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sexta-feira, 27 de janeiro de 2012

Reinventar-se ou morrer? “Nós fazemos parte!”

Antiga praça forte da indústria têxtil, a cidade aposta no estatuto de capital europeia da cultura, em 2012, para sair do marasmo em que o desmantelamento das fábricas a deixou, há mais de 20 anos.
A crise, as várias crises simultâneas, cercam Guimarães, a bela cidade portuguesa de 50.000 habitantes, sede de município na região do Vale do Ave. Nos anos 1980 e 1990, as imensas fábricas têxteis que se estendiam por este vale foram sendo abandonadas por causa da pujante concorrência chinesa. Desde então, languidescem como velhos dinossauros inúteis.
O próprio centro histórico de Guimarães, muito bem conservado à sombra do velho castelo, está rodeado de fábricas vazias com chaminés de tijolo mortas. Mas os habitantes da cidade decidiram devolver-lhes a vida enchendo-as de quadros e de concertos e de peças de teatro para, assim, sobreviverem eles próprios.
Fábricas reconvertidas em espaços culturais
A Capital Europeia da Cultura, inaugurada no sábado nesta cidade situada a 150 quilómetros de Vigo, prevê a recuperação de muitas destas fábricas como cenários culturais, ecrãs de cinema ou residências para artistas bolseiros. Reinventar-se ou morrer.
A fábrica de Ramada, uma velha indústria de curtumes, fechada há muitos anos, albergará em setembro uma escola de design, mas antes disso servirá como sala de ensaios para a orquestra da organização. A fábrica ASA, que no seu tempo era especialista em colchas e toalhas, situada fora de Guimarães, a meio caminho entre Vizela e Santo Tirso, deixou definitivamente de funcionar em 2006. Agora, graças a um investidor privado, vai transformar-se numa espécie de centro comercial de lojas baratas. Mas, antes, os seus 24.000 m2 servirão para albergar as exposições de pintura.
E na fantasmagórica fábrica têxtil do Conde de Vizela, onde no século XIX trabalhavam mais de 4.000 empregados e que até tinha moeda própria, Víctor Erice e outros cineastas como Jean-Luc Godard ou Aki Kaurismäki (o finlandês vive perto de Guimarães) rodaram um filme coletivo. A cidade não está disposta a que o cinema passe por aqui a pretexto de 2012 e depois se vá embora, por isso adquiriu equipamento de produção de filmes para se converter em cidade-destino para os cineastas: “Já temos produções que iam para o Leste da Europa apalavradas para 2013. O próprio Erice disse que gostaria de vir rodar um filme aqui”, garante o responsável do setor audiovisual de Guimarães 2012, Rodrigo Areias.
Areias diz isto numa outra fábrica de Guimarães, reconvertida – graças ao impulso de um grupo de jovens arquitetos da cidade – no Centro para Assuntos de Arte e Cultura. Cada uma das salas tem uma missão, desde residências para artistas estrangeiros convidados a laboratório audiovisual especializados em robôs animados e jogos de computador que faz as delícias de qualquer louco da informática aplicada ou de qualquer louco simplesmente.
Solidariedade na adversidade
“As pessoas da cidade veem aqui à noite”, diz Areias com um sorriso. Talvez seja este o segredo da cidade: as pessoas desta cidade que, em 2001, foi eleita Património Cultural da Humanidade, vivem a Capital Cultural mais como uma oportunidade do que como uma festa. Para muitos é uma espécie de comboio que talvez não volte a passar por ali. Os organizadores deixam muito claro: “Não queremos que venha a Filarmónica de Berlim, que além disso é muito cara, que toque, muito bem, e depois se vá embora e adeus”, explica um dos porta-vozes da candidatura. “Queremos fazer qualquer coisa que perdure, que sirva para recolocar a cidade e queremos fazê-lo com as pessoas de cá”, acrescenta. Por isso, um dos lemas é: “Eu faço parte”. Há crachás com esta frase presos às lapelas e aos blusões de quase todos os habitantes de Guimarães.
O orçamento é magro (os 110 milhões de euros iniciais passaram, devido à austeridade, a 70 milhões para renovação urbana e 25 para a programação cultural), consequência de um ano em que Portugal joga – literalmente – a sua sorte como Estado solvente, ameaçado pela bancarrota e supervisionado pela troika. Por isso foi preciso puxar pela imaginação.
Um exemplo: a 28 de janeiro o inovador grupo Buraka son Sistema, um dos exemplos da modernidade portuguesa, dará um concerto no Pavilhão Multiusos. Também para esse dia está previsto um programa a que chamaram Mi Casa Es Tu Casa, em que os habitantes do centro histórico da cidade emprestam o seu apartamento, a sua sala, o seu corredor para que grupos musicais dêem recitais. Já há 40 casas dispostas a abrir as suas portas. Os orgulhosos habitantes de Guimarães, pois, respondem. Não é em vão, segundo os historiadores, Portugal nasceu aqui, tal como o seu primeiro rei, Afonso Henriques, que morou no famoso castelo que, com o tempo, foi ganhando o aspeto de velha fábrica abandonada. Não foi por acaso que, no domingo, o programa oficial arrancou com um documentário sobre música portuguesa intitulado, sintomaticamente, Vamos Tocar Todos Juntos para Ouvirmos Melhor.
AUSTERIDADE: Capitais europeias da cultura com orçamento limitado
“Nunca uma capital europeia da cultura terá sido organizada com um tão baixo orçamento”, sublinha o Expresso. Os 25 milhões de euros previstos para Guimarães 2012 são coisa pouca, se comparados com os 226 milhões de que gozou o Porto em 2001. Tal fica a dever-se à “situação económica vivida no espaço europeu e (...) às alterações introduzidas ao longo dos últimos anos no conceito de capital europeia da cultura”, explica o semanário lisboeta: adotado em 2007, o modelo atual prevê duas cidades por ano, de média dimensão (Guimarães partilha o título com Maribor, na Eslovénia). Se outrora as cidades aproveitavam para construir equipamentos culturais, hoje domina a ligação com o tecido cultural da região. É por isso que o filósofo português Eduardo Lourenço se interroga “se estas celebrações têm tido efeito, para lá do impacto interno” e se a iniciativa ainda terá sentido, numa altura em que já pouco resta das esperanças europeias que a fizeram nascer.

2 comentários:

  1. Trabalhei lá 13 anos e afirmo que foi uma cidade que se transformou imenso.

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    1. Urbanisticamente pela positiva, sociologicamente pela negativa, com o fecho de empresas, embora mantendo a identidade e o orgulho.

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