Depois de Durão Barroso reconhecer que a actual política de austeridade na Europa “atingiu os limites”, foi a vez de o presidente do Parlamento Europeu, Martin Schulz, criticar a resposta dos governos à crise por irem “longe demais” na estratégia da austeridade.
As fissuras abertas pela crise das dívidas são profundas e é preciso lutar por uma União Europeia mais transparente, socialmente mais justa e próxima dos cidadãos. É este o retrato – e a projecção – que o social-democrata alemão faz da Europa a um ano das eleições para o Parlamento Europeu.
Numa entrevista ao jornal belga L’Echo, Martin Schulz não esconde o desencantamento em relação a uma Europa que diz ser incompreendida pelos cidadãos. E que está hoje, segundo diz, “num estado lamentável”.
Com o debate europeu entre austeridade e crescimento económico a intensificar-se na Europa, Schulz diz que é preciso desconstruir argumentos. “Estamos a ir longe demais na política de austeridade”. E “o argumento que consiste em dizer que, com a redução dos orçamentos públicos, a confiança dos investidores regressa é manifestamente falso”, nenhuma economia se equilibra “sem relançamento económico com investimentos estratégicos”.
As pessoas, disse, estão desiludidas e cabe à UE procurar os cidadãos onde eles se encontram. “E eles encontram-se actualmente numa situação de cepticismo compreensível: há uma ineficácia da União Europeia, a falta de transparência das decisões, uma troika que impõe medidas aos países...”. Um tema que retomou no XIX Congresso do PS, onde defendeu ser preciso recuperar os valores fundadores da UE: a paz, a justiça e a solidariedade. E lutar por oferecer oportunidades aos mais jovens e uma melhor distribuição da riqueza.
Questões que lança para a mesa na entrevista ao jornal L’Echo: “O Banco Central Europeu, qual é a sua responsabilidade democrática? O FMI, qual é a sua responsabilidade democrática? É preciso admitir que as pessoas não compreendem o funcionamento da UE”.
Agora, Schulz vem apelar à necessidade de os governos se concertarem relativamente a um pacote para o crescimento, uma vontade que reconhece ao Presidente francês, François Hollande, mas que diz não ter dado frutos. “Onde estão as medidas?”, questiona.
O Presidente do Parlamento Europeu rejeita, no entanto, colocar a toda a responsabilidade das políticas de rigor orçamental nas mãos da chanceler alemã, Angela Merkel, que tem sido o alvo das acusações de intransigência por parte de vários socialistas franceses. “Não se pode acusar Angela Merkel de decidir sozinha, já que há 26 outros dirigentes em volta da mesa” no Conselho Europeu, contrapôs.
Questionado sobre se será o candidato dos socialistas à presidência da Comissão Europeia, Schulz disse ser “demasiado cedo para responder à pergunta”, mas não fecha a porta a esse cenário: “Tomo nota que o meu nome é por vezes mencionado, tal como o de Barroso [que termina mandato em Outubro de 2014]”.
Por mais do que uma vez Martin Schulz citou a sua condição de alemão para dar ainda mais ênfase a um discurso de defesa de mudança da política europeia. A ideia "fascinante" de Europa, disse o presidente do Parlamento Europeu, "está em mau estado". É preciso "mais justiça, mais emprego, mais democracia". É preciso "reganhar a ideia de solidariedade entre nações e gerações".
"A Europa não deve impor a austeridade aos que menos podem. Deve, sim, lutar contra a evasão fiscal e contra os paraísos fiscais, na Europa e no mundo", acrescentou, lembrando que estas propostas foram recentemente aprovadas, por "largo consenso", no Parlamento Europeu.
Assumindo-se contra uma Europa "dividida entre norte e sul" - "Ça ne va pas", disse -, recusou a leitura de que a crise pertence aos países do sul: "Não sabia que a Irlanda era no Mediterrâneo, pensava que era no Mar do Norte. E os irlandeses não são nem piores nem melhores que os portugueses, os espanhóis ou os italianos".
A Europa, disse ainda, "não és só uma comunidade económica. Depois de Auschwitz, o momento mais baixo da civilização, a Europa foi uma oportunidade de reentrada da Alemanha na comunidade democrática". E garantindo que os alemães continuam europeus e fiéis à ideia de Europa, citou o Nobel alemão da literatura Thomas Mann: "queremos uma Alemanha europeia e não uma Europa alemã".
Sinopse das críticas (comentadas) de um social-democrata:
A resposta dos vários governos à crise foram longe demais na austeridade (impostas por quem?);
É preciso lutar por uma União Europeia, que se encontra num estado lamentável, para que seja mais transparente, socialmente mais justa, mais próxima e mais compreendida pelos cidadãos (trabalho político que depende de todos órgãos comunitários);
O argumento de que defende que com a redução dos orçamentos públicos, apenas, regressa a confiança dos investidores, é manifestamente falso, porque nenhuma economia se equilibra sem relançamento económico com investimentos estratégicos (3 anos para se chegar a esta conclusão é, no mínimo, inocência e omitir os responsáveis);
Há uma ineficácia da UE, falta transparência nas decisões e uma troika que impõe medidas a países soberanos (sem referir a falta de autoridade democrática dos decisores, que dão ordens aos funcionários da troika);
Qual é a responsabilidade democrática do BCE e do FMI? ( e a da Comissão Europeia?);
É preciso recuperar os valores fundadores da UE: a paz, a justiça e a solidariedade e lutar por oferecer oportunidades aos mais jovens e uma melhor distribuição da riqueza (sem apontar o dedo a quem continua a ameaçar a paz, quem impôs a injustiça social como arma e quem se alheou da solidariedade, em proveito próprio, permitindo a acumulação da riqueza em muito poucos);
A Europa não pode ser dividida entre norte e sul (referindo-se à Irlanda, que não é do sul, mas esquecendo a Alemanha e os “outros” países do norte);
Não se pode acusar Angela Merkel de decidir sozinha, já que há mais 26 dirigentes em volta da mesa (como alemão, esquece-se de que quase todos os 26 estão dependentes da “patroa rica”, omite as decisões unilaterais do ministro das Finanças, Shaüble, na Ecofin e as declarações públicas e frequentes de ambos, com interferência, não democrática, na soberania dos resgatados entre os outros 26);
Depois de Auschwitz, o momento mais baixo da civilização, a Europa foi uma oportunidade de reentrada da Alemanha na comunidade democrática (fica-lhe bem o reconhecimento à Europa pela inclusão do seu país, mas fica-lhe mal não referir o perdão da dívida que receberam então de quem agora castigam, bem como da ajuda europeia à reunificação alemã);
Queremos uma Alemanha europeia e não uma Europa alemã (sem apresentar provas de tal vontade).
Como se diz por aqui, ideias bonitas, mas não concretizadas, mas que foram ditas e ficam registadas, à espera de confirmação e consistência num futuro próximo…
A questão de sempre, a teoria e a praxis, na oposição e no poder…
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