Despedimentos facilitados, salários reduzidos, idade de reforma prolongada: sob a pressão da crise, os governos europeus reescrevem o direito do trabalho, para grande satisfação dos empresários.
A crise provoca a ira na Grécia, em Espanha e em Portugal. Todo o Sul da Europa está prostrado. Todo o Sul da Europa? Não. Nestes países, realizam as velhas reivindicações de alguns. Como as de Juan Rosell, por exemplo, presidente da organização patronal espanhola CEOE. Durante anos, reclamou maior suavidade na proteção contra o despedimento. Atualmente, o Governo fez-lhe a vontade. “Não será a última reforma do mercado de trabalho”, profetiza Juan Rosell, seguro do seu sucesso. A crise é a sua oportunidade.
As empresas europeias agarram a oportunidade com as duas mãos. Sob a pressão da recessão e das dívidas públicas, por todo o lado, os governos estão a fazer regredir os direitos dos trabalhadores e diminuem os custos salariais. O objetivo é tornarem-se mais competitivas e, por isso mesmo, mais atrativas para os investidores. “A Europa está a um passo de se tornar um paraíso para os empresários. Às costas dos trabalhadores”, lamenta Apostolos Kapsalis, do instituto de pesquisa da confederação sindical grega GSEE.
Face à explosão do desemprego e às medidas de rigor da UE, estão de pé atrás. Especialmente na Grécia, onde o Governo reduziu o salário mínimo e os subsídios de desemprego. “São de esperar grandes reduções de salários”, previne Michala Marcussen, do banco Société Générale.
A idade de reforma foi prolongada, o que não só evita que o Estado tenha de pagar pensões, como também aumenta o número de candidatos no mercado de trabalho, exacerbando assim a concorrência por um emprego. “A Grécia é a cobaia do laboratório de reformas europeu”, desabafa Apostolos Kapsalis. “Aqui, testamos as medidas de austeridade que podem ser aplicadas.” O sindicalista avisa que programas semelhantes já estão a ser aplicados noutros países.
Proteção contra o despedimento tende a desaparecer
Em Espanha, por exemplo, onde o Governo reformou o mercado de trabalho, em fevereiro, sem negociação prévia com os sindicatos – “de maneira muito agressiva”, como reconheceu o próprio ministro da economia, Luis de Guindos -, os primeiros beneficiários destas reformas são as empresas: “Trata-se, nem mais nem menos, de reforçar as suas margens de lucro – e, a curto prazo, isso só é possível através de uma redução dos custos salariais”, observa Patrick Artus, economista do banco francês Natixis.
A onda de reforma não atinge apenas os pequenos países. Também em Itália, o primeiro-ministro, Mario Monti, planeia reduzir muitíssimo os direitos habituais dos trabalhadores. Assim, tendem a desaparecer a proteção contra o despedimento e as suas apertadas regras. Em 2002 já tinha sido feita uma primeira tentativa que falhou perante a resistência da população.
Agora, surge uma nova oportunidade – e o primeiro-ministro não a vai perder. “Sobre as questões de política económica, Mario Monti está na mesma linha que nós”, congratula-se Emma Marcegaglia, presidente da confederação industrial Confindustria.
Os líderes políticos europeus tomaram como modelo a Alemanha, onde a Agenda 2010 e a moderação salarial têm impulsionado a rentabilidade das empresas, e onde a crise foi ultrapassada há muito tempo. “No plano da concorrência internacional, a única solução que a Europa tem, para fazer face às potências emergentes, como a China ou o Brasil, é tornar-se tão competitiva como a Alemanha”, declarou, em janeiro, a chanceler Angela Merkel.
“As medidas vão travar o crescimento”
O nível dos salários alemães e a produtividade alemã servem, assim, de bitola à concorrência europeia – incluindo a França, que perdeu quotas de mercado internacional para outros países, enquanto a Alemanha consolida a sua posição no mercado. Segundo os cálculos do Commerzbank, a produção de automóveis franceses e italianos desceu cerca de 30% entre 2004 e 2011 quando, no mesmo período, os construtores alemães viram a sua produção aumentar 22%.
É forçoso reconhecer que as reformas do mercado de trabalho não são medidas anticrise de curto prazo, são, sim, duradouras. Porque os Estados pressionam-se mutuamente através das suas estratégias de redução de custos. Mesmo os países com salários baixos, como a Croácia e a República Checa, terão de introduzir maior flexibilização no seu mercado de trabalho e têm de rever os seus custos salariais, baixando-os, para relançarem a competitividade, previne o FMI.
Esta competição entre Estados-membros recolhe os favores da UE, que quer fazer da Europa a região mais competitiva do mundo até 2020. “Temos a obrigação de definir uma estratégia de crescimento”, declarou o presidente da Comissão Europeia, Durão Barroso.
Este relançamento da competitividade, à custa de uma redução dos custos salariais, faz-se em detrimento dos rendimentos – e, por isso, à custa do consumo das famílias. “As medidas vão travar o crescimento e o mercado de trabalho durante alguns anos”, prevê Patrick Artus. Resta saber se os primeiros interessados estão de acordo. Os sindicatos portugueses acabam de fazer uma greve geral, e os espanhóis seguem-lhes os passos. Apostolos Kapsalis, o sindicalista grego, convida os alemães a serem mais solidários: “Porque, hoje, somos nós que estamos mal – mas, amanhã, vai ser novamente a vossa vez”.
ITÁLIA - Uma reforma à alemã?
O Governo de Mario Monti deverá concluir a 23 de março a reforma do Código de Trabalho, e especialmente do artigo 18, que regulamenta o despedimento sem justa causa. Uma reforma reclamada desde há vários anos pelo patronato italiano, que atribui a fraca competitividade da indústria italiana à dificuldade de despedir trabalhadores. Até agora, nenhum governo tinha conseguido levar a cabo esta mudança por causa da encarniçada resistência dos sindicatos.
O cerne da reforma, explica La Repubblica, é a abolição da obrigação de reintegrar um trabalhador despedido por razões económicas julgadas insuficientes pelo Tribunal de Trabalho: o juiz deixará de se poder pronunciar sobre a validade dos motivos, mas pode, apenas, obrigar a empresa a indemnizar o funcionário se o despedimento não tiver justa causa. A reforma introduz, no entanto, medidas que visam manter o emprego dos trabalhadores precários e uma nova forma de subsídio de desemprego. Apesar de a reforma ainda ter de ser aprovada pelo Parlamento, o DGIL, o principal sindicato do país, já ameaçou com uma greve geral.
“O Governo Monti está prestes a cometer o seu primeiro grande erro?”, pergunta Gian Enrico Rusconi, em La Stampa. O chefe do Governo afirmou, de facto, querer inspirar-se no modelo alemão, esquecendo completamente que esse modelo se baseia essencialmente na concertação com os parceiros sociais, um aspeto até agora ignorado, referindo-se à exigência de alinhar a Itália com os outros países europeus, explica Rusconi:
É tempo de Monti argumentar melhor a dimensão europeia da ação do seu Governo, sem se referir unicamente ao mercado, às bolsas e aos outros indicadores, que se sabe terem apenas um valor relativo. […] Imagino que os ‘técnicos’ sabem que recurso extraordinário e insubstituível representa o consenso social para a eficácia do sistema de emprego.
Quanto tempo(se é que isso alguma vez acontecerá) para recuperar estes direitos?!
ResponderEliminarComo durou séculos a adquiri-los, mas tendo em conta a nova velocidade do tempo, talvez décadas, com imprevisíveis processos...
EliminarMas destaque-se a MENTIRA!