(per)Seguidores

segunda-feira, 8 de julho de 2013

O “Verão Quente” das democracias nas “democracias”

O presidente que os militares derrubaram ontem foi o único eleito democraticamente na história do Egito, que permaneceu apenas 1 ano e 3 dias no cargo.
Líderes de várias partes do mundo reagiram preocupados com as consequências do golpe militar. Há uma grande dúvida sobre o futuro da democracia no Egito e as Nações Unidas pediram respeito pela democracia e a eleição de um novo presidente civil o mais rápido possível.
"O Conselho de Paz e Segurança da União Africana (UA) decidiu suspender o Egito após a derrocada do presidente egípcio, democraticamente eleito", informou a organização pan-africana e anunciou que enviará uma delegação de alto nível ao Egito para "trabalhar na restauração da ordem constitucional".
Desta forma, assim como Madagáscar (golpe de Estado em 2009), Guiné-Bissau (golpe de Estado em 2012) e República Centro-Africana (golpe de Estado em 2013), o Egito também ficará afastado da organização até reestabelecer sua "ordem constitucional".
A televisão estatal do Egipto avança que 42 pessoas morreram na sequência de confrontos junto ao quartel general da Guarda Republicana. O exército egípcio garante que um grupo de terroristas tentou invadir o edifício e que um militar morreu e 40 ficaram feridos, enquanto a Irmandade Muçulmana acusa os militares de os terem atacado.
Ainda de acordo com a televisão egípcia, também mais de 300 pessoas ficaram feridas.
A Irmandade Muçulmana do Egito apelou, esta segunda-feira, à "revolta", depois de dezenas de apoiantes daquele movimento terem sido mortos perto do quartel-general das forças de elite do exército, no Cairo. A Irmandade Muçulmana pediu também a intervenção internacional para evitar uma "nova Síria".
A Síria acusou nesta quinta-feira os Estados Unidos e os seus aliados de darem cobertura política aos bandos armados que cometem atentados terroristas no país, mediante posturas e declarações que só os incentivam a continuar os seus crimes e derramar mais sangue. "Os mesmos que criticam o governo guardam silêncio com relação aos crimes dos terroristas, que aterrorizam os civis inocentes na cidade, os obrigam a abandonar os seus lares e inclusive os utilizam como escudos humanos para evitar os ataques dos soldados governamentais e perpetrar os seus crimes", sublinhou uma fonte do Ministério de Exteriores e Emigrantes.
Ponto Prévio – Para não perderem tempo na interpretação do que digo sobre a realidade noticiada e na classificação da minha pessoa em qualquer grau de simpatia pelo “terrorismo”, declaro que tenho noção do que é democracia, não faço distinções entre “democracias” e não consigo deixar de pensar pela minha cabeça, com base nos valores com que me fiz homem…
As “Primaveras Árabes”, que tanto excitaram os governos ocidentais, foram sempre apoiadas inquestionavelmente como um caminho para a democracia. Em contrapartida, todos os movimentos em países ocidentais “democráticos”, com reivindicações diferentes(?), mas tão justas como aquelas, foram reprimidos e contidos, sem resultados para os contestatários e o reforço dos 1%...
No Egito, como em outros países “primaveris”, conseguiu-se chegar ao ato eleitoral e encontrar, democraticamente, os representantes do povo, expresso pelo voto, apesar de enveredarem pela tentativa de condenar à morte o anterior governante, tão amigo e grande aliado do ocidente...
Um ano depois, um golpe militar depõe o presidente eleito democraticamente e perante isto, inicia-se uma guerra civil, já com mortos contabilizados e a tão elogiada e “credível” Irmandade Muçulmana (a que pertence o presidente deposto) a apelar à revolta do povo, para que os resultados das eleições sejam, democraticamente, repostos.
Entretanto, os vários governos ocidentais, que aplaudiram a “Primavera Árabe”, fecham-se em copas sobre a situação explosiva criada, que contraria as regras da democracia e omitem qualquer posição de força, como fazem em relação à Síria (e fizeram em relação à Líbia, de que nunca mais se falou…), onde também houve, em 2007, eleições (democráticas) legislativas…
Apenas as Nações Unidas pediram respeito pela democracia no Egito, que só poderia traduzir-se pela reposição do presidente eleito, mas sugere antes nova eleição de um novo presidente civil (até gostarem do “escolhido”) o mais rápido possível, provavelmente porque as eleições anteriores foram um teste ao processo eleitoral… Só rindo!
