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domingo, 14 de agosto de 2011

Há muitos processos de se estigmatizar a pobreza…

Nota prévia – Publico muitas vezes aqui artigos sobre as mais variadas áreas, de autoria de especialistas brasileiros, pela simples razão de não encontrar os mesmos temas tratados por especialistas portugueses e quando surgem, a linguagem de tão erudita, cansa qualquer curioso.Mas só dou a público o que é público na sua essência, ou seja, quando os temas/problemas são “iguais”, independentemente do território em que estão localizados e focalizados.
Neste caso, é a exclusão e a estigmatização dos pobres que se reflete na urbanização, ou em que a urbanização as acentua, tanto faz que seja em S. Paulo, como no mais recôndito local do planeta e em Portugal também e de forma bem vincada.
Para quem se interessa por este tema, ele está bem explicitado num outro artigo, muito sintético e incisivo, que publicamos há quase um ano, e que pode ler aqui: "Um neologismo com (um) sentido: “pauperofilia”
O ininterrupto crescimento da cidade de São Paulo, tanto económico como físico, produz uma perversa desigualdade social. João Ferreira, arquiteto e economista defende que transformar e tornar esse espaço mais igualitário passa por uma mudança de conduta individual, pressupondo um combate às atitudes que, mesmo de forma velada, reproduzem uma cultura de intolerância para com os pobres. Para Ferreira, aquilo o que hoje é celebrado como modernidade é a causa do padrão urbano excludente. Padrão que não se restringe à cidade de São Paulo, que é apenas o caso mais evidente e que infelizmente serve de modelo para o resto do país.
As conclusões estão contidas no artigo “São Paulo: cidade da intolerância, ou o urbanismo 'à Brasileira'”, publicado na revista Estudos Avançados (que aconselhamos a ler na totalidade).
Intolerância que Ferreira define como resultado de uma sociedade em que predomina a indiferença. Ele explica: “a exclusão dos mais pobres produz uma lógica perversa em que as classes dominantes cultivam a sensação de que a cidade funciona sozinha, ignorando que é um contingente populacional importante e pobre que a move, mas que tem que desaparecer findo o serviço”. Não é só indiferente, a cidade também é intolerante: “o desprezo, a desconsideração pelas condições de vida dos mais pobres e as suas necessidades são também motivados por políticas e ações bem determinadas, porém veladas. O que nos remete à sensação de uma espécie de apartheid”.
Políticas implementadas por um Estado que promove uma urbanização desigual, porque é ele quem define a disponibilidade dos chamados instrumentos urbanísticos. O seu papel seria o de garantir uma produção homogénea de infraestruturas públicas, evitando, assim, a exclusão das parcelas populacionais de menor rendimento. No entanto, (no Brasil) como explica o autor “confunde-se o público e o privado na defesa dos interesses das elites, e essa equação afetou dramaticamente o modelo da (nossa) urbanização”. Teria sido desenvolvida (no Brasil) uma situação de segregação socioespacial em que a população mais pobre, sem opção de moradia, se foi “exilar na periferia”.
Embora causada pelo Estado, a segregação seria legitimada pelas classes dominantes, que o coagem para que aja em benefício delas. Exerceria assim o que o autor chama de “racismo à brasileira”, ou seja, um racismo que existe mas não é confessado, e que nem por isso faz menos vítimas. Essa intolerância à pobreza é revelada em várias ações, como no caso de empreendedores de um condomínio de luxo que, incomodados com a vista para uma favela, acharam por bem ‘estimular’ a saída dos indesejados vizinhos pagando-lhes R$ 40 mil (€ 17.247,60) por família. E também uma política da Câmara de São Paulo que se encarrega da ação de ‘limpeza’, oferecendo o ‘cheque de despejo’, R$ 1,5 mil (€ 646,80) para sair das suas casas, e R$ 5 mil (€ 2.156,00) se a família fizer a ‘gentileza’ de voltar para o seu Estado de origem.
O Estado, além de não desenvolver políticas habitacionais que beneficiem os mais pobres, acaba por os impedir de viver em bairros mais ricos. Isso faria sentido pelo Estado ser patrimonialista, legitimado pelas classes mais abastadas, e em que o direito à propriedade está acima do direito à habitação. Uma realidade perversa em que a desigualdade não ocorre por falta de leis, mas pelo contrário, é legitimada por elas.
Ferreira aponta caminhos para reverter essa desigualdade, pois desde a redemocratização do país os governos comprometidos com as necessidades populares propuseram uma “reforma urbana”, conseguindo pelo menos inserir essa problemática na agenda política. Um exemplo teria sido a criação do Ministério das Cidades e do Fundo Nacional de Habitação de Interesse Social - embora até hoje não tenham tido quase nenhuma efetividade. Essa dificuldade em transformar estas propostas em verdadeiras ações ocorreria porque “uma das razões desse impasse está na dificuldade de transformação do próprio Estado e, em maior escala, do sistema e das práticas políticas que o legitimam. Uma máquina aperfeiçoada durante séculos para dificultar qualquer tentativa de transformação da lógica de produção do espaço urbano desigual não facilita a vida daqueles que participam de gestões com intervenções verdadeiramente públicas”.
Isabela Palhares

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