É um cheiro que está no ar. Este regime, que se enreda em jogos e salamaleques homeostáticos (em jogos do mais do mesmo) pelos salões desta falida democracia, despertou em mim memórias “olfactivas” que me recordam o outro, o que eu vi cair era ainda adolescente. Na altura, se o meu nariz não me engana, cheirava mal: cheirava a mofo. E o regime de então morreu.
Pedro Bidarra
Agora também me cheira a mofo. É o cheiro do fim.
Há uns meses assisti ao concerto de comemoração dos 40 anos do Expresso, que nasceu quando o anterior regime estava a morrer e fez 40, quando este tem os mesmíssimos sintomas do outro: incapacidade de os seus actores mudarem os papéis que desempenharam até hoje e nos trouxeram até aqui. No concerto ouviram-se as canções que marcaram estes anos. Começou nas do PREC, passou pelas do optimismo dos anos 80, depois pelas dos anos 90, já em tom de ressaca, e acabou com o Boss AC a cantar o “É sexta-feira”.
No auditório estavam representantes do regime: políticos, banqueiros, CEO famosos, jornalistas, empresários. O Boss AC cantou coisas como “Os cotas já me querem ver pelas costas” ou “Os bancos só emprestam a quem não precisa” ou “Eles enterram o país”; e “eles” bateram palmas e pediram um encore.
O “É sexta-feira” lembrou-me então a “Tourada” que o Tordo cantou no fim do outro regime. E veio-me à memória o cheiro a mofo.
Neste regime democrático vimos o país sair da miséria, vimo-lo desenvolver-se e vimos gerações, pelo menos duas, crescer em democracia; como se falar livremente, estudar quase de borla, ir ao hospital e ser atendido por bons médicos, trabalhar e ganhar dinheiro, e fazer parte do mundo (pela viagem e pelo poliglotismo de que somos capazes) fossem coisas normais. Como se viver em paz, na Europa, fosse uma coisa normal. Não é. Diz a História a quem se dá ao trabalho de a ler.
O cheiro a fim, sinto-o hoje quando oiço a bafienta “Grândola” que me soa ao “Ó tempo volta pra trás”. Ou quando oiço falar nos partidos do “arco-da-governação” e me lembro da União Nacional e da corja clientelar que por lá parasitava: “arco-da-governação” o tanas, é o “arco-da-velha”. Ou quando oiço o agitprop da esquerda a mentir ao povo que há dinheiro de borla.
Durante a minha adolescência ouvi muitas vezes a referência aos 48 anos de obscurantismo. Não era o obscurantismo que me fazia confusão – sendo eu adolescente, o obscurantismo era um lugar romântico, um sítio onde se lutava pela luz. O que me fazia confusão eram os 48 anos. Parecia-me uma eternidade. Afinal, não tarda serão 40 deste regime. De acordo com o que é normal na vida dos regimes em Portugal, está pronto a acabar. Pelo menos os sinais estão por aqui todos. Cá e lá fora, na Europa, que também cheira, insuportavelmente, a fim de regime. No caso, ao fim da paz.
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