Já se sabem os efeitos que os contratos swap vão ter para o Estado e para as empresas públicas que a eles recorreram para se financiar.
Daniel Oliveira
Quando Pedro Passos Coelho chegou a São Bento, o governo foi avisado, através de um despacho do Tesouro, que os seguros de risco de algumas empresas públicas eram uma bomba relógio. Na altura, as perdas potenciais eram de 1.400 milhões. Vítor Gaspar não fez nada e deixou a coisa andar. Só 2 anos depois, quando a banca ameaçou mostrar a factura, o ministro das Finanças foi obrigado a reagir. As perdas potenciais já iam em 3.000 milhões. Mais do dobro de quando o governo tomou posse.
Havia que esconder as responsabilidades de Vítor Gaspar por 1.600 milhões potencialmente perdidos e lançar uma campanha mediática. Que passava por 3 operações: lançar todas as responsabilidades (que as teve) para o governo anterior, fazer voz grossa (mas manter mão dócil) com as instituições bancárias e, exibindo a mais vergonhosa das cobardias, isolar alguns dos responsáveis (estavam no governo e impediam o passa-culpas do costume), salvando Gaspar e a sua principal secretária de Estado.
A história da demissão dos secretários de Estado envolvidos nos swap é das mais tortuosas a que assistimos nos últimos anos. Como se sabe, foi a secretária de Estado das Finanças, Maria Luís Albuquerque, que conduziu, de forma bem pouco transparente (até houve contratos que se evaporaram), o processo. Ela era, como diretora financeira da REFER e responsável por acordos deste género, a pessoa com mais interesse em apagar o rasto do crime. Todos saíram. Ela ficou. Duas instituições tuteladas por si trataram de investigar a coisa: a Inspeção Geral das Finanças e a Agência de Gestão da Tesouraria e da Dívida Pública (IGCP). Maria Luís Albuquerque começou por mandar a Inspeção Geral de Finanças investigar todas as empresas em causa. Todas? Não. A sua REFER ficou convincentemente de fora, como revelou a deputada Ana Drago numa intervenção, na semana passada, no Parlamento (podem ouvir aqui e compreender melhor todos os sórdidos meandros deste processo).
As várias empresas públicas fizeram negócios diferentes? Maria Luís Albuquerque diz que sim. Convenientemente, ela foi o único membro do governo com participação direta nestes contratos que não fez nada de mal. Através de um jogo semântico que distingue produtos "tóxicos" de produtos "exóticos", ficou ao leme do barco para mandar os seus colegas de governo e de swaps borda fora. Mas os resultados do relatório da consultora Stormharbour diz que 2 dos contratos assinados pela secretária de Estado, quando estava na REFER, têm um grau de complexidade 4 (o máximo é 5). A IGCP aconselhou anular todos os que fossem superiores a 3. E esta semana ficámos a saber que dos 6 contratos swap assinados pela REFER, 5 têm perdas seguras. 4 deles têm a assinatura da secretária de Estado.
Ou seja, tirando a opinião da própria Maria Luís Albuquerque, juíza em causa própria, não se vislumbra nenhuma razão para 2 secretários de Estado terem saído, por causa dos acordos que assinaram, e a secretária de Estado que correu com eles do governo lá continuar.
Mas não vale a pena verter lágrimas pelos membros do governo, responsáveis por este monumental buraco (cerca de 40% do que o governo cortou este ano nas despesas públicas e mais do que estava em causa com a decisão do Tribunal Constitucional). Ficámos ontem a saber que Paulo Braga Lino, ex-secretário de Estado da Defesa, voltou ao lugar do crime. Foi reintegrado no Metro do Porto, onde, como diretor financeiro e administrativo, assinou os contratos swap que ditaram a sua demissão do governo. Teria de voltar para empresa a que fora requisitado, dirão. Mas era obrigatório que fosse escolhido como diretor administrativo? Ou seja, o que fez no Metro do Porto impedia-o de se manter no governo mas não o impede de voltar a dirigir o Metro do Porto. Será interessante acompanhar o rumo dos restantes demitidos para avaliar a ação moralizadora que Maria Luís Albuquerque dirigiu e da qual se deixou de fora.
Segundo o parecer do escritório de advogados Cardigos e o relatório da IGCP o governo tinha fundamentação financeira e jurídica para requerer a nulidade das transferências para as instituições financeiras, recorrendo aos tribunais. E propunha uma negociação firme com a JP Morgan. Mas, no dia 13 de junho, Maria Luís Albuquerque mandou pagar 21.000.000 à JP Morgan para cancelar 2 swaps da REFER. Com este pagamento, foi a própria secretária de Estado a reconhecer que os contratos que assinara como diretora financeira da empresa eram especulativos e maus para o Estado. Ela, que garantira que os seus swaps nada tinham a ver com os restantes.
O governo já pagou 1.000 milhões de euros para anular perdas potenciais de 1.500. Tudo indica que, se continuar a evitar a litigância judicial, vá pagar 2.000 milhões. Mais 600 milhões do que as perdas previstas quando Vítor Gaspar e Maria Luís Albuquerque foram avisados do problema. Concluirá o governo, ainda assim, que terá poupado dinheiro aos contribuintes: afinal de contas, pagaram menos do que as atuais perdas potenciais. Falso. Primeiro, porque estamos a falar de perdas potenciais, não de perdas certas. E elas foram trocadas por pagamentos seguros. Segundo, porque, sabendo que a Câmara de Milão recorreu aos tribunais, em casos bastante semelhantes, e venceu, é bem mais seguro dizer que o Estado pagou às instituições financeiras muito mais do que, ao que tudo indica, teria de pagar se recorresse à justiça. Gaspar fez o Estado perder dinheiro quando, há 2 anos, ignorou os avisos que chegaram às Finanças. E volta a fazer perder por decidir não recorrer à justiça.
A JP Morgan provocou 444 milhões de euros em prejuízos potenciais para as empresas públicas (foi a que mais prejuízos causou à REFER). O governo pagou-lhe 304 milhões para anular estes contratos. Pouco foi o ganho para o Estado. Mas terá sido um mau negócio para a JP Morgan? Nem por isso. Ao grupo financeiro que arranjou forma de sacar o mais possível do Estado foi entregue, como bónus por este incómodo, a gestão da privatização dos CTT. Com o dinheiro que receberam para anular contratos especulativos e esta empreitada, fica tudo na mesma para a JP Morgan. Compreende-se que, quem deposita todas as suas esperanças num "regresso aos mercados", não queira aborrecer uma das principais instituições financeiras do mundo. Amigos como antes. Para a próxima podem vir buscar mais dinheiro dos nossos impostos que ninguém se aborrece.
O papel de Maria Luís Albuquerque neste processo, a forma como expulsou membros do governo, mas garantiu que ela própria se mantivesse no lugar, o regresso de Paulo Braga Lino ao Metro do Porto e a simulação de guerra com as instituições financeiras que acabou bem para elas, deixam claro que esta purga teve apenas 2 funções: esconder as responsabilidades de Vítor Gaspar no avolumar da dívida e proteger a sua secretária de Estado. A bomba ia rebentar nas mãos dos 2. Assim, com prejuízos para os cofres públicos, trataram de se defender e de não beliscar os interesses da banca, que, como sempre, saiu a ganhar deste assalto.
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