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segunda-feira, 26 de março de 2012

Os PAÍSES pobres podem salvar o mundo? E não:

Os acontecimentos até agora em 2012 confirmaram uma nova assimetria mundial. Espremidos entre uma insegurança financeira sem precedentes e perspectivas económicas nebulosas, os países ricos da OCDE e as suas classes médias temem sofrer de um enfraquecimento geopolítico e mobilidade social descendente. Em grande parte da Ásia, África e América Latina, no entanto, reina o otimismo.

Entre os países desenvolvidos, essa mudança inesperada incitou medidas protecionistas, exemplificadas na defesa pela França de uma "desglobalização". Enquanto isso, entre os países emergentes, o orgulho por vezes manifestou-se como arrogância, que após décadas de prepotência do Ocidente, também chega com um quê de "schadenfreude", o prazer pelo sofrimento alheio. As economias emergentes, em desenvolvimento e desenvolvidas, no entanto, estão ligadas tão intimamente no mundo atual que, ou conseguem sair a remar juntas da crise, ou entrarão numa zona de perigo como não se vê desde a década de 30.
Depois da Segunda Guerra Mundial, emergiu uma nova economia global, na qual um número cada vez maior de países em desenvolvimento adotou modelos de crescimento impulsionados pelas exportações, proporcionando matérias-primas e bens de uso doméstico aos países industrializados. Esta nova economia foi um sucesso inegável: mais pessoas deixaram a pobreza no século XX do que nos dois milénios anteriores. E enriqueceu os países da OCDE, uma vez que a importação de bens e serviços baratos fortaleceu o seu poder de compra.
O modelo, contudo, também enfraqueceu as estruturas sociais dos países ricos. Ampliou desigualdades e excluiu uma proporção cada vez maior das suas populações do mercado de trabalho. Além disso, é responsável pelos desequilíbrios financeiros que nos afligem atualmente: para conter os efeitos do aumento da desigualdade e menor crescimento, os países da OCDE impulsionaram o consumo caindo em dívidas - tanto públicas (o que levou à crise das dívidas governamentais da Europa) como privadas (o que facilitou a crise das hipotecas "subprime" dos Estados Unidos).
Isto teria sido impossível se os principais fornecedores de energia e bens industrializados dos países da OCDE não se tivessem, ao longo do tempo, tornado seus credores. Numa extraordinária inversão da história, graças a grandes reservas internacionais, os pobres do mundo agora financiam os ricos. De facto, a hipertrofia do setor financeiro mundial de hoje em grande parte reflete os esforços para reciclar os crescentes superávits dos países emergentes para cobrir os défices cada vez maiores dos países ricos.
Até recentemente, esta dinâmica era considerada transitória. O crescimento dos países emergentes necessariamente levaria a uma convergência mundial de salários e preços, portanto, interrompendo a erosão da indústria nos países da OCDE. A transição demográfica nos países emergentes encorajaria o desenvolvimento dos seus mercados domésticos, a queda dos seus índices de poupança e o reequilíbrio do comércio mundial.
Isto pode ser verdadeiro em teoria, mas a duração desse período de transição, que está no cerne da crise financeira mundial, foi terrivelmente subestimada. A "reversão das carências" - a nova abundância de homens e mulheres que participam ativamente da economia mundial, combinada com os limites cada vez mais visíveis para os recursos naturais outrora abundantes no mundo - ameaça prolongar a transição indefinidamente, por dois motivos.
Primeiro, a partir do ponto de vista macroeconómico, não podemos contar mais com a queda dos preços das matérias-primas, um dos estabilizadores económicos em tempos de crise. Dada a crescente procura nos países emergentes, o custo dos recursos naturais está destinado a ser um limitador cada vez maior.
Segundo, do ponto de vista social, depois de a força de trabalho no mercado laboral mundial ter dobrado no século XX, surgiu outro "exército industrial de reserva" na China e entre os 3 mil milhões de habitantes dos países em desenvolvimento do mundo.
Um reequilíbrio do crescimento mundial demasiado rápido, através da redução dos desequilíbrios financeiros entre as economias da OCDE e os seus mercados emergentes credores é arriscado, porque provocaria uma profunda recessão nos países da organização - e depois nas economias emergentes. Além disso, isto é improvável, porque presume que os países emergentes terão défices comerciais com os países da OCDE e que os mercados domésticos dos emergentes se tornarão motores do crescimento mundial.
Se a análise for correta, uma nova estratégia de reequilíbrio mundial precisará começar em algum outro lugar que não nas economias ricas da OCDE. A adoção de novos modelos de crescimento no mundo em desenvolvimento - as partes do Sudeste Asiático, América Latina e África, que não adotaram estratégias impulsionadas pelas exportações - pode proporcionar, pelo menos em parte, a procura em falta que a economia mundial precisa tão urgentemente.
O sucesso deste cenário depende da combinação de três elementos. Primeiro, o comércio entre países em desenvolvimento e países emergentes precisa acelerar-se, desenvolvendo, portanto, o mesmo tipo de relação entre consumidor e fornecedor existente entre países avançados e emergentes. Segundo, os mercados internos dos países mais pobres do mundo precisam ser desenvolvidos de forma a alimentar mais crescimento doméstico. E, terceiro, os fluxos financeiros para os países em desenvolvimento - sejam investimentos externos diretos ou fundos assistenciais ao desenvolvimento - precisam aumentar e precisam vir não apenas das economias industrializadas, mas também dos países emergentes e dos exportadores de petróleo.
Reciclar os superávits mundiais através dos "bilhões na base da pirâmide" pressupõe uma completa reformulação dos modelos económicos convencionais, o que essencialmente supõe que o milagre económico asiático pode ser replicado. Afinal, mesmo se o mundo conseguir um crescimento económico significativo até 2050, 2 mil milhões dos 9 mil milhões de pessoas do mundo estarão ainda a viver com menos de US$ 2 por dia e outro mil milhão terá pouco mais do que isso.
Os pobres do mundo não deveriam ser vistos como um fardo, tanto pelas economias emergentes como pelos países ricos. Na atual crise económica mundial, são a melhor estratégia de saída que temos.
Jean-Michel Severino é diretor de análises da Fondation pour les Études et Recherches sur le Développement International (FERDI) e gerente da Manager of Investisseur et Partenaire
Olivier Ray é economista do desenvolvimento do Ministério de Relações Exteriores da França. São coautores de "Africa's Moment" (A hora da África, em inglês).

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