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segunda-feira, 9 de julho de 2012

Colagem, auxílio ou álibi?

1. Há homens que não foram talhados para a função que exercem: cada vez tenho mais a sensação de que Passos Coelho é um exemplo flagrante desta afirmação. Por muito que tente, não tem perfil e tarda a mostrar capacidade para ser Primeiro-Ministro. Mais uma vez, revelou a sua falta de sentido de Estado e arrogância na reacção à decisão do Tribunal Constitucional que considerou inconstitucional o corte dos subsídios de férias e de Natal aos funcionários públicos, por violação do princípio da igualdade (artigo 13.º CRP): criticou implicitamente a decisão do Tribunal Constitucional, ameaçando alargar as medidas de austeridade (criando, por exemplo, uma taxa equivalente ao corte dos subsídios) ao sector privado. Ou seja, Passos Coelho aproveitou a decisão do Tribunal Constitucional (a que, já ouvi sussurrado por aí, teve acesso ainda antes de ser divulgada publicamente) para ameaçar os portugueses com a introdução de novas medidas de austeridade. Esta não é uma reacção de alguém com Sentido de Estado e que conheça o significado da expressão "lealdade institucional": o Tribunal Constitucional é um órgão de soberania que controla a constitucionalidade dos actos praticados pelos órgãos políticos do Estado. Merece respeito por parte do Primeiro-Ministro de Portugal, chefe de Governo, órgão que é sujeito à fiscalização por parte do Tribunal Constitucional. Lamentavelmente, na sexta-feira, Passos Coelho actuou como um menino mimado que face à primeira contrariedade vinga-se no amigo que está ao seu lado: o Tribunal Constitucional atacou parte da minha política, logo, vingo-me no elo mais fraco que é o povo português. É vergonhoso - em vez de reflectir sobre os fundamentos da decisão do Tribunal Constitucional, Passos Coelho partiu para o ataque aos portugueses. São opções.
2. Isto dito, convém salientar que esta decisão coincide com um período particularmente difícil e turbulento para o Tribunal Constitucional. Primeiro, porque o processo de designação dos juízes para o TC foi marcado por mais uma falta de lealdade institucional e "jogatanas" partidárias entre PS e PSD, o que atrasou a definição da nova composição do Tribunal Constitucional (e mostrou as fragilidades do processo de designação dos juízes constitucionalmente consagrado, deixando insinuar a "partidarização" do Tribunal). Em segundo lugar, ao mesmo tempo que crescia a sensação de que o Governo (ou os partidos políticos em sentido amplo) fiscaliza e controla o Tribunal Constitucional e não o inverso, o Tribunal Constitucional foi decidindo no sentido da conformidade constitucional de diplomas emanados na sequência da crise financeira que vivemos, gerando a percepção nos cidadãos de que a Constituição é "letra morta". Em terceiro, num acto de inabilidade política gritante, Luís Montenegro - o razoavelmente simpático, pouco brilhante, trabalhador e ligeiramente talentoso líder parlamentar do PSD - deu uma entrevista a um jornal diário em que defendia a extinção do Tribunal Constitucional. Pois bem, todos estes factores, levam-nos à conclusão de que o Tribunal Constitucional pretendeu um objectivo político bem claro ao pronunciar-se pela inconstitucionalidade da decisão do Governo - e, que curiosamente passou despercebido à totalidade dos comentadores políticos. O objectivo principal do Tribunal Constitucional era reforçar a sua autoridade, distanciando-se e afrontando o Governo. O PSD e o Governo por si apoiado começaram a adoptar um discurso muito anti-Tribunal Constitucional, pressionando o Tribunal a decidir em benefício da decisão do Governo. Os juízes- conselheiros sabiam que, caso se pronunciassem pela não inconstitucionalidade, o TC perderia força e autoridade, ficando, na prática, refém do poder político. Fiquei com a sensação de que, noutros tempos e noutras circunstâncias, o Tribunal teria decidido de outra forma. Sucede, porém, que a decisão do Tribunal Constitucional foi um acto falhado: os comentadores políticos não perceberam a real motivação do Tribunal, interpretando como uma "colagem" ou auxílio (ou álibi na expressão de Marcelo Rebelo de Sousa) ao Governo. Mas não: a intenção do Tribunal Constitucional era precisamente a contrária, demarcar-se do poder político e reforçar a sua autoridade e independência.
3. Termino por hoje afirmando que Passos Coelho reagiu demasiado rápido e demasiado habilmente para quem acabou de conhecer o sentido da decisão do Tribunal Constitucional. Certamente já saberia o sentido da decisão do Tribunal Constitucional e aproveitou para remeter para este órgão jurisdicional as responsabilidades de novas medidas de austeridade - basicamente, Passos Coelho está a tentar virar os portugueses contra o Tribunal Constitucional e os portugueses do sector público contra os portugueses do sector privado e vice-versa. Amanhã desenvolverei esta ideia, bem como a perspectiva do que o Governo poderá fazer. Não esquecendo de que ainda há o caso da licenciatura de Miguel Relvas para comentar...
João Lemos Esteves

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