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terça-feira, 23 de julho de 2013

Não pedem pão, mas liberdade… depois ficam sem pão

O politólogo Francis Fukuyama defende que uma sociedade atinge o seu mais alto grau de desenvolvimento quando as aspirações democráticas dos seus membros são satisfeitas numa economia liberal. Com as manifestações contra o Governo de Erdoğan, os turcos parecem estar empenhados nesse caminho. Excertos.
Todos os fenómenos sociais – e as revoluções são fenómenos sociais – são o resultado de uma acumulação de causas, cujo nível determina a matéria em que se manifestara. Não acredito, por isso, que as teorias da conspiração possam ser válidas.
O curso de vários acontecimentos pode ser modificado por uma pessoa ou por um grupo de pessoas, mas a origem de um acontecimento histórico baseia-se na contribuição de milhões de pessoas que provocam o nascimento de milhões de factos e de acontecimentos que, em determinado momento, convergem para aquilo a que chamamos “o momento histórico”.
Aquilo que designamos por “primavera árabe” – os acontecimentos na Turquia inscrevem-se no mesmo processo – não pode ser corretamente interpretado sem termos em conta esse contexto. Ninguém dirige esses acontecimentos a partir do exterior. Não se trata da guerra de uma pessoa contra os manifestantes. Estamos, simplesmente, perante uma evolução do perfil, das mentalidades e da psicologia dos indivíduos desses países.
Sobre a temática da evolução da sociedade humana, Francis Fukuyama é um dos seus autores maiores. Em “O Fim da História e o Último Homem”, refere-se à lógica hegeliana e desenvolve um modelo particular de evolução da sociedade. Segundo ele, A humanidade atingirá um patamar de desenvolvimento social quando as aspirações democráticas estiverem satisfeitas. Nesse momento, a humanidade atingirá “o fim da História”. Isso significa que a democracia liberal, contrariamente a outras formas de organização e de gestão política, chega a um estádio em que deixa de se desenvolver por causa das contradições internas que põem em perigo o seu funcionamento.
Uma nova geração
Nesta perspetiva, podemos dizer que na Turquia está a surgir uma nova geração de jovens cuja maneira de pensar e de ser é muito diferente da dos seus pais e dos seus avós. E nisso, essa geração é semelhante à romena de finais do ano de 1989. Enquanto os jovens estavam na rua a exigir o fim do comunismo, os seus pais apareciam na televisão, a trabalharem nas fábricas e a jurarem fidelidade eterna ao antigo presidente Nicolae Ceauşescu e ao comunismo, condenando com uma raiva proletária as manifestações da rua.
Os jovens turcos cresceram na era da Internet, falam inglês e querem poder consumir álcool, se assim desejarem, em qualquer altura do dia ou da noite, ou terem a liberdade de beijar, na rua, aqueles que amam. Evidentemente, não renegam nem a sua fé nem a sua religião, mas é claro que entendem essas limitações como uma ingerência no seu espaço privado, na sua liberdade pessoal.
Não é a pobreza que os empurra para a rua, mas a perceção de que vivem num país onde o regime político está longe dos seus ideais
Tudo isso está também de acordo com o atual estatuto geopolítico e geoeconómico do país. A Turquia é membro da NATO já há muito tempo e demonstra um crescimento económico positivo e uma constante subida do nível de vida. E porque representa uma ponte entre o Ocidente e o Oriente, os Estados Unidos sempre lhe dedicaram uma atenção especial. E é por isso que, mesmo com o nível de vida a subir, os jovens saem à rua. É claro que não pedem pão, mas liberdade. Não é a pobreza que os empurra para a rua, mas a perceção de que vivem num país onde o regime político está longe dos seus ideais. A imagem da professora da Universidade de Istambul, vestida à ocidental, a ser agredida pelas forças da ordem, é o símbolo máximo dessas manifestações.
A Turquia aproxima-se do “fim da História”
Após um longo período de regimes militares, o Governo de Erdoğan é, na verdade, um regime civil. Mas há um paradoxo na governação do país. É justamente um regime político civil que põe em perigo a estabilidade e o equilíbrio trazidos pelos (antigos ditadores) militares. Cada vez que há eleições neste género de países, são ganhas por um partido religioso fundamentalista que promete o regresso à tradição. Foi isso que aconteceu no Egito e vai ser isso que, muito provavelmente, acontecerá na Síria ou noutros lados. Isso diz muito sobre a imensa distância que ainda separa a Turquia do nosso mundo ocidental.
Para resolver essa enorme contradição, o mundo muçulmano precisa de uma revolução religiosa, semelhante à Reforma [protestante] realizada por Martinho Lutero, que possa estabelecer um equilíbrio entre a sua fé religiosa e a aspiração tipicamente humana de civilização e estabilidade. A Turquia não pode partir do zero. Tem uma tradição, basta olharmos para qualquer período da sua história ou lembrarmo-nos de Kamal Atataurk no início do século XX.
A Europa e os Estados Unidos podem ajudar a negociar uma solução de paz social para manter a estabilidade do país, numa zona cinzenta em termos de conformidade com as normas da democracia: nem democrática, nem antidemocrática. Este país poderá ter um grande potencial para se tornar, a médio prazo, uma grande potência, membro da NATO e da UE, um verdadeiro vetor de civilização com uma fronteira com o sempre problemático Médio Oriente.
A liberdade económica traz consigo a liberdade política. Na Turquia, os sinais do “fim da História” – tal como o imaginaram Hegel e Fukuyama – estão mais próximos do que noutros Estados muçulmanos. Por “próximos”, entendam não 1 ano ou 2, mas talvez algumas gerações. Mas o que é que isso significa à escala da História e da paciência de que o tempo dá provas em relação a nós? É absolutamente essencial que, até lá, o país continue estável.

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