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sábado, 17 de novembro de 2012

Em nome de interesses, não dos cidadãos, governos nacionais impõem medidas que exacerbam a injustiça

Se a legitimidade da União Europeia estivesse intacta, os europeus consentiriam mais facilmente os esforços que lhes são pedidos. Nesse caso, poderiam ver os seus próprios interesses recompensados.
Numa entrevista recente, o Presidente francês François Hollande referiu a crucial, mas muitas vezes esquecida, questão de que há limites para o nível de sacrifício que pode ser exigido aos cidadãos dos países do Sul da Europa, com dificuldades financeiras. Para evitar transformar a Grécia, Portugal e Espanha em “prisões” coletivas, Hollande concluiu que as pessoas precisam de ver esperança para lá do horizonte repleto de cortes orçamentais e de medidas de austeridade, que se afasta cada vez mais. Até mesmo o conhecimento mais rudimentar de psicologia apoia a opinião de Hollande. Um reforço negativo e uma gratificação atrasada têm poucas probabilidades de alcançarem os seus objetivos, a menos que haja uma luz visível ao fundo do túnel – uma recompensa no futuro pelos sacrifícios do presente.
O pessimismo geral no Sul da Europa é atribuído principalmente à ausência de tal recompensa. Enquanto a falta de confiança do consumidor e a perda de poder de compra das famílias se intensificam com a recessão, as projeções do fim da crise são repetidamente repelidas e aqueles que suportam a austeridade estão a perder a esperança.
Oferendas sangrentas
Ao longo da história, o conceito de sacrifício fundiu-se entre a teologia e a economia. No mundo antigo, as pessoas faziam oferendas, muitas vezes sangrentas aos deuses, nos quais acreditavam que iriam recompensá-los com, digamos, boas colheitas ou proteção contra o mal. O cristianismo, com a sua crença de que Deus (ou o Filho de Deus) se sacrificou para remir os pecados da humanidade, inverteu a economia tradicional do sacrifício. Neste caso, o sofrimento divino serve como um exemplo da humildade altruísta com a qual os infortúnios terrenos deveriam ser suportados.
Apesar da secularização, a crença de que as recompensas, ou as realizações, exigem sacrifícios tornou-se parte integrante da consciência cultural europeia. A ideia de um “contrato social” – que surgiu durante o Iluminismo, a fim de tratar, sem recurso ao direito divino, a legitimidade da autoridade do Estado sobre os seus cidadãos – firma-se na premissa de que os indivíduos renunciam a um certo grau de liberdade pessoal, a fim de assegurarem a paz e a prosperidade para todos.
Como resultado, os líderes políticos têm pedido frequentemente aos cidadãos para sacrificarem as liberdades e os confortos pessoais em nome de entidades espirituais secularizadas, como a nação ou o Estado – e os cidadãos têm avidamente feito a vontade. No seu primeiro discurso para a Câmara dos Comuns, na qualidade de primeiro-ministro do Reino Unido, Winston Churchill incutiu a esperança numa nação ameaçada, quando famosamente declarou que ele – e, portanto, a Grã-Bretanha – “só tinha para oferecer sangue, labuta, lágrimas e suor”.
Sacrifícios sem sentido
Tendo em conta tais inúmeros precedentes, pode ser surpreendente que a retórica do sacrifício sob a bandeira da austeridade se tenha revelado tão ineficaz na atual crise europeia. Alguns observadores atribuem a culpa, pela redução dos níveis de empenhamento, a algo que transcende o indivíduo, incluindo o sistema político.
Mas a resistência à austeridade no Sul da Europa não está enraizada na hostilidade geral ao sacrifício condescendente. Certamente, os europeus começaram a acreditar que os seus líderes estão a exigir sacrifícios que não promovem os seus interesses. Churchill deu aos britânicos um motivo para pensarem no futuro: a vitória. Sem um fim claro que o justifique, o sacrifício perde o significado.
A prosperidade deveria legitimar a União Europeia. Findo o período de rápido crescimento económico, os líderes europeus confiaram, afinal, na ameaça de um mal maior do que a austeridade: a desestabilização adicional dos países devedores, levando ao não cumprimento, à expulsão da zona euro e ao colapso económico, social e político.
Mas a retórica do medo está a perder influência, porque o “New Deal”, que está a ganhar forma no Sul da Europa, oferece mais repressão e menos proteção, violando assim os princípios fundamentais do contrato social. Na verdade, enquanto os cidadãos europeus estão a ser convidados a sacrificarem os seus padrões de vida – e até mesmo os seus meios de subsistência – para salvarem a “economia nacional”, as corporações transnacionais estão a prosperar.
Injustiça exacerbada
As condições impostas pela “troika” – a Comissão Europeia, o Banco Central Europeu e o Fundo Monetário Internacional – equivalem a um atraso, por tempo indeterminado, na supressão das necessidades daqueles a quem foi pedido que se sacrificassem e na reparação das redes esfarrapadas da segurança social. Contudo, os governos nacionais continuam a implementar políticas que exacerbam a injustiça. Por exemplo, em Portugal, o Orçamento do Estado para 2013 reduz o número de escalões fiscais de 8 para 5 – uma medida que irá devastar a classe média.
Um sacrifício que implica o resgate do corpo – os seus prazeres, as necessidades básicas e até mesmo a vitalidade – para salvar o espírito. Embora o discurso do sacrifício persista, a lógica que o consolidou durante milénios, foi abandonada. Os líderes europeus devem imbuir nos seus cidadãos, uma esperança renovada. A legitimidade de uma Europa “pós-nacional” – com base na obrigação da UE, consagrada no Tratado de Lisboa, para promover “o bem-estar do seu povo” – está em causa.

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