A grandeza dos estadistas, como a de
qualquer pessoa que não tenha passado pelo exercício do poder, mas sem ter sido
impedida de assumir a definição do projeto de vida que decide percorrer,
necessita de ser avaliada na relação com as circunstâncias que lhe desafiam a
intervenção, sobretudo aquelas que não pode discutir nem modificar.
Adriano Moreira
A senhora Thatcher, que figura entre
os responsáveis pelas linhas liberais da economia do século passado, teve
cautelas com a dogmática quando as eleições para a 2.ª legislatura foram
precedidas de estatísticas que anunciavam uma queda sem precedentes.
Não mudou de princípios, mas fica a
impressão de que mudou de prudências, talvez com desgosto do seu amigo Hayek, e
beneficiando depois da crise internacional das Malvinas, umas pobres ilhas
transformadas em fonte de nova glória da Inglaterra.
Uma das suas impiedosas críticas
afirma que ela se "deu rapidamente
conta de que aquilo era uma oportunidade para tentar com risco dar uma nova
volta à sua fortuna política e, imediatamente, adotou uma atitude churchiliana
de batalha".
Podemos ficar pela coragem de
enfrentar os factos, sem discutir outras adjetivações, para apenas recordar que
a atual querela, não apenas portuguesa, é que "a Europa liberal está em discussão", e, no caso de a
resposta ter de submeter-se à evidência de que a resposta está a ultrapassar o
tempo de espera, segundo a leitura não forçada das manifestações públicas,
atentar em que é impossível não relacionar essa questão com a eventual
paralisação da União Europeia, para usar a linguagem de Chopin e Jamet.
Os factos são tão gritantes que a
doença europeia, expressa em desemprego, espoliação fiscal, quebra de serviços
públicos e da credibilidade dos agentes, exige o estudo das causas que atingem
as certezas científicas proclamadas, porque o fraco crescimento, e até a
insuficiente coordenação das políticas, não são difíceis de verificar,
esperando-se que não haja relutância nas revisões. A confiança dos europeus nas
lideranças individuais enfraqueceu, o papel dos órgãos responsáveis pelas
avaliações é criticado, a transferência da iniciativa governativa que fora dos
quadros legais está a caminho da reprovação judicial, a influência da Europa no
mundo vai sofrendo um desgaste visível.
O passado, com história, mais
invocado, traduz-se em colocar o liberalismo, sem regras, sem ética, e negador
do Estado social, em discussão e revisão. O que lembra, em vista da atitude que
tem de chamar-se repressiva desse neoliberalismo que sucedeu com terapia
agravada ao neorriquismo que substituíra a confrontação ideológica da Guerra
Fria, o comentário de uma divulgada intervenção do Conselho de Estado francês
(Eurobarómetro, 2009) que vai sendo orientado no sentido de que, como no
domínio político onde o liberalismo fez da liberdade a regra e da intervenção
pública a exceção, logo que a evidência mostra que a intervenção repressiva,
sobre os salários, os empregos, as aposentações, sobre o crescimento e
frequência das punições monetárias, com o efeito de destruir a classe média,
então o regresso à moderação, ao respeito pelo direito vigente e pela estabilidade
dos seus princípios essenciais, sobretudo constitucionais, crescem de exigência
na proporção em que o liberalismo se afirmara, habitualmente proclamando-se com
uma legitimidade de eleição que não é afetada pela legitimidade de exercício.
Sendo esta evidentemente necessária, a única censura é não ter a capacidade de
o reconhecer. Porque a falta dessa capacidade coloca então em perigo, não
apenas discutir o liberalismo, mas o respeito pela legalidade "derrubada por uma fonte de caudal
abundante", que não respeita as manifestações legais de reprovação, de
queixa, de infelicidade acumulada, de futuro perdido. O menos que se pode
exigir é que os órgãos de governo europeu retomem a autoridade, que nenhum
governante seja acusado de pretender assumir o diretório, fazendo renascer
demónios históricos, e sobretudo não fazendo com que falhe o projeto europeu, e
que o mundo passe sem a voz da Europa.
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