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terça-feira, 9 de julho de 2013

Latifundiário = €300.000/ano e os parolos, até €1.250!

Apresentada no fim de junho, a reforma da Política Agrícola Comum (PAC) não está à altura das expectativas, considera o chefe do movimento Slow Food. A aplicação da nova política fica demasiado dependente dos Estados-membros e esta não faz o suficiente para promover a sustentabilidade das culturas nem para reduzir as desigualdades entre grandes e pequenas explorações.
Estaremos unidos na diversidade ou seremos diversos na unidade? As negociações de Bruxelas sobre a nova Política Agrícola Comum, a PAC, terminaram. Apesar de conter algumas novidades interessantes, o acordo é dececionante para quem se preocupa com o ambiente e com a agricultura sustentável de pequena dimensão. Mas, sobretudo, esse acordo coloca algumas questões sobre a Europa. Leva-nos a pôr em causa as nossas perspetivas, aquilo que é comum e aquilo que não o é.
Esta reforma, que deveria ter promovido a qualidade dos alimentos que comemos, o regresso, possível e desejável, dos jovens à terra e a preservação do ambiente, desperdiçou uma oportunidade histórica. A reforma suscitou um debate sem precedentes: a sociedade civil e o mundo associativo fizeram ouvir as suas exigências, com força e clareza; pela primeira vez, o Parlamento Europeu interveio para dar voz aos cidadãos.
Contudo, em grande medida, as decisões que permitiriam pôr em prática uma política agrícola mais verde e mais equitativa, com capacidade para investir fundos públicos (40% do orçamento europeu) em favor de bens públicos como a paisagem, a qualidade dos solos e a saúde, não foram tomadas ou foram deixadas ao critério dos Estados-membros.
Um renda fundiária que pode ser nociva
Para além dessas decisões, debrucemo-nos sobre as questões que não foram objeto de acordo e quanto às quais cada Estado tem liberdade para decidir: o apoio aos pequenos agricultores; a redução das ajudas mais significativas (20% das empresas receberam 80% das subvenções) e do limite máximo anual; a possibilidade de distribuir uma boa parte dos recursos destinados ao desenvolvimento rural – isto é, a práticas ecológicas, sociais e de produção inovadoras – sob a forma de renda fundiária (pagamento direto calculado em função da área das terras detidas) ou de seguro privado, que podem revelar-se nocivos.
Agora, cabe aos cidadãos pressionarem os seus governos. O trabalho não acabou. Mas de que serve uma política agrícola dita “comum”, que conta com um orçamento e é alvo de debates tão importantes, se essa política não é comum? Se a Europa não é capaz de propor ideias fortes, que permitam realizar, com o nosso dinheiro, qualquer coisa de que todos possamos tirar partido? Qualquer coisa que abranja o bem comum? Algumas pessoas salientam que esta falta de decisões deixa entrever uma espécie de “des-europeização”.
São muitas as “frentes” que a PAC deveria abordar, em relação às quais deveria servir de mediadora ou intervir diretamente em favor dos cidadãos. A primeira dessas frentes poderia ser designada como “a agroindústria contra a pequena agricultura”.
É possível discutir até ao infinito a questão de saber se será ou não melhor obrigar todas as empresas a reservar uma pequena percentagem das suas terras à manutenção de zonas com função ecológica – 3,5% ou 7%. Para que fique registado, ganhou a percentagem de 5%.
A verdade, porém, é que temos, de um lado, grandes empresas que recebem 300.000 euros de subvenções por ano e, do outro, pequenos agricultores, que os Estados podem optar ou não por ajudar, com uma contribuição anual com um limite máximo de 1.250 euros. O que pode uma soma como esta mudar na economia de uma empresa?
Maior fatia do bolo para os grandes
As centenas de milhares de euros da PAC mantêm em funcionamento um sistema de monocultura não sustentável. O triste milhar de euros mais parece um “presentinho”, que não altera em nada a vida de uma empresa. É certo que os pequenos agricultores foram dispensados de numerosas obrigações burocráticas, mas uma ajuda concreta é outra coisa.
