O desabamento de um prédio de 8 andares que abrigava 5 fábricas têxteis no Bangladesh, matando mais de 370 pessoas, chama, mais uma vez, a atenção para as precárias condições de segurança e de trabalho da indústria de vestuário do país – a 2.ª maior do mundo, depois da China, e fundamental para a economia nacional.
"O colapso do edifício foi o último de uma série de acidentes em fábricas de roupas de Bangladesh", ressalta Brad Adams, da ONG Human Rights Watch. "O governo, donos de fábricas e a indústria internacional de vestuário pagam aos trabalhadores em Bangladesh salários que estão entre os mais baixos do mundo. Mas não têm a decência de criar condições seguras de trabalho para aqueles que costuram as roupas para pessoas de todo o mundo".
Estima-se que nos últimos 3 anos mais de 500 trabalhadores morreram em acidentes em fábricas da indústria do setor em Bangladesh. Em novembro passado, 112 pessoas morreram num incêndio numa outra fábrica, no polo industrial de Ashulia, subúrbio de Daca, onde eram produzidos artigos para grupos como Walmart e C&A. O acidente de 24 de abril já contabiliza, além dos mais de 370 mortos, quase 2.500 feridos. Cerca de 600 pessoas ainda estão desaparecidas.
Menos de 40 dólares (30,60 euros) por mês
A indústria têxtil responde por 80% das exportações e por mais de 40% da força de trabalho industrial do Bangladesh. Um trabalhador têxtil típico do país ganha menos de 40 dólares por mês. A maioria trabalha cerca de 10 horas por dia, 6 dias por semana.
O Bangladesh exporta anualmente cerca de 15,6 bilhões de dólares em peças de vestuário. Do total, 60% são destinados à Europa, enquanto os Estados Unidos importam 23%, e o Canadá, 5%, de acordo com dados do Ministério para a Indústria e Comércio do país.
O acidente mais recente mostra que muitas dessas tragédias poderiam ter sido ser evitadas. Apenas 2 dias antes, um funcionário do governo da cidade tinha encontrado fendas em 6 pilares de sustentação do prédio, localizado no subúrbio de Savar, a 30 quilómetros de Daca.
Depois disso, as autoridades municipais pediram aos inquilinos que desocupassem o Rana Plaza, como a construção era chamada. O dono, Mohammed Sohel Rana, um político local do partido do governo Liga Awami, interveio e garantiu que a sua propriedade estava em bom estado, tendo mandado, pessoalmente, as operárias voltarem ao trabalho. Pouco tempo depois, tudo veio abaixo.
Nos 2 pisos inferiores da construção, havia um banco privado, lojas e escritórios. Os andares superiores eram alugados por 5 fábricas que produziam roupas prontas para os países ocidentais. Entre os clientes, estão empresas do Reino Unido e da Espanha. Outras, da Alemanha, França, Itália e Estados Unidos, estão a rever os seus registos para confirmar se compravam naquelas fábricas.
Aparentemente, Sohel Rana tinha licença para a construção do edifício, mas acrescentou, ilegalmente, mais 3 andares aos 5 previstos. Além disso, o prédio fora construído ilegalmente num terreno onde antes havia um lago. Segundo especialistas, o solo instável pode ser uma das causas do desastre, além da utilização de materiais de baixa qualidade e, possivelmente, também o grande peso das máquinas de costura nos andares superiores.
Práticas ilegais
Há anos, sabe-se que tais práticas ilegais de construção são parte do quotidiano do Bangladesh, onde frequentemente as normas de segurança são simplesmente ignoradas. Fios elétricos ficam expostos ou pendurados nos tetos e paredes. Para economizar dinheiro, as fundações não são construídas em profundidade segura. Os prédios construídos para um determinado fim acabam, com frequência, por ser usados com outros objetivos.
Quando são descobertas falhas no momento da autorização do projeto, muitas vezes funcionários públicos são intimidados ou subornados. O resultado é que os edifícios caem ou incendeiam-se com uma regularidade assustadora.
"Cerca de 1/5 dos 360.000 prédios de Daca estão considerados como de alto risco de desabamento e podem cair a qualquer momento", afirma o professor ASM Maksud Kamal, especialista em gestão de desastres em Daca. Além deles, afirma, mais 135.000 edifícios estão classificados como parcialmente comprometidos ou perigosos. "Os prédios não foram construídos de acordo com as regras."
O facto de o proprietário, Sohel Rana, pertencer ao partido do governo, torna o incidente ainda mais delicado. "Muitos donos de fábricas em Bangladesh são políticos ou pertencem a um grande partido. Mais de 10% dos deputados têm participação em fábricas de peças de vestuário", observa Brad Adams, da Human Rights Watch e afirma não conhecer um único caso em que o proprietário de uma fábrica acidentada tenha sido processado.
Sendo a deslocalização do fabrico de produtos para as “grandes” empresas multinacionais a razão invocada para a sua sustentabilidade, com base nos baixos salários praticados nos países que escolhem, tal prática, para além de ter destruído as estruturas empresariais de países mais ricos (incluindo os da Sede dessas empresas), a grandes cortes salariais (sem resultados) e ao desemprego em massa (dos seus concidadãos), explorou e explora, desumanamente, os trabalhadores que sustentam os seus lucros, a ponto de fecharem os olhos às condições de segurança dos locais de laboração.
E não são só os donos das “fábricas” os culpados neste processo, porque os administradores das empresas, que tem que ter responsabilidade social, merecem o mesmo veredicto!
É já insustentável esta estrutura de “sustentabilidade” empresarial, que passando por cima das pessoas, como pessoas, deixam ruir os valores que o ocidente sempre defendeu…
Sem comentários:
Enviar um comentário