos por cada 1.000 habitantes, a taxa mais baixa no mundo. Em 2011, foi atingido um novo recorde, com 663.000 nascimentos, menos 15.000 do que em 2010. Todos os anos, desde 1972, o saldo da natalidade é negativo, com 852.000 mortos. Apenas a imigração permitiu que a população alemã se mantivesse. A longo prazo, a Alemanha só poderá ter entre 65.000.000 a 70.000.000 de habitantes, em vez dos 81.500.000 do ano passado. “E o número de nascimentos vai continuar a diminuir, simplesmente porque o número de mulheres na idade de procriar diminuiu”, acrescenta Steffen Kröhnert, investigador do instituto berlinense para a população e o desenvolvimento. “Algo que acontecerá mesmo que o número de crianças por mulher aumente ligeiramente desde 2010, atingindo os 1,4 filhos por mulher em vez dos 1,39 anteriores.”
Esta ligeira subida da taxa de fecundidade é, por enquanto, o único efeito positivo da política familiar dispendiosa desenvolvida por fases após a era Helmut Kohl, no final dos anos 1990, substituindo a da época da guerra fria. Na RFA prevalecia o modelo “burguês” que confinava as mulheres à casa: não havia creche para os mais pequenos, os mais velhos estudavam a tempo parcial e, como se não bastasse, o regime fiscal incentivava os casamentos mas não os nascimentos. A RDA, por outro lado, era regida pelo sistema soviético: as mulheres trabalhavam, as crianças eram colocadas em creches ao dia ou à semana, a natalidade era promovida pela distribuição seletiva de habitações a jovens famílias. “A política familiar da Alemanha do ocidente bloqueou as evoluções sociais durante décadas”, considera Michaela Kreyenfeld, socióloga no Instituto Max-Planck, em Rostock. “Desde a queda do Muro, a queda da demografia tem vindo a ameaçar o equilíbrio dos orçamentos sociais.”
Política familiar das mais caras do mundo
Com um orçamento de €195.000 milhões por ano, a política familiar alemã é hoje uma das mais caras no mundo. Contém cerca de 160 medidas, cujo intuito é encorajar a natalidade, fornecendo nomeadamente um salário parental muito generoso (60% do salário, com um limite de €1.800 pagos durante os próximos 12 ou 14 meses após o nascimento de uma criança) e subsídios familiares de €250 por crianças e por mês. No entanto, estas medidas são por vezes contraditórias, devido aos conflitos entre as coligações no poder em Berlim. O CDU de Angela Merkel pode agora estar convencido de que é necessário promover o trabalho das mulheres, mas não é o caso do CSU, o seu aliado bávaro particularmente conservador. Assim sendo, o Governo apoia o desenvolvimento de meios de guarda de crianças (cada família terá direito a um lugar numa creche a partir do verão de 2013). Mas este instaurou também um subsídio para mães domésticas (€250 por mês, além dos subsídios familiares para estas últimas), cujo custo elevado deverá travar a construção de novas creches… “Querem incentivar as mulheres a trabalhar, mas não suprimem o regime fiscal muito desvantajoso para as mães ativas; querem criar mais creches, mas implementam um subsídio para mães domésticas”, lamenta Steffen Kröhnert. “Não há coerência.” E trava a evolução das mentalidades.
A grande maioria das alemãs está convencida de que o melhor meio de guarda de crianças com menos de 3 anos é permanecer exclusivamente com a sua mãe ou avó, como outrora. Estas têm a certeza de que, para ser uma boa mãe, é necessário abdicar dos seus sonhos profissionais. Contudo, as recém-licenciadas já não estão dispostas a fazer os mesmos sacrifícios consentidos pelas próprias mães.
Apesar de a análise se reportar à Alemanha, que com condições favoráveis à procriação tem os resultados negativos que regista, o mesmo se passa por toda a Europa, inclusive em Portugal.
Se tivermos em conta a diferença abismal de “regalias” de incentivo ao aumento da natalidade, oferecidas nos diferentes países e pelo que conhecemos da nossa comunidade, em que a taxa de natalidade é menor, as causas não se resumem, apenas, a mais ou menos creches, à vontade de as mulheres apostarem mais na carreira profissional, ou outras, mas sobretudo à estrutura social que se vai desenhando, fruto do economicismo cego, que não dá qualquer garantia de futuro, com o mínimo de dignidade.
Se tivermos em conta as taxas do desemprego (e crescente), se tivermos em conta o teto “máximo” estabelecido para a remuneração do trabalho (do “mileurismo” e até muito menos), se tivermos em conta as medidas de austeridade que se estendem aos países mais “ricos” (por conta dos mais pobres), se tivermos em conta as altas taxas de impostos (impostas à classe média) e se tivermos em conta o longo período de recessão que se prevê, só os inconscientes (é preciso uma mamã e um papá) se lembrarão de ter filhos, sabendo que o futuro que lhes está reservado é de limitado sucesso…
Estamos condenados a ser menos, para podermos ter melhor fortuna…
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