Aliás, a contribuição que estes prestam em termos de alimentação boa e saudável, de preservação do território e do bem comum vale infinitamente mais que esses 1.000 euros. Deste ponto de vista, dir-se-ia que a reforma da PAC “mudou as coisas para ficar tudo na mesma”: a maior fatia do bolo continua a ser para os grandes.
Outra frente: os agricultores dos antigos Estados-membros face aos recém-chegados, os países de Leste. Estes últimos são mais frágeis, menos modernos e, por isso, ainda diversificados nos planos natural e da produção: têm direito a crescer mas, igualmente, a serem protegidos. Falou-se de “convergência interna” para harmonizar as subvenções, mas, também neste caso, a decisão cabe afinal a cada um dos Estados.
E há ainda a questão da “Europa contra os países em desenvolvimento”. Neste caso, enquanto os Estados olham para além das fronteiras do continente, a união regressou, como que por encanto: não está previsto nenhum mecanismo para controlar os efeitos que as políticas comerciais da PAC – como os subsídios às exportações ou a manutenção de preços artificialmente baixos – têm para os pequenos agricultores da Ásia e da África.
Europa continua presa aos lóbis
Os Estados também se mostraram unidos no que se referia às medidas de “greening”, ou “ecologização”, que têm em vista tornar as práticas agrícolas mais verdes. É sem dúvida importante que este conceito tenha sido introduzido, mas as exceções previstas são tantas que 60% das terras cultivadas da UE poderão acabar por lhes escapar. Uma boa medida, mas que só é obrigatória no papel.
Apesar de ter alguns aspetos positivos, como a flexibilização das formalidades burocráticas e o aumento dos recursos destinados aos jovens agricultores, esta nova PAC deixa um gosto amargo na boca. A Europa parece continuar atolada nos velhos sistemas do liberalismo e do lóbi das multinacionais, faltando-lhe a coragem necessária para propor alterações legislativas reais e perspetivas novas, mundiais e modernas.
Esta Europa deu forma a uma Política Agrícola Comum, que pouco tem de comum, uma política que parece esconder-se por trás das diferentes frações, em vez de impor a todos uma direção elevada e nobre, rigorosa, ao serviço do interesse público.
Nos domínios da alimentação e da agricultura, essa mesma Europa pretende partir das diversidades para chegar a uma unidade, que, indiscutivelmente, está ainda por definir. Entretanto, os pequenos agricultores lutam sozinhos, os jovens têm dificuldade em regressar à terra, a agroindústria continua a dominar a paisagem e o desenvolvimento de novos paradigmas sociais, económicos, culturais, agrícolas e alimentares é deixado inteiramente nas mãos dos cidadãos e dos camponeses europeus, que (eles sim!) estão cheios de boa vontade e de ideias novas. Pensando bem, talvez sejam precisamente eles quem faz antever o que será a “união europeia” de amanhã.
Visto da Alemanha - “Uma oportunidade perdida”
A reforma da Política Agrícola Comum aprovada pelos 27, no Conselho Europeu dos dias 27 e 28 de junho, está longe de representar a “mudança de paradigma” pretendida pelo Comissário Europeu para a Agricultura Dacian Cioloş, as ONG e os Verdes, estima o Frankfurter Allgemeine Zeitung. Para o diário alemão, “não é sequer uma verdadeira reforma”. “O que muda?”, questiona:
As subvenções aos agricultores passaram agora a estar mais ligadas à proteção do ambiente. Estes perdem 1/3 das suas subvenções se não renunciarem à monocultura e não reservarem uma (pequena) parte do seu terreno para zonas ecológicas prioritárias, como sebes ou zonas não cultivadas. […] Parece mais um conto de fadas do que a realidade, [uma vez que] vários agricultores cumpririam provavelmente esses critérios hoje. Mais vale portanto dizer, como o fazem certas críticas, que a PAC só foi pintada de verde. O que falta […] é uma nova base para a PAC, porque há muito tempo que deixou de haver justificações para as subvenções.
Esta “pequena reforma” é “uma oportunidade perdida para dar uma base credível à PAC”, lamenta ainda o diário. É ainda mais grave pelo facto de as novas regras serem válidas até 2020. Talvez, espera o jornal, “haja nessa altura um comissário responsável pela Agricultura que inicie uma verdadeira mudança de paradigma, em vez de apenas a mencionar”.

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