Explorando a afinidade para combater os protestos nos Estados Unidos.
Enquanto vejo como se comporta a política à volta do movimento Ocupemos Wall Street, acabo a pensar em Bernie Madoff. Sigam-me a ideia; inclusive talvez tenha sentido. O assunto Madoff, como saberá, foi um caso clássico de “fraude de afinidade”. Madoff conseguiu ganhar a confiança de muitos judeus endinheirados e persuadi-los de que era um dos seus. Esta fraude está por trás de muitas burlas financeiras, e também políticas.
Neste momento, a campanha contra Ocupemos Wall Street basicamente tenta conseguir que a classe trabalhadora estadounidense volte as costas ao movimento, pese embora a maioria das pessoas apoie as suas metas, tentando aparentar que os manifestantes não são como eles, enquanto os plutocratas, esses, sim são. Vamos lá ver! Isto funcionou muitas vezes na história. E pode funcionar em muitas direções: Ocupemos Wall Street deve-se reprovar porque são hippies sujos; Elizabeth Warren, candidata a senadora pelo estado de Massachusetts, não é como você porque, meu Deus, é catedrática de Harvard.
E agora que o penso, a teoria generalizada da fraude de afinidade estende-se para além da política até coisas como a análise financeira. Ocasionalmente maravilhou-me a persistente popularidade dos inflacionistas de Wall Street, os que se enganaram em tudo. Suspeito que se deve em muito aos economistas que pronunciam advertências calamitosas, a respeito dos défices e o aumento da base monetária, que se parecem com o tipo de gente com quem gostariam de dar umas tacadas num campo de golfe, coisa que não sucede em relação aos professores barbados.
Então, o que temos que fazer? Dentro de certos limites, deveríamos tentar acalmar a dissonância social desnecessária. Se vai haver uma manifestação em nome da classe trabalhadora estadounidense, esqueça-se dos círculos de tambores. Os guerreiros classistas da direita querem convencer as pessoas de que realmente se trata de uma guerra cultural, e você não deve facilitar o trabalho deles. Mas há limites. Não, não vou começar a praticar golfe.
A Europa deveria ter cuidado com certos líderes
Alan Cowell escreveu um artigo interessante publicado em 14 de novembro no The New York Times, onde contrastou as atitudes públicas atuais para a austeridade com as atitudes para a austeridade que eram a norma na Grã Bretanha do Pós guerra, formosamente descritas pelo falecido Tony Judt. Tal como assinala Cowell, uma diferença importante é que, nesse tempo, o sacrifício era repartido: “Antes de morrer da doença de Lou Gehring en 2010, o historiador Tony Judt recordou os seus dias de infância, logo depois da Segunda Guerra Mundial numa debilitada Grã Bretanha, que lentamente cedia o seu império e a proeminência. A roupa esteve racionada até 1949, os móveis utilitários simples e baratos até 1952, os alimentos até 1954”, escreveu nas suas memórias, concluindo que a austeridade “nessa época era mais do que uma condição económica, aspirava a ética pública”.
Cowell continuou: “Ao enfrentar o seu problema de dívida massiva… A Europa parece ter perdido de vista o facto de que já o viveu antes; que a geração do ‘baby-boom’ encontrou as suas raízes na austeridade do pós guerra; que, como sugeriu Judt, a enorme riqueza dos últimos anos dificilmente se pode ter imaginado, enquanto as pessoas se esforçavam por se sacudir do pessimismo da Guerra”.
Mas, há também outras diferenças, discutivelmente, inclusive, mais cruciais. Primeiro, na Grã Bretanha do pós guerra houve racionamento; o consumo material foi deprimido. Mesmo havendo pleno emprego, segundo dados históricos britânicos. Isto é importantíssimo. Todas as evidências que constatei, dizem que o custo psicológico do desemprego é muito maior do que a perda do ingresso no trabalho (conheço gente que anda bem de dinheiro, mas que está profundamente deprimida porque não pode encontrar trabalho). Por isso, é tão tonto dizer, como alguns dizem, que as coisas não estão tão mal nos Estados Unidos neste momento, porque o consumo per capita continua alto tendo em conta outras balizas históricas.
Em segundo lugar, a austeridade do pós guerra na Grã Bretanha foi motivada por limites óbvios e reais de recursos. Em particular, as divisas escasseavam. Num nível básico, as pessoas sabiam por que se racionavam as coisas: a Grã Bretanha tinha gasto fortemente na guerra, por isso tinham que apertar o cinto para pagar a sua dívida.
Atualmente, em contraste, está a impor-se a austeridade porque homens de fato cinzento dizem que é necessária para satisfazer aos deuses invisíveis dos mercados financeiros. É compreensível que o público esteja a começar a ter as suas dúvidas e não só porque esses deuses invisíveis de certa forma só exigem sacrifícios dos trabalhadores, nunca dos ricos. O facto é que estes homens de fato cinzento não tem ideia do que fazem, o que ficou claro para alguns desde o princípio, mas agora está-se a tornar-se em reconhecimento geral.
Então, se quer contrastar o estoicismo do povo do pós guerra com a ira e confusão dos eleitores atuais, não culpe o consumismo; culpe os nossos líderes, aqueles que impuseram um sofrimento injusto e gratuito sobre a sua base eleitoral. E esta está finalmente a começar a compreender.
Paul Krugman
Paul Krugman ganhou o Prémio Nobel de Economia em 2008 graças à sua "análise dos padrões de comércio e localização da actividade económica". É um economista com muitas obras publicadas na maioria dos jornais, inclusive contra Wall Street, guerra e injustiça social. Paul Krugman é um dos que criticou com veemência a administração Bush e não está satisfeito com a atual política económica do presidente Obama.
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