(per)Seguidores

domingo, 5 de janeiro de 2014

“O Estado somos nós e os outros". Mais os outros?

“Estou convencido de que os países mediterrânicos, como Portugal, que estão no euro vão continuar a ter uma vida difícil durante muito tempo. Duvido que o Norte da Europa esteja disposto a oferecer muito mais do que as receitas neoliberais da austeridade. E estou cético quanto às hipóteses de sobrevivência do euro nos próximos 5 anos”.
O sociólogo alemão Wolfgang Streeck, diretor do Max Planck Institut, sediado em Colónia, desvaloriza ainda o mea culpa da diretora-geral do FMI sobre as políticas de austeridade. “Eu não atribuo muita importância ao que funcionários como Lagarde dizem. Eles não sabem nada sobre a situação no terreno. Como poderiam saber se estão fechados nos seus gabinetes em Washington [FMI], Frankfurt [BCE] ou Berlim [Merkel]? Além disso, os mercados querem tanto a austeridade como o crescimento, mas o problema é que estas 2 receitas não podem acontecer em simultâneo. Portanto, dependendo da situação, as ‘Lagardes’ deste mundo enfatizam um outro caminho, de forma totalmente oportunística. São palavras vazias”, sublinha o sociólogo alemão.
“Tempo Comprado. A Crise Adiada do Capitalismo Democrático” é o mais recente livro de Wolfgang Streeck publicado em Portugal. O modelo estilizado do Estado endividado, sendo Portugal um bom exemplo, é uma das originalidades da obra. Este novo Estado é mandatário de 2 coletivos: o povo do Estado (eleitores) e o povo do mercado (os credores), que encontra voz nos técnicos da troika. Segundo o quadro construído por Streeck, aos direitos civis dos cidadãos contrapõem-se, por exemplo, as exigências feitas pelos investidores (ou credores), e às eleições correspondem, do lado dos mercados, os leilões da dívida nos mercados primário (emissões) e secundário (transações permanentes de obrigações). Se a opinião pública pode constituir uma forma de pressão sobre o poder político por parte do povo do Estado, a taxa de juro é o indicador do lado do povo do mercado que aflige os políticos, facto aliás bem visível no discurso do governo português.
Um dos problemas fundamentais, segundo aponta Streeck, reside no facto de os membros do povo do mercado possuírem direitos perante o Estado cuja aplicação pode ser exigida em tribunais cíveis. Não está ao seu alcance eleger governos, mas podem vender os seus títulos da dívida ou não participar nos leilões, descendo a procura e, logo, fazendo subir os juros da dívida do país em causa. O poder destes investidores não surge por acaso. Resulta em grande medida do fim da inflação alta dos anos 70, que desvalorizava a dívida pública, tornando-a mais leve, e permitia aos sindicatos negociar aumentos salariais. Por outro lado, os fundos comunitários foram progressivamente minguando para países como Portugal. O resultado foi o endividamento do Estado junto da banca e, posteriormente, das famílias, dando assim a ilusão aos portugueses e a outros povos de terem um nível de vida que afinal não tinha correspondência na economia real.
Na perspetiva dos credores, é preciso garantir que qualquer reestruturação da dívida se faça à custa da baixa nas pensões e salários ou até de cortes nos serviços de interesse público (educação e saúde), tudo para que o serviço da dívida (pagamento de juros e capital) seja garantido. Se o euro não existisse, a desvalorização da moeda possibilitaria a criação de mais empregos e melhores salários por via do aumento das exportações. As indústrias exportadoras do Norte querem cortar as pensões e os salários mais baixos para que as classes médias urbanas do Sul europeu possam continuar a comprar carros de luxo alemães. O fim do euro seria o fim desta aliança tácita.

Sem comentários:

Enviar um comentário