Os gregos passaram anos a martelar as contas para entrar no euro e com isso fizeram crescer o país, embora como um balão que depois rebentou. Tudo o que era bom crescia, tudo o que era mau baixava - artificialmente. Por aqui é diferente. O Governo também quer fazer boa figura, mas tem uma maneira particular de o conseguir. Vejamos.
André Macedo
Apesar deste efeito dominó, o Governo deixou que o FMI publicasse em junho números que distorcem esta realidade e diminuem o esforço das pessoas. Contava ontem o Jornal de Negócios que pelo menos 20% dos contratos sofreram cortes, mas que os números enviados pelo Ministério do Trabalho ao FMI reduziram o valor para uns desprezíveis 7%. Porquê? A posição oficial do Governo é surpreendente: o FMI usou "números incompletos"; ou melhor, as estatísticas enviadas foram as pedidas pelo Fundo, embora usassem uma metodologia que, como se vê, não retrata a verdade como ela é.
3 perguntas:
Porque foram enviados pelo Ministério da Segurança Social números parciais, sabendo-se que eram parciais?
O Fundo foi avisado deste problema e não o corrigiu?
O que tinha Portugal a ganhar com este golo na própria baliza?
São dúvidas importantes que revelam a pobreza da relação entre o Governo e os credores do país. Ao aceitar, em silêncio obediente e envergonhado, que o FMI publicasse no relatório da 7.ª avaliação esta leitura falsa e ao não exigir a sua pública e imediata correção, o Governo credibilizou os números internacionalmente. Embora haja outras fontes de informação, o impacto do ajustamento nos salários foi, portanto, diminuído aos olhos do mundo inteiro, abrindo caminho para que se conclua que a penosa desvalorização interna - a alternativa à desvalorização da moeda... - ainda não fez todo o seu glorioso caminho. Ou seja, a procissão ainda vai no adro.
O problema é de confiança política. Como não há confiança, sobra terreno para a especulação. Será que para Passos Coelho é um sinal de competência mostrar à troika que, afinal, apesar das manifs, os salários caíram menos do que na verdade caíram e devem reduzir-se mais? Não posso acreditar nisso. Seria cruel, seria ter as prioridades subvertidas. O que este caso revela é a habitual falta de jeito e a subserviência de Portugal - histórica, sim, mas hoje especialmente saliente. Houve um erro? Bastava uma declaração simples do Governo: o FMI enganou-se. Mas não: o ministro encolheu-se para não indispor o patrão. A culpa é toda nossa, claro, do honrado Portugal.
"Se os números não confirmam a teoria então é porque os números estão errados". Esta ironia é em geral usada nos meios académicos para reduzir ao absurdo a defesa de uma tese que se revela manifestamente errada. Mas parece ter sido transformada em regra no caso dos dados salariais desaparecidos na folha de cálculo que estava incompleta. Era fundamental que o FMI passasse a respeitar a realidade e procurasse outras razões para o desemprego em Portugal que não se limitassem aos salários. Ou corremos o risco de levar bastante mais tempo a ter menos desemprego.
Helena Garrido
Para quem ainda não conhece o caso, a história conta-se em poucas linhas. O jornalista Rui Peres Jorge viu no relatório do FMI relativo à 7.ª avaliação um gráfico sobre a evolução dos salários. E quis ter acesso aos dados que deram origem a essa ilustração que nos dizia que apenas 7% dos trabalhadores inscritos na Segurança Social tinham sofrido uma redução salarial em 2012. Quando tem acesso aos números verifica que a folha de "Excel" enviada pelo FMI continha erros. Tinham desaparecido 4.000 trabalhadores de uma amostra que se dizia ter 18.600 pessoas.
A pergunta seguinte é: qual terá sido a variação salarial dos trabalhadores omitidos? É aí que se descobre que boa parte deles tinha tido cortes na sua remuneração. Com estes dados conclui-se que, afinal, cerca de 20% dos trabalhadores ganhou menos em 2012 do que em 2011 e não apenas 7% como se dizia no relatório do Fundo.
A omissão daqueles 4.000 trabalhadores deu da evolução dos salários um retrato falso e fundamentou, pelo menos parcialmente, nova recomendação de redução de salários no sector privado por parte do FMI. Uma insistência que vem desde a assinatura do Memorando de Entendimento (traduzida na política da desvalorização interna e na medida de redução da TSU suportada pelos empregadores).
O raciocínio do Fundo é muito simples. Usando a ferramenta mais popular entre economistas, que é a lei da oferta e da procura, conclui-se que o emprego diminui porque o salário (o preço) não baixa. E daqui conclui-se que se os salários baixassem o desemprego diminuiria ou, pelo menos, não aumentava tanto. Ou seja, as empresas não despediriam tantas pessoas ou, no limite, algumas não teriam de falir, uma vez que poderiam praticar preços mais baixos.
Ninguém sabe exactamente como nem por que desapareceram 4.000 trabalhadores da amostra dos salários e porque foram, na sua maioria, casos de reduções de salários. Pode ter sido um erro, uma tentativa (mal sucedida) de correcção de observações irregulares (‘outliers’). Esperar-se-ia uma explicação convincente, segura. Mas nada disso aconteceu. O FMI revelou-se desorientado numa primeira fase, como se tivessem perdido a sua principal prova para a necessidade de redução dos salários, com intervenção do Estado, no sector privado.
Um economista de mente aberta, colocado perante a observação de redução dos salários por efeito das forças do mercado, ficaria, não se pode dizer satisfeito, mas animado pela flexibilidade da economia. Um país que se adapta é capaz de ultrapassar as suas dificuldades mais rapidamente. Mas parece ter acontecido o contrário.
O FMI parece mais preocupado em salvar a sua face, em defender as suas receitas do que em compreender o que realmente se está a passar na economia portuguesa, no que efectivamente pode ser feito para combater o desemprego. A rigidez parece existir mais no FMI do que na economia portuguesa.
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