A selfie de Passos Coelho não cola com a do país. Mas o governo saiu melhor de 2013 do que entrou.
Quando
festejou as 12 baladas da meia-noite do último dia de 2013, o primeiro-ministro
terá desejado, mais uma vez, um ano novo sem chumbos do Tribunal Constitucional,
sermões da troika ou birras de Paulo Portas. Mas terá pedido sobretudo uma
derrota o menos pesada possível nas eleições europeias de Maio, que a economia
continue a melhorar e que o Banco Central Europeu e a Comissão Europeia aceitem
um programa cautelar mais ou menos suave.
Tudo isto somado, Passos Coelho poderá permitir-se o luxo de continuar a construir uma estratégia para as eleições legislativas de 2015 onde a vitória passe a ser uma hipótese difícil, mas não impossível. Algo que, há um ano, seria pura e simplesmente inimaginável. Mas os factos do primeiro dia do novo ano são irrevogavelmente estes: o governo PSD/CDS saiu do ano terrível de 2013 melhor do que entrou e pode aspirar a que o mesmo venha a acontecer em 2014.
Não se pode dizer que isto seja um mau balanço para um governo que fez demasiados erros, deixou demasiadas coisas por fazer, escapou por um triz a uma crise política e continua a pagar o preço da austeridade e dos cortes que impôs aos portugueses, que as escassas melhorias registadas no plano económico e do emprego não são suficientes para apagar.
No entanto, e apesar do enorme descontentamento da sociedade portuguesa, o fim da recessão técnica, a expectativa do crescimento em 2014 ou a melhoria das exportações permitem ao Governo sustentar a narrativa de que os sacrifícios valeram a pena e de que a política de austeridade resultou.
Significa isto que a selfie que o primeiro-ministro fez de si próprio na entrevista à TVI e à TSF e na mensagem de Natal bate certo com a realidade do país? De modo algum. A reanimação da economia é mais do que um acaso, mas o ponto de partida dessa reanimação é muito baixo e as razões estruturais da crise continuam intocadas, tanto a nível das contas públicas portuguesas como da moeda única. A dor e o sofrimento da austeridade não são a consequência das reformas, como pretende o Governo, mas a consequência da ausência de reformas capazes de debelar a crise. Tudo o resto é ilusão, a começar pelo discurso optimista do executivo. Então, como é que o Governo pode estar a ganhar?
Acima de tudo, isso acontece devido à ausência de um discurso consistente da oposição, que ainda não conseguiu explicar onde está a alternativa. O PS de António José Seguro é um partido reactivo, com ideias sectoriais, é certo, mas sem uma visão clara para o futuro. Além disso, está refém da oposição interna que o quer arrastar para a esquerda. Ora uma eventual radicalização do PS é basicamente o melhor presente que uma esquerda cada vez mais dividida pode oferecer a Pedro Passos Coelho. As contradições e a ineficácia da esquerda são aliadas seguras com as quais a maioria PSD/CDS pode contar.
Por ilusória e pouco significativa que possa ser, a retoma económica está a permitir a Passos Coelho esconder os erros da governação e reforçar a mensagem de que a crise e o resgate são culpa dos excessos do socratismo. Enquanto conseguir sustentar esta narrativa, Passos Coelho pode pensar em ser reeleito em 2015. Mesmo depois de ter dito que se estava nas tintas para eleições.
É difícil que o consiga, mas a novidade é que passou a haver uma janela de oportunidade. Há um desgaste muito pesado da governação, como era inevitável, mas há também um desgaste da oposição. Para conseguir vencer a barreira substantiva que o separa do PS nas sondagens, Passos Coelho precisa do CDS e de ir a votos nas legislativas em listas conjuntas, como já acontecerá nas europeias.
Isso significa, como é evidente, que Paulo Portas e o CDS continuam a ter as chaves do reino nas mãos. É por isso, aliás, que Paulo Portas é o vencedor político do ano. Desencadeou de forma absolutamente irresponsável uma crise que o país pagou caro em juros e em credibilidade externa. Mas, como tantas vezes acontece na política portuguesa, o infractor foi beneficiado. E o triunfo de Portas é esse, o de ter-se mantido irrevogável. A crise de Julho foi um momento chave na vida desta coligação. Passos foi obrigado a ceder muito para o Governo poder continuar. Ao decidirem concorrer em listas conjuntas às europeias, para reforçar a imagem de coesão da coligação, colocaram-se em posição de dependência mútua. O CDS ficou a salvo de um mau resultado, mas quererá vender cara uma repetição das listas conjuntas nas legislativas, que está longe de ser uma certeza.
Os dados estão lançados. Para a sua selfie de Ano Novo, Passos Coelho precisa de ter Paulo Portas a dizer-lhe feliz ano novo, senhor primeiro-ministro. Mas para a selfie ser perfeita, ele precisava de saber quais foram as outras mensagens de ano novo do seu vice-primeiro-ministro. A irrevogabilidade é um posto.
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