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segunda-feira, 12 de novembro de 2012

Tudo como então, depois do Forte de São Julião…

Não tenho qualquer tipo de ódio para com a chanceler Merkel. Para mim é apenas uma política em quem não votei e de quem discordo, que considero não estar, nem por sombras, à altura deste momento histórico. Ainda assim, acho o nosso primeiro-ministro bem menos merecedor de respeito.
Daniel Oliveira
Nada tenho contra os alemães. Porque nada tenho contra qualquer povo e porque, no que especialmente toca aos alemães, são um povo que conheço bem. Fiz na Alemanha bons amigos. E, mesmo politicamente, a maioria das pessoas que conheci na Alemanha estão-me muito mais próximas do que aqueles que me governam aqui.
Tenho pela história da Alemanha as perplexidades que muitos europeus têm. Não considero que ela tenha de diminuir os alemães das gerações que se seguiram à guerra e ao Holocausto. Apenas penso que todos os países devem aprender com a sua história. Com o que ela tem de nobre e com o que ela tem de crime. Nós, por exemplo, com o colonialismo e a guerra colonial. E não acho que, nessa matéria, os alemães sejam mais esquecidos do que os restantes povos. Pelo contrário, o que se compreende pela magnitude do crime que mancha a sua memória. Assim como penso que um povo que mereceu de todos os europeus tanta solidariedade - para a sua reconstrução e para a sua reunificação - devia ser especialmente sensível para com a necessidade de ser solidário com os outros.
Penso que, na Alemanha, domina um sentimento em relação aos povos do Sul que resulta de um absoluto desconhecimento da nossa realidade, que pinta os portugueses, os gregos, os espanhóis e os italianos como povos preguiçosos. E considero esse retrato inaceitável. Se os alemães não querem, e têm todo o direito a não o querer, ser retratados como um povo xenófobo e intolerante, não podem cometer a mesma injustiça com os outros.
Como português, responsabilizo, antes de tudo, aqueles que, tendo sido eleitos por nós, se recusam a representar os nossos interesses e se colocam numa posição de servilismo, antipatrótica e complexada. Não somos, ao contrário do que disse o ministro das Finanças, o melhor povo do Mundo. Mas também não somos pior do que qualquer outro. Merecemos o mesmo respeito.
É como europeu que hoje me manifestarei contra a presença da chanceler Merkel em Lisboa.
Porque considero que a Alemanha, depois de se ter oposto à criação do euro e de ter feito exigências pouco sensatas para que ele nascesse, tem fortes responsabilidades na atual arquitetura de uma moeda presa por arames. Porque considero que o atual governo alemão impediu uma intervenção rápida na Grécia, quando a crise começou, não deixando que se travasse uma epidemia europeia e, por razões meramente eleitoralistas, deixou que tudo ganhasse dimensões impossíveis de controlar. Porque considero que o governo alemão tem sido a principal força de bloqueio às alterações mais urgentes no euro e na União: mudança do estatuto do BCE, criação de títulos da dívida europeus, orçamento europeu que não seja apenas simbólico, harmonização fiscal na Europa e um programa para o crescimento.
Porque considero que a política de "contenção salarial" alemã, começada por Schroeder e continuada por Merkel, criou um tal desequilíbrio nas trocas comerciais dentro da União Europeia que torna inviável o mercado único e obrigará os países que queiram sobreviver ao regresso ao protecionismo dentro da própria Europa.
Porque considero que os moldes dos "resgates" aos países em dificuldades tiveram como único objetivo resgatar a banca alemã e francesa, destruindo, para isso, qualquer possibilidade de salvar as economias dos países periféricos. É mentira que a Alemanha esteja a pagar a crise europeia. Ela tem permitido à Alemanha financiar-se a juros negativos e o financiamento da troika tem servido apenas para garantir um saque às economias periféricas com o objectivo de dar tempo à banca alemã para se livrar dos maus investimentos que fez.
Hoje, protesto contra duas coisas: a cegueira e a humilhação.
A cegueira de uma chanceler que abusa dos seus poderes para impor a todos uma política económica e financeira suicida e que trava todas as possíveis soluções para a crise financeira da Europa. Que vive a pensar nos ciclos eleitorais internos e destrói os alicerces da solidariedade europeia. Que está errada na estratégia para combater a crise financeira, económica, social e política da Europa, não tendo aprendido as lições dos anos 30, que tão trágicas foram para o seu próprio país.
A humilhação de quem sente que esta visita é um ato de provocação, para consumo interno alemão. E a humilhação de quem faz parte de um País que passou a ser tratado como um protetorado.
Dito isto, é contra o meu governo que, antes de tudo, estou. Um governo que não se dá ao respeito, que me envergonha de cada vez que se põe ao lado de interesses antagónicos aos nossos e que se rebaixa perante a injustiça da lei do mais forte. O que farei hoje, protestando contra a chanceler Angela Merkel, é explicar a Pedro Passos Coelho que não acompanho a sua subserviência. Nunca a acompanharei. Que, como português, me recuso a perder a minha dignidade. E que, como europeu, me recuso a ser menos cidadãos do que qualquer alemão.
Quem acha que isto representa qualquer tipo de xenofobia contra os alemães não percebe rigorosamente nada do que está em causa.

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