(per)Seguidores

quinta-feira, 11 de julho de 2013

Pirómanos que ajudam a apagarem os fogos postos…

Para fugir aos inspetores são tomadas mil e uma precauções. Na Alemanha, os vários fabricantes de carros de bombeiros tinham comprado telefones pré-pagos, sem assinatura, para comunicar discretamente entre si. Exatamente como os traficantes de droga de Baltimore na série de culto The Wire!
No caso dos transportes aéreos de carga – setor onde Bruxelas aplicou, no ano passado, pesadas multas num total de €169.000 milhões – os quadros dos grandes grupos (UPS, Panalpina, Kühne & Nagel, Deutsche Post, Deutsche Bahn, etc.) tinham criado endereços de correio eletrónico específicos no Yahoo! para não terem de utilizar as suas caixas de correio nas empresas. A pessoa encarregue de gerir este cartel era fã de plantas. Por isso criou um “clube de jardinagem” com os seus colegas para falar de “espargos” ou de “curgetes”. O nome de cada legume designava, na verdade, um mecanismo de sobretaxa específico.
Muitas vezes, esta sofisticação é a explicação para a longevidade de um cartel. Mas mesmo o que se acabou de descrever foi descoberto. Tal como muitos outros. Chega sempre o dia em que um dos membros do clube denuncia os seus camaradas. Por vezes são estes informadores no seio de uma empresa implicada que vendem a dica, e nem sempre pelas razões que nos querem fazer crer. Um funcionário europeu lembra-se de ter visto chegar ao seu escritório um quadro que trazia debaixo do braço todos os documentos que comprometiam a sua empresa. Um cavaleiro andante? Na verdade, a pessoa que organizava esse cartel tinha um caso com a mulher do famoso “delator”, que encontrara uma forma simples e eficaz de se vingar...
O “clube de jardinagem”
A maioria das vezes são as próprias empresas que denunciam os cartéis em que participaram. Por vezes estes funcionam tão bem que ganham cada vez mais membros, enquanto o grau de fidelidade se vai diluindo. Acontece, às vezes, que a obstinação de Bruxelas sobre um determinado setor meta medo aos vizinhos. O “clube de jardinagem” partilhava os mesmos hangares que as grandes transportadoras aéreas de carga (Air France-KLM, British Airways, Air Canada...), todas severamente punidas em 2010 pela Comissão por outro cartel. “Isso levou a alguma reflexão e explica, em parte, que a Deutsche Post tenha denunciado os seus camaradas jardineiros”, afirma um perito. Mas a razão mais comum é muito mais simples: muitas vezes a trama é descoberta quando uma das empresas do cartel é comprada. O novo proprietário apercebe-se e, para não ser incriminado, prefere denunciar o que se passava para trás.
Quando se quer “abanar” um cartel é preciso agir depressa. Muitas vezes são os membros do grupo a pensar nisso e ao mesmo tempo. Podem ter trabalhado em conjunto durante anos, mas é raro que confiem uns nos outros. E só o primeiro a chegar à Comissão que beneficia de imunidade total. Esta questão é tão importante que, por vezes, as empresas reclamam perante o Tribunal de Justiça europeu a “classificação de chegada” adotada pela Comissão Europeia para os informadores. A diferença pode significar dezenas de milhões de euros em multas. Para hierarquizar a lista de arrependidos, Bruxelas tem de ter em consideração a hora de chegada, mas também o valor acrescentado que cada um tenha trazido à investigação.
Com um “arrependido” tudo fica mais fácil para a Comissão. Organização do cartel, objetivos, número de membros: as confissões dão uma visão de conjunto às autoridades. Mas, antes da sentença são precisas provas: documentos contundentes, mensagens de correio eletrónico suspeitas… O tipo de documentos que só se consegue obter com uma rusga policial de surpresa, como são as inspeções-surpresa dos funcionários europeus. Chegam em grupos, recusam-se a subir juntos no mesmo elevador para evitar que um infeliz acidente os bloqueie lá dentro durante horas e vasculham armários e computadores. As mensagens de SMS e os telefones portáteis também são inspecionados. Às vezes encontram papéis de divórcio e mensagens das amantes. Mas, o mais normal é encontrarem o que foram procurar.
A Europa sabe com o que pode contar
Uma vez, um empregado apavorado atirou todos os papéis comprometedores para a sanita. Quando o advogado da empresa se apercebeu foi o pânico total. Os empregados tiveram de ir procurar os documentos comprometedores na coluna de esgoto do prédio. Um pouco amarrotados e sujos mas perfeitamente utilizáveis.
Agora toda a Europa sabe com o que pode contar. Mais vale colaborar com Bruxelas para evitar uma multa pesada. Ver os nomes que denunciaram cartéis junto da Comissão nos últimos 10 anos é como dar a volta ao mundo: encontra-se de tudo .... menos franceses, exceção feita à ex-Rhône-Poulenc, que denunciou há cerca de 15 anos 2 cartéis diferentes, incluindo o das vitaminas.
É pouco. Na Alemanha os grupos económicos ficaram traumatizados pelo escândalo de corrupção da Siemens e há 10 anos que não hesitam em “denunciar”.
Também os grupos italianos não são reconhecidos por serem diligentes na matéria. Em 2002, a italiana Deltafina enfrentou a interdição, ao denunciar um cartel que regulava o mercado transalpino de tabaco em bruto. Terá tido medo da sua própria audácia? Na reunião seguinte com os membros do cartel, o grupo avisou os outros que os tinha denunciado. Um tipo de comportamento formalmente proibido por Bruxelas. A Deltafina perdeu a imunidade e teve de pagar uma multa como as outras empresas. Os reflexos culturais têm uma vida difícil.

Sem comentários:

Enviar um comentário