As eleições na Alemanha estão a suscitar um interesse profundo e expectativas sem precedentes no estrangeiro. Para os partidos e para os eleitores alemães, o papel e a influência que o seu país tem na Europa e sobre a Europa é tão evidente que essa questão não é um dos temas fortes da campanha eleitoral.
Em Londres, circula uma piada. A Europa tem 2 capitais. A primeira: Berlim. A outra – após uma pausa para criar suspense: Frankfurt. Na Grécia, corre o boato de que, depois das eleições, o Governo alemão poderá colocar a redução da dívida na ordem do dia.
E, em Espanha, conjetura-se que a questão da liquidação dos bancos ficará decidida em 23 de setembro. Depois das eleições na Alemanha, os principais problemas de ativos tóxicos na Península Ibérica serão resolvidos em conjunto: não há motivo para preocupações.
Não, na Alemanha, ninguém está preocupado. Nesta campanha eleitoral, ninguém fala sequer da Europa. Ninguém pergunta se há novas ideias para fazer face à crise. Esta crise, da qual toda a gente está farta de ouvir falar, talvez tenha atingido o zénite, mas está longe de ter terminado. Ninguém pergunta se haverá risco de liquidação de bancos. Ninguém fala da arquitetura de uma nova Europa, que possa impedir a repetição da crise.
Fascínio das eleições para o Bundestag
Mas será mesmo impensável um referendo sobre uma nova Constituição vir a ser o acontecimento político mais importante da nova legislatura? Uma votação sobre uma nova Constituição, na qual os alemães transferem para Bruxelas alguns elementos importantes da sua soberania?
Muita coisa é possível e as especulações em Paris, Londres e Bruxelas abundam. Talvez nunca, na história do pós-guerra, as eleições para o Bundestag exerceram tamanho fascínio sobre os vizinhos da Alemanha, e isso não se deve apenas ao facto de Angela Merkel se ter tornado a mulher mais poderosa do continente, ou talvez mesmo do mundo. É fácil a política tornar-se compreensível, quando se baseia no exemplo da história de uma vida.
Quem decide e quem paga?
As eleições para o Bundestag são seguidas no resto da Europa quase como uma esperança de salvação, como se, em 23 de setembro, houvesse presentes à espera, como na manhã do dia de Natal. Este clima reflete duas coisas. Por um lado, reflete o peso alcançado pela Alemanha, que domina fortemente o continente no plano económico; na Europa, que tem estado praticamente parada nas últimas semanas, nada se mexe sem a Alemanha. Por outro, reflete a pressão pública para que se faça alguma coisa, pressão essa que tem sido uma vez mais reprimida.
São 4 os países que se encontram sob tutela de emergência dos países do euro. Um deles, a Irlanda, deverá libertar-se dela este ano. Portugal e a Espanha são considerados como estabilizados. A Grécia irá provavelmente precisar de ajuda. Isso é sabido. A questão número dois é o orçamento da UE, que muitos países escrutinam com grande cobiça e que ainda não foi aprovado pelo Parlamento Europeu. O orçamento envolve muito dinheiro, determina a forma como esse dinheiro é distribuído e tem a ver com a campanha que em breve será travada na Europa. Paira no ar um cheiro a forte discórdia.
Contudo, as maiores paixões centram-se na Alemanha, na liquidação dos bancos e na questão central do momento: como deve ser organizada a zona euro, para o problema não se repetir? Essa questão constitui o cerne de todas as políticas: quem decide e quem paga?
Alemanha esforça-se por parecer pequena
A Alemanha, que tem um fortíssimo interesse na sobrevivência do euro, deverá apresentar algumas ideias – sobre a harmonização e o controlo dos futuros orçamentos da zona euro, sobre a adaptação dos sistemas sociais e sobre a distribuição dos investimentos estatais. Terá obviamente de lidar com a questão central: se esses países europeus diferentes poderão alguma vez vir a ter uma competitividade remotamente comparável, ou se serão ou não necessárias transferências de verbas – semelhantes ao mecanismo de igualdade orçamental existente na própria Alemanha.
Tudo isto tem a ver com as questões de direito orçamental e de supervisão parlamentar, que são a base da democracia na Europa. E, no fim, tudo isto poderá levar a uma revisão da Constituição da Alemanha e inclusive ao referendo que será necessário nesse caso. Toda a Europa vê estes problemas e não consegue desviar os olhos da Alemanha. E a Alemanha?
A Alemanha vai ter umas eleições descontraídas, mas, no dia a seguir ao escrutínio, terá de repelir as mãos ansiosamente estendidas, como quem fecha uma janela com toda a força perante uma tempestade de outono. Não se prevê que haja milagres e não vai haver presentes junto à árvore de Natal. Não é provável que Angela Merkel se prepare para mudar de orientação e o SPD também não mostra qualquer entusiasmo adicional por aquilo que se relaciona com o euro. No entanto, prevê-se um novo ritmo de reformas e alguns até poderão estar à espera de um acordo importante. A Alemanha bem pode esforçar-se por parecer pequena, na campanha eleitoral, mas, vista do exterior, continua a ser um gigante corpulento. E Gulliver terá dificuldade em libertar-se das grilhetas que, por isso mesmo, tem à sua espera.
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