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segunda-feira, 12 de dezembro de 2011

Neocolonização: A Europa travestida de Oktoberfest…

Todas as vezes que se fala em salvar o euro, é razoável perguntar: salvar o quê? Para quem?
Não sou eurocético nem eurofanático. Nem acho que seria conveniente extinguir o euro de uma hora para a outra. Mas acho necessário analisar com alguma frieza o que está a acontecer na Europa.
Paulo Moreira Leite
Roupas tradicionais da Baviera
Apenas em sistemas de colonização, quando um país estrangeiro impõe o seu dinheiro sobre populações subjugadas, a humanidade costuma usar moedas criadas artificialmente, de baixo para cima.
Descrevendo de modo muito esquemático um processo muito mais complexo: as moedas nacionais são o ponto culminante de uma longa evolução, de um processo civilizacional cheio de nuances e contradições particulares.
Acho razoável definir uma regra geral, cumprida mais ou menos em toda a parte: antes da criação de uma moeda, foi preciso nascer uma determinada identidade nacional, que incluía um território, em geral uma língua única e fortes interesses comuns.
A partir daí nascia uma nação e, para traduzir a sua economia em termos aceitáveis para os cidadãos e traduzíveis para outros países, surgiam as moedas nacionais.
É possível apontar, ao longo da evolução humana, a existência de povos - num outro momento da civilização - que viveram muito felizes sem moeda, durante séculos. Outros também viveram sem linguagem escrita.
Mas não é possível apontar uma moeda sem povo. A Europa é um caso único.
E aí temos o mais complicado. A criação de um bloco económico regional, no Velho Mundo, foi um exemplo que seria copiado em muitos lugares, com resultados diversificados. Nenhum criou uma moeda única, porém.
A versão benigna para a criação da União Europeia diz que ela representou um esforço para criar uma zona de paz num continente que fora o berço das piores guerras da história da humanidade. Isso justificaria um passo tão ousado.
Todo o mundo quer a paz. Mas, para se acreditar na narrativa oficial da criação da  União Europeia e a sua moeda única, é preciso aceitar uma visão pacifista da evolução humana. É bonito mas é ingénuo, até porque as decisões políticas não são definidas por hippies, mas por banqueiros, políticos e tecnocratas - pelos eleitores, também.
As guerras, ensinou o barão Carl von Clausewitz, são apenas a expressão da política por outros meios. Com isto, ele não queria dizer que as guerras são inevitáveis. Apenas que a paz não é um ato de vontade, mas um acordo entre interesses nacionais.
Já disse, em outros lugar, que estamos a assistir, na Europa, a uma guerra por outros meios. Eu acho que é isso mesmo.
Uma das etapas do processo consiste na revogação do direito dos povos de definir os seus destinos. As decisões e mudanças de governo, neste momento, já nem sequer são feitas de modo a manter as aparências. O primeiro ministro grego que queria fazer um referendo foi derrubado em menos de 72 horas. Berlusconi foi empurrado para fora do governo italiano porque o seu escandalometro comprometia a autoridade necessária para impor medidas impopulares.
Se as guerras nunca se destinaram a destruir países, mas a vencer governos inimigos, a violência sem mortos da União Europeia é um caso para estudo.
Isso acontece porque os interesses nacionais e as contradições entre os países europeus não foram eliminados nem o serão num horizonte visível. Não há uma nação europeia. Nunca houve.
A criação do euro gerou um período de crescimento económico em todo o continente mas não tornou os países mais iguais. Pelo contrário. A moeda única do Velho Mundo nasceu num momento em que a desigualdade entre os países se tornara uma barreira para o comércio entre elas. O marco tinha-se tornado uma moeda tão sólida e tão valorizada, que era um obstáculo às exportações alemãs.
Do ponto de vista alemão, o surgimento do euro criou uma moeda desvalorizada que ofereceu, acima de tudo, um novo e grande impulso às exportações para os seus vizinhos do continente, num mercado já protegido por fronteiras comerciais. A moeda única ainda abriu uma nova clientela para os seus bancos, que sempre tiveram dificuldade para fazer empréstimos para países e clientes que só podiam honrar compromissos com moedas frágeis, sujeitas a surtos inflacionários e riscos de desvalorização.
A recessão encarregou-se de mostrar que alemães continuam a ser alemães, franceses seguem sendo franceses, os espanhóis são espanhóis e assim por diante. Não é feio nem atrasado. É uma realidade, apenas isso.
No retorno à lei do mais forte, repete-se, assim, o velho costume de privatizar os ganhos e socializar os prejuízos.
O discurso de Angela Merkel é irresponsável e irracional, do ponto de vista dos interesses dos países que formam a União Europeia e da própria população alemã. A sua austeridade não tem fundo religioso, protestante, como muitos acreditam. Apenas reflete o compromisso do seu governo com uma visão de política económica mesquinha, comprometida com o sistema financeiro do seu país, que seria o primeiro a pagar a conta na hipótese de uma rutura do euro. Mas o discurso de Merkel tem legitimidade nacional. Considera-se aceitável que ela coloque aquilo que considera como o interesse da sua população e dos seus eleitores em primeiro lugar.
Isso implica - é o que estamos a ver - em travar uma guerra por outros meios com cada país do Continente.
Ninguém acha errado porque ninguém acredita que alemães e gregos façam parte da mesma nação. Toda a gente sabe que os pobres vão pagar a conta e que o Estado do Bem-Estar Social enfrentará novos riscos e ameaças.
Ao contrário do que o seu discurso dá a entender, a política real de Merkel (com Nicolas Sarkozy fazendo a figuração) é nacional, mas isso parece não ter importância.

2 comentários:

  1. Os custos da saída serão astronómicos!
    Os custos da permanência ainda não se contabilizaram.

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  2. Félix da Costa
    Isso é o que dizem os que estão bem. Por que custa mais sair do que entrar?

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