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quarta-feira, 10 de abril de 2013

Uma utopia pragmática para uma res publica solidária?

Sejam dirigentes políticos ou simples cidadãos, os pragmáticos não conseguiram construir uma União Europeia próspera e democrática. É, pois, altura de dar lugar aos sonhadores, que são hoje os verdadeiros realistas, garantem a politóloga Ulrich Guerot e o escritor Robert Menasse. Excertos.
A Europa arde e os chefes de Estado e de Governo europeus negoceiam à porta fechada o montante que deve ser atribuído aos danos causados pela água da extinção do fogo. Em boa verdade, não se lhes pode atribuir a culpa pela perda de ligação aos cidadãos. Como, se nunca a criaram? O sistema em que vivemos não prevê nem autoriza qualquer representação democraticamente legitimada da população europeia.
Quem democraticamente legitimado – portanto, eleito – faz política a nível europeu, alcançou essa posição por uma votação nacional e, para sobreviver politicamente, tem de defender a ficção dos "interesses nacionais". Quem se opõe hoje, nas cimeiras europeias, ao interesse comum, para obter a aprovação do seu eleitorado, prejudica todos os outros Estados – incluindo o seu próprio país, devido ao jogo de interdependências do mercado comum e da zona euro.
E os eleitores que aclamam essas atitudes em vez de tirarem lições de sapiência dessas dificuldades, menosprezam-se. Hoje, já nenhum Estado europeu pode resolver qualquer problema por si só, apesar de as estruturas institucionais da UE impedirem soluções coletivas. Aquilo a que chamamos "crise" não é mais do que um reflexo dessa contradição, de que discutimos apenas os sintomas.
Um abismo entre políticos e cidadãos
Esta situação dilacera a Europa. Entre os representantes políticos – que se consideram a si próprios pragmáticos –, os cidadãos e alguns sonhadores, abre-se um abismo cada vez mais fundo.
É aos pragmáticos que devemos a crise. Porque eles só procuraram fazer o que era "possível". Tomemos o exemplo da moeda única: a intenção inicial foi torpedeada, devido à obstinação e a outros estados de alma nacionais, que impediram a adoção dos instrumentos políticos necessários à sua gestão supranacional.
Em vez se lhes opor, os problemas decorrentes dessa contradição são renacionalizados: as dívidas são culpa dos Estados, os Estados são obrigados a contribuir com um esforço nacional. Como querer então que esses pragmáticos que causaram a crise, a resolvam? Há uma legitimação dos infratores. Forçam-se os representantes a defender interesses nacionais [e] a desviar-se da Europa.
E os sonhadores? Eram, e continuam a ser, os verdadeiros realistas. Devemos-lhes terem sabido tirar as consequências sensatas e realistas – que outrora pareciam utópicas – das experiências do nacionalismo e da “realpolitik” europeia, que reduziram a Europa a cinzas.
O primeiro presidente da Comissão Europeia, o alemão Walter Hallstein, declarou: "A noção europeia corresponde à abolição da Nação". Nem o atual presidente da Comissão nem a chanceler alemã se atreveriam hoje a proferir esta frase. No entanto, reflete a verdade.
Tratados que garantam paz duradoura
Se dessem ouvidos aos sonhadores, há muito que teríamos solução para a crise. O sonho, essa solução, é a República Europeia. As regiões europeias – sem perderem as suas especificidades – desenvolver-se-iam livremente num quadro de direito comum, em vez de se manterem associadas em nações concorrentes.
A Europa em que vivemos não é viável a prazo, nos seus contornos políticos e económicos atuais, pois a democracia nacional e a economia transnacional diluem-se nela. Movemo-nos num espaço monetário comum, mas agimos como se as nossas economias ainda fossem nacionais e competissem umas com as outras.
É por isso que a Eurolândia precisa de uma democracia transnacional, de uma República Europeia com regras políticas, económicas e sociais idênticas para todos.
A República é o novo projeto europeu. O seu território deve ser constituído com base em adesões voluntárias e a sua unidade construída por tratados que garantam uma paz duradoura. Liberta-se do conceito de nação e constrói o primeiro continente pós-nacional da História. Os Estados Unidos, formados sobre o modelo dos Estados Unidos da América, está ultrapassado. A União Europeia é a vanguarda.
Equilíbrio económico entre centro e periferia
O Conselho Europeu – e, através dele, os Estados-membros – exige exercer uma autoridade sobre a construção europeia que, de facto, não existe, tal a insistência em acenar às opiniões públicas e aos eleitorados nacionais com a falsa ilusão da defesa da sua soberania. A soberania nacional é a causa da aflição que assola a Europa.
Se a Europa evolui em matéria de união bancária e de mutualização da dívida, então é a decisão conjunta sobre as despesas que deve ser organizada de forma diferente.
A Eurolândia, que irá formar o núcleo de uma República Europeia, vai precisar de um parlamento da zona euro, dotado de direito de iniciativa, de direito ao voto independente dos interesses nacionais e de um ciclo orçamental independente da duração dos mandatos legislativos, bem como competência (pelo menos parcial) em política fiscal. Perspetiva-se a criação de eurobonds para colmatar o défice sistémico do euro.
Na lógica de uma res publica europeia, os proveitos da cadeia de criação de riqueza à escala comunitária devem ser redistribuídos de maneira a criar um equilíbrio económico entre centro e periferia. Dentro desta lógica e em tempos de recessão, um seguro de desemprego comunitário possibilitaria a transição para um sistema social europeu.
Sentimento de pertença europeu
A economia, a moeda e a política andam a par, e só uma política comum a toda a Europa e legitimada por uma democracia supranacional conseguiria controlar a economia. Balanças comerciais nacionais baseadas estritamente nas exportações não são uma estratégia! Especialmente quando 80% do balanço positivo das exportações de um país membro provêm precisamente do mercado interno; isso é uma intrujice de balança comercial europeia!
Em toda a história das ideias políticas desde Platão, a res publica é de longe o conceito mais valioso. É o principal argumento de promoção do conceito europeu num mundo globalizado, e é em torno dele que se pode forjar um sentimento de pertença europeu. Na res publica, recupera-se a ideia de um plebiscito positivo a favor da organização política de uma comunidade, em que se pode deduzir como objetivos normativos os princípios de justiça social e de bem-estar geral. Não esqueçamos que esses princípios não são aceites em toda a parte: não são nos Estados Unidos, por exemplo, na Rússia autocrática e oligárquica, nem tão-pouco na China pré-democrática.
A res publica é o fulcro da definição de Europa!
Ninguém pode antecipar hoje como vai ser essa nova democracia pós-nacional e europeia, esse projeto vanguardista ainda nunca posto em prática e que será um marco na história mundial.
Debater este projeto, com toda a fantasia, admitindo todos os devaneios, toda a criatividade de que este continente é capaz, é a tarefa que temos de encetar hoje, sob pena de assistirmos à assombração em que se tornará o projeto de paz europeu e o seu fantasma!

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