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sábado, 14 de abril de 2012

Só não vê quem é invisual, ou sofre de partidarite…

No mês passado, o ministro das Finanças português declarou em Washington que "o ajustamento será mais rápido e bem sucedido do que o previsto no programa [da troika]".
Animado pela redução do défice externo no último trimestre do ano passado, Vítor Gaspar reafirmava assim a sua fé nas actuais políticas do seu governo - pouco importando que esta redução do défice se tenha devido a uma queda das importações causada pelo colapso do consumo e investimento internos e a um crescimento das exportações para o espaço não europeu que beneficiou da desvalorização do euro durante o mesmo período.
No entanto, a euforia governamental foi de curta duração. Através dos dados da execução orçamental, ficámos a saber que embora a carga fiscal tenha sido brutalmente aumentada, o aprofundamento da recessão conduziu a uma queda das receitas fiscais em 5,3% durante os dois primeiros meses de 2011 face ao período homólogo. Os números do desemprego, que atinge actualmente 15% segundo o Eurostat, ultrapassam o que foi estimado para este ano pelo Governo. As metas definidas para o défice orçamental parecem difíceis de atingir, ao mesmo tempo que a dívida atingiu já os 110% do PIB e que os juros no mercado secundário de dívida pública a 10 anos registam valores em torno dos 12%, acima dos 8% verificados aquando do pedido de "resgate" externo. É, pois, cada vez mais consensual a necessidade de um segundo programa de financiamento e a provável renegociação da dívida pública com o sector privado.
Enganam-se, contudo, aqueles que vêem a nova "ajuda" europeia e o cancelamento de parte da dívida (promovida pelos credores, como sucedeu no caso grego) como um balão de oxigénio para a economia portuguesa. A Grécia funciona, mais uma vez, como uma "bola de cristal" onde é discernível a evolução futura da economia portuguesa. Quando a crise se iniciou, em 2010, a dívida soberana grega ascendia a 300 mil milhões de euros e era detida sobretudo por credores privados, encontrando-se enquadrada pelo ordenamento jurídico grego. Depois de 2 anos de resgate, a Grécia viu a sua dívida pública total aumentar para 370 mil milhões de euros, dos quais os privados detêm apenas 200 mil milhões. Com a actual reestruturação, os credores privados foram forçados a aceitar perdas nominais de 53,5% nos seus títulos. As suas perdas serão compensadas através de um conjunto de pagamentos imediatos, entendidos como indemnizações necessárias ao acordo voluntário. Por outro lado, uma vez que uma parte substancial da dívida privada é detida pela banca grega, o Estado será obrigado a um processo de recapitalização num montante total de cerca de 50 mil milhões de euros - os quais acrescem à dívida pública. Conclusão: tendo em conta o novo endividamento junto da troika, a redução real da dívida grega é de menos do que 10% do PIB - com a diferença que os novos títulos de dívida detidos por privados passam a ser protegidos pela lei britânica. Tudo isto, claro, a par de novas doses de austeridade, permitindo concluir que o futuro que a Grécia tem pela frente não é mais do que o aprofundamento da depressão e o intolerável agravamento dos seus custos sociais.
Face à previsível evolução da situação na Grécia, ao impacte negativo sobre o nosso PIB da já notória recessão europeia e aos sinais claros de que o programa que tem vindo a ser imposto pelo actual Governo está a falhar os objectivos, Portugal não pode perder mais tempo. Este mês será publicado um livro, intitulado Crisis in the Eurozone (Verso Books), que reúne o trabalho que temos vindo a desenvolver há mais de 2 anos sobre a crise europeia no quadro do grupo de investigação Research on Money and Finance. Nesse livro, procede-se a uma reflexão em torno de quais as saídas possíveis, e quais as mais favoráveis, para a periferia europeia - começando desde logo pela Grécia, cujo caso antecipa e serve de modelo para Portugal. Defende-se uma reestruturação da dívida liderada pelos estados devedores, assente na participação democrática (tal como tem vindo a ser efectuado através dos processos de auditoria cidadã), por forma a reduzir a dívida para níveis sustentáveis do ponto de vista financeiro, económico e social. Sabemos que este caminho implicará, provavelmente, a saída do euro - e sabemos também que esse processo não está isento de custos e riscos. Tal saída forneceria, contudo, novos instrumentos para a recuperação económica, incluindo a possibilidade de desvalorização da moeda (promovendo o equilíbrio externo) e de adopção de uma política monetária autónoma financiadora de uma política orçamental de combate à crise.
Face à certeza de uma política europeia desastrosa para a periferia, agora reforçada à luz dos novos acordos, esta via é a única susceptível de colocar os países da periferia europeia numa trajectória de recuperação económica, se adequadamente planeada e implementada de modo a minimizar os riscos e custos da transição monetária. Isso implica um controlo público efectivo sobre a banca, a introdução de controlos de capitais, uma reforma fiscal profunda e a prossecução de uma política industrial activa - ou seja, uma profunda alteração da actual correlação de forças sociais. A alternativa contra a qual este cenário deve ser avaliado é o actual empobrecimento sem fim, a perda de soberania nacional e a regressiva redistribuição do rendimento. Um caminho no qual, aliás, o risco de uma saída caótica do euro, com uma economia arrasada e em total ruptura, não cessará de aumentar. Primeiro para a Grécia, depois para Portugal.
Costas Lapavitsas é professor de Economia da School of Oriental and African Studies (SOAS), membro do RMF (Research on Money and Finance).
Nuno Teles é doutorando em Economia na SOAS, membro do RMF.

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