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terça-feira, 12 de abril de 2011

A fome é uma questão política, não é técnica…

O que deve o G20 fazer para nos preparar para uma crise alimentar, agora e no futuro?
O presidente do Banco Mundial, Robert Zoellick, enumerou recentemente 9 medidas que o G20 devia adoptar sob a actual presidência francesa. Essa lista ia desde a melhoria da informação sobre as reservas de cereais e desde o desenvolvimento de melhores métodos de previsão meteorológica até ao fortalecimento da rede de protecção social para os pobres e à ajuda aos pequenos agricultores, para que beneficiassem das propostas dos fornecedores de ajuda alimentar, como o Programa Alimentar Mundial.
Embora sejam bem-vindas, as medidas apenas combatem os sintomas das fraquezas do sistema alimentar global, deixando intocáveis as suas causas mais profundas. Elas até podem mitigar as consequências dos preços máximos, mas são inadequadas para evitar a recorrência dos choques, algo que se pode atingir se o G20 actuar sob 8 prioridades.
Primeiro - O G20 devia apoiar a capacidade dos países em alimentarem-se a si próprios. Desde o início dos anos 90, a fatura alimentar de muitos países pobres subiu 5 ou 6 vezes, o que se deveu não só ao crescimento populacional como também ao seu foco na agricultura para exportação. Uma ausência de investimento na agricultura que alimenta as comunidades locais torna estes países vulneráveis aos choques dos preços a nível internacional, tal como à volatilidade nas taxas de câmbio.
Por exemplo, Moçambique importa 60% do trigo que consome e o Egipto importa 50% de todo o fornecimento alimentar. Preços mais elevados afetam diretamente a capacidade destes países em alimentarem-se a si próprios a um custo aceitável. Esta tendência precisa de ser invertida. Para isso, deve-se permitir que os países em desenvolvimento apoiem os seus agricultores e, quando a oferta interna for suficiente, protegê-los de "dumping" por parte dos produtores estrangeiros.
Segundo - Devem ser estabelecidas reservas de alimentos, não apenas para ofertas humanitárias a áreas com infra-estruturas pobres e propensas a catástrofes, como propõe Zoellick, mas também para permitir receitas estáveis aos produtores agrícolas e para assegurar comida a preços acessíveis aos mais pobres. Se forem participadas e geridas com transparência, e se os esforços dos países forem combinados em termos regionais, as reservas de alimentos podem ser uma forma eficaz de impulsionar o poder de mercado dos comerciantes e de contra-atacar a especulação dos operadores, diminuindo a volatilidade dos preços.
Terceiro - A especulação financeira deve ser limitada. Embora não seja a causa da volatilidade dos preços, a especulação sobre derivados de bens de consumo privado piora a situação. Essa especulação foi permitida devido à desregulamentação dos mercados de derivados que começou em 2000 - e que tem agora de ser revertida. As maiores economias devem assegurar que tais derivados estão restritos, o mais possível, a investidores qualificados e competentes, aqueles que negoceiam com base nos fundamentais do mercado, mais do que nos ganhos especulativos no curto prazo.

Quarto - Os países em desenvolvimento carentes de dinheiro temem que, caso implementem sistemas de Segurança Social, possam tornar-se insustentáveis a nível orçamental, devido a uma súbita perda das receitas com exportações, com colheitas menos produtivas ou com intensos aumentos dos preços nos produtos importados. A comunidade internacional pode ajudar a ultrapassar esta reticência ao estabelecer um mecanismo global de resseguros. Se o pagamento dos prémios pelos países em causa acompanhar a contribuição dos doadores internacionais, as nações terão um poderoso estímulo para implementarem robustos programas de protecção social.
Quinto - As organizações de agricultores precisam de apoio. Uma das principais razões para que a maior parte dos malnutridos esteja dependente de agricultura de pequena escala é a de que eles não estão organizados. Ao criarem cooperativas, os produtores podem subir na cadeia de trabalho e entrar nos processos de tratamento, de embalagem e de comercialização. Podem melhorar a sua capacidade de negociação, tanto para a compra de "inputs" como para a venda das suas colheitas. E podem tornar-se num importante eleitorado político, de forma a que as decisões que os envolvem tenham em conta a sua opinião.
Sexto - Temos de proteger o acesso à terra. Todos os anos, uma área maior do que a das terras cultivadas da França é entregue a investidores ou a governos estrangeiros. Esta apropriação das terras, que acontece principalmente na África Subsariana, constitui um grande perigo para a segurança alimentar destas populações no futuro. Os possíveis ganhos para a produção agrícola que resultam desses investimentos, sejam eles quais forem, vão beneficiar os mercados estrangeiros e não as comunidades locais. O G20 podia pedir uma moratória sobre estes investimentos em larga escala até que se alcançasse um acordo sobre as regras básicas dessas operações.
Sétimo - Tem de se completar a transição para uma agricultura sustentável. Os acontecimentos relacionados com o clima são a principal causa da volatilidade nos mercados agrícolas. No futuro, espera-se que as alterações climáticas conduzam a mais choques na oferta. Mas a agricultura também é uma grande culpada pelas mudanças climáticas, responsável por 33% de todas as emissões de gás com efeito de estufa, caso a desflorestação para cultivo e pastorícia também seja incluída nos cálculos. Precisamos de ter sistemas agrícolas que sejam mais resistentes a mudanças climáticas e que contribuam para as atenuar. A agroecologia aponta para soluções, mas é preciso um mais forte apoio governamental para ampliar as melhores práticas já existentes.
Oitavo - Finalmente, temos de defender o direito do homem à alimentação. As pessoas têm fome não porque estão a ser produzidos poucos alimentos, mas sim porque os direitos são violados com impunidade. As vítimas da fome têm de ter acesso a remédios quando as autoridades não tomam medidas eficazes contra a insegurança alimentar. Os governos devem garantir um salário mínimo, um sistema de saúde adequado e condições de segurança para os 450 milhões de trabalhadores agrícolas. Isso será feito ao garantirem os direitos do trabalho nas áreas rurais, que deverão estar sujeitos a monitorização independente.
A fome é uma questão política, não apenas um problema técnico. Precisamos de mercados, obviamente, mas também precisamos de uma visão para o futuro que vá para além dos ajustes com influência apenas no curto prazo. O sistema alimentar global vai sempre precisar de bombeiros de serviço. Mas o que precisamos agora com urgência é de arquitectos que desenhem um sistema mais resistente ao fogo.
Olivier De Schutter, Relator Especial das Nações Unidas para o direito à alimentação.
Tradução: Diogo Cavaleiro
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