E, surpreendentemente, é a União Africana quem vem suspender o Egito daquela organização, pelo desvio constitucional e antidemocrático, coerentemente com o seu recente historial, para vergonha dos “verdadeiros democratas”, ONU incluída, que gostam muito do cheiro do petróleo, que os inebria…
É mesmo para perguntar:
Quando um golpe de estado não é um golpe? Ou, perguntando de outra forma: existe algo como um “um bom golpe”, o que significaria que também deve haver algo como um “mau golpe”? Se isto existir, onde fica nesta escala a derrubada do presidente egípcio Mohammed Morsi pelo Exército do país?
O facto é que encontrar as respostas a essas perguntas importa pouco.
Os outros países não podem fazer muita coisa sobre as mudanças no Egito. Nem mesmo os Estados Unidos, com as suas tão apregoadas boas relações com os militares egípcios. E, numa região problemática como o Oriente Médio, ninguém se pode dar ao luxo de manter uma certa distância do Egito, mesmo se quisessem.
A conversa sobre Washington questionando o apoio financeiro americano ao Egito, e particularmente aos seus militares, é apenas isto: conversa.
Então, num nível, a discussão se “foi golpe ou não foi golpe” é, como descreveu um conhecedor da situação egípcia, uma questão que só deve preocupar os analistas ocidentais.
Cautela
Mas, analisando por outro prisma muito importante, esta questão importa, sim. Deu o tom das respostas iniciais de governos-chave ocidentais. Como o presidente americano Barack Obama, por exemplo, ao dizer que os Estados Unidos estavam “profundamente preocupados” pelas ações das Forças Armadas Egípcias.
O que os governos dos outros países disseram sobre a queda de Morsi será lembrado pelo povo egípcio, e a política americana na véspera da tomada de poder pelos militares gerou muitas críticas tanto dos partidários de Morsi como de opositores do presidente deposto.
Este tom de contida reprimenda também marcou as declarações britânicas, apesar de o ministro do Exterior, William Hague, ter ido ao cerne do problema quando destacou a natureza dupla dos últimos eventos. Foi, segundo ele, uma “intervenção militar num sistema democrático”, disse, mas também foi, igualmente, uma “intervenção popular”.
Pragmatismo e realismo
Então, colocando estes 2 aspetos juntos, a derrubada de Morsi transforma-se num “bom golpe”? A opinião mais pragmática seria a de que é preciso esperar para ver o que vai acontecer e também seria bom acrescentar uma boa dose de realismo.
Os militares egípcios tiveram um papel central na política do país antes da saída do presidente Hosni Mubarak, mantiveram-se no centro das atenções depois dos levantamentos da Primavera Árabe e, nesta última crise, saíram dos quartéis para impor o que acreditavam ser o interesse nacional. A influência dos militares na política egípcia não vai desaparecer tão cedo. Basta lembrar quanto tempo foi necessário para que os militares turcos fossem colocados à margem da política daquele país.
Um presidente eleito democraticamente com certeza foi removido do gabinete pelos militares e isto, na definição de qualquer um, soa como um golpe de estado.
Mas, apenas uma eleição - não importa a vontade popular de fazer uma mudança - não fez uma democracia no Egito. Foi, como em tantos outros países da região: o Egito encontrava-se numa jornada para a democracia, estava a estabelecer novos papéis para instituições importantes, criando os órgãos representativos da sociedade civil e, acima de tudo, o povo e os líderes políticos estavam a aprender a habituar-se com esta nova realidade.
Alguns analistas dizem que foi precisamente pelo facto de não ter absorvido suficientemente os hábitos democráticos que Morsi se viu desafiado nas ruas do país.  Por este raciocínio, este foi um golpe atípico numa democracia muito imperfeita. Se foi certo ou errado, é uma questão para os especialistas. Os governos da região e os diplomatas no mundo todo terão que lidar com a realidade de um novo Egito.
Dúvidas
Agora tudo depende da transição para uma ordem democrática renovada.
Os líderes ocidentais deixaram claro que esta transição precisa de ser rápida, transparente e inclusiva. Mas, grandes dúvidas ainda permanecem.
Como será representada a Irmandade Muçulmana de Morsi nas novas instituições? Quanto apoio popular terá? E, mais importante, que mensagem esta experiência egípcia envia para grupos parecidos na região? Poderão concluir que seria bom incrementar as suas credenciais democráticas. Ou, por outro lado, decidir que, depois de vencer uma eleição no Egito, simplesmente tiveram o poder roubado das suas mãos - pondo em dúvida, assim, todo o seu esforço e comprometimento com o processo da democracia.

Sem comentários:

Enviar um comentário