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sábado, 28 de janeiro de 2012

Somos o que fazemos para mudar o que somos…

“Não há na Terra, de acordo com a minha opinião, felicidade igual à de alcançar a liberdade perdida.” - Cervantes
"Liberdade", foto de Gonçalo Coelho
A liberdade, a partir das concepções modernas, associa-se a outras virtudes como a justiça e a igualdade. Pela liberdade garante-se a vontade individual, mas cada um torna-se responsável pelas suas atitudes e ações. Como ideia estruturadora das relações sociais, a liberdade move os ideais democráticos. A liberdade humana é sempre um valor pelo qual muitos resolvem pagar alto preço.
Descrever sobre os fenómenos depois que os mesmos aconteceram é sempre mais fácil do que prevê-los, antecipando desfechos. Mas se é tão difícil prever antecipadamente os desfechos, aprendamos com eles a partir dos seus substratos (aquilo que forma a essencialidade do ser, sobre o que repousam os seus atributos, o que serve de base a um fenómeno).
A queda das ditaduras nas nações árabes da África e do Médio Oriente demonstra que o povo até suporta ditaduras, desde que as mesmas não usem dos mesmos artifícios de opressão daqueles que foram destituídos por estes que agora estão no poder. O povo não suporta a traição, o povo não suporta que alguém se declare dono de tudo e de todos. O povo não tolera privilégios inescrupulosos. Quando isto acontece, levanta a voz, grita por liberdade e luta por possibilidades de vida menos tiranas, mesmo não sabendo prever até quando usufruirá desta nova conquista. A esperança de dias melhores, em todos os sentidos, é sempre o horizonte de quem luta por liberdade.
Fica claro que houve quebra de confiança entre líderes e liderados no momento em que os primeiros se julgaram acima de tudo e de todos. Sintomaticamente, caíram por falta de legitimidade junto àqueles que diziam liderar. Mais do que isto, demonstraram o quão foram incapazes de ler a realidade, julgando que, ao fim e ao cabo, os seus liderados iriam defendê-los e quiçá, morrer por eles.
O desafio dos líderes está sempre na relação construída junto aos seus liderados, seja pela representação, seja pela condição de amálgama (mediação). Como afirma Walter Lippmann, "os líderes são os guardiões dos ideais de uma nação, das crenças que ela cultiva, das suas esperanças permanentes, da fé que faz uma nação de um mero agregado de indivíduos." Por outro viés, escreve John Maxwell: “o meu alvo não é formar seguidores que resultem numa multidão. O meu alvo é desenvolver líderes que se transformem num movimento”. Certo é que não há legitimidade de liderança quando os anseios e necessidades do povo não são respeitados. Certo também que os ventos de inspiração não sopram só aos que se consideram “iluminados”. A realidade, associada à capacidade de resignação e organização do povo, produz efeitos capazes de construir novos horizontes, novas utopias.
Nenhuma ditadura merece defesa. Todas as ditaduras tolhem a liberdade. A liberdade não se reduz a “poder dizer”. A liberdade sempre é “poder viver”: autenticamente, com dignidade, com segurança, com prazer, na ausência de “sofrimentos provocados”, com soberania. Resta perguntar se todos aqueles que pegaram em armas, morreram e pagaram o preço por mais liberdade no seu país sabiam que estas ditaduras, agora em cheque, já não interessam mais nem aos seus países nem ao resto do mundo por conta de novos posicionamentos de ordem política e económica. O que farão agora os EUA e a Europa: continuarão a ditar regras e a explorar os povos, sem a escora das ditaduras patrocinadas? O fim das ditaduras significa fim da opressão?
O desafio da liberdade é combater todas as formas de alienação. Onde houver alienação, não há como nascer liberdade. Ainda há muito a aprender, como ensina Eduardo Galeano: “somos o que fazemos, mas principalmente o que fazemos para mudar o que somos”.
Nei Alberto Pies, professor e ativista de direitos humanos

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