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terça-feira, 7 de janeiro de 2014

Um retrato feito do país das nossas "bidon-ville"…

Ainda ontem pedia a economistas que nos explicassem esta redução do défice e o consequente aumento da dívida, eis senão quando deparo com uma resposta vinda de França, que mais não é do que um retrato da nudez das políticas dos nossos governantes e da troika e da máquina de fazer pobres, que ensaiam em laboratório…
Vale a pena ler.
Portugal é um país exangue. O desemprego oficial, que se aproxima dos 20%, tem diminuído ao longo dos 2 últimos trimestres "em favor" de uma baixa da população ativa. Isto é o fruto de uma emigração em massa cujos fluxos atingem ou excedem os dos anos 60, que viu um grande êxodo de portugueses, fugindo da miséria, da ditadura e da guerra colonial (1). Metade dos desempregados não recebe subsídio de desemprego e são milhares de pessoas excluídas do rendimento mínimo de inserção, dos abonos de família ou do complemento social velhice.
Cristina Semblano
É que, embora não estando em guerra, Portugal está, sob a égide da troika, no seu 3.º ano de economia de guerra, apesar de (ou por causa de) os resultados económicos calamitosos das políticas cometidas durante 3 anos. Porque Portugal é um país onde, podemos dizer, com a precisão de uma experiência conduzida em laboratório, que os milhares de milhões de euros de sacrifícios impostos à população não tiveram nenhum efeito sobre a dívida cujo progresso é vertiginoso nem sobre o défice, sistematicamente revisto em alta em cada avaliação da troika.
É no entanto, munido dos resultados desta experiência, que Lisboa acaba de apresentar o orçamento mais austero da história da democracia desde 1977. O ajustamento orçamental representa 2,3% do PIB e faz-se essencialmente pelo corte direto sobre os salários dos funcionários e sobre as pensões da função pública.
Nestas condições, só o governo pode fingir acreditar que, apesar da nova redução drástica do rendimento disponível das famílias a que conduzirá inevitavelmente o "seu" orçamento, o consumo privado e o investimento vão estar lá para apoiar a sua hipótese de crescimento de 0,8%. Tanto mais que a violenta carga fiscal de 2013 será mantida e que 2014 vai ver novas reduções nos gastos com a educação, a saúde e transferências sociais. Restam as exportações, mas estas dependem da procura externa.
Como em toda a economia de guerra, a que prevalece em Portugal só faz perdedores. Enquanto apenas os funcionários e os aposentados da função pública contribuem com 82% do esforço de guerra em 2014, não é pedido aos bancos e aos monopólios de energia senão uma contribuição excecional de 4%, e o governo se tenha ainda dado ao luxo de baixar em 2 pontos o imposto sobre as empresas que tem como objectivo reduzir para 19% ou 17%, em 2016, em conformidade com o sacrossanto princípio neoliberal da criação de um clima propício ao investimento. Há outros vencedores da crise, a começar pelos credores a quem se destina, em 2014, a título de juros, um "tesouro escondido" equivalente ao orçamento da saúde. É para estes credores que os sacrifícios são exigidos ao povo de um dos países mais pobres e mais desiguais da UE. É para eles que se fecham escolas, que são racionados medicamentos, que se limita o acesso aos cuidados de saúde de uma parte da população e que se vende bens públicos em leilões.
As políticas de austeridade violentas mantêm-se por elas próprias: geram a sua própria intensificação, supostos remédios para o défice de que elas ajudaram a cavar. Cada euro de défice "poupado" em Portugal resultou numa perda de € 1,25 do PIB e um aumento de 8,76 euros da dívida; é assim que os credores estão garantidos de ter sempre uma dívida para financiar.
Como outros países sob a intervenção "efetiva" da troika, para falar apenas deles, a dívida portuguesa não é racionalmente reembolsável. Não é o resultado de desvios de um povo que viveu acima das suas possibilidades, mesmo que os especialistas do FMI insistam na necessidade de reduzir o salário mínimo em Portugal, que é de 485 euros brutos por mês, um dos mais baixos da zona do euro e da UE.
País semiperiférico, com uma economia de baixo valor acrescentado e muito dependente do estrangeiro, Portugal "pagou" a sua adesão à zona euro, por uma quase estagnação da sua economia, de modo que a dívida pública não conheceu uma trajetória ascendente desde a crise financeira e as transferências significativas do orçamento do Estado para apoiar a economia e salvar os bancos. Não podendo voltar-se para o Banco Central Europeu (BCE) para assegurar o seu financiamento, Portugal tornou-se, depois da Grécia e da Irlanda, a 3.ª vítima da especulação dos mercados financeiros, que abriu o caminho para a intervenção troika.
Depois de 2 anos e meio e milhares de milhões de euros de sacrifícios impostos à sua população, Portugal é um país mais pobre, voltou para a taxa de natalidade do final do século XIX e a emigração em massa da era da ditadura. A sua população, uma das mais velhas da EU, diminui. A sua dívida em relação ao PIB aumentou em quase 25 pontos e o seu défice não está contido. Os credores representados pela troika já avisaram do montante dos cortes de despesas que são necessários fazer em 2015, enquanto o "Memorando" termina em junho de 2014.
Seja na forma de um novo plano de "resgate" ou de outra, e no quadro atual das instituições europeias, Portugal permanecerá sob o domínio da troika e a sua população será submetido a novas dificuldades. Já é uma outra Grécia e, se houvesse dúvidas, a imagem destas mães portuguesas forçadas a abandonar as suas crianças em instituições sociais, enquanto recém-chegados fazem a sua entrada no clube dos milionários, bastaria para o demonstrar.
(1) Avalia-se em 120.000 o número de portugueses que emigraram em 2012, ou seja, um êxodo de 10.000 pessoas em média por mês, para uma população de cerca de 10.500.000 de habitantes.
Tradução minha

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