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sábado, 31 de março de 2012

Para um “exame de consciência” ou autoavaliação…

Ilustração de Sarah Jane Sziroka
Neste artigo há uma intenção fundamental, que no fim da sua leitura, possa dar-se conta se está a ser mais vicioso ou mais virtuoso.
Contudo, há outra intencionalidade. E qual é? Que a sua existência possa ser prolongada à medida que perceber que poderá, se assim desejar, substituir o que é vicioso em si, por aquilo que é virtuoso. Importante: farei essa reflexão sem o caráter religioso, ou seja, deixando a especulação de lado.
A compreensão dos conceitos a partir de sua etimologia
A palavra virtude é de origem latina. Virtus é força. Até aqui muitos que lerão este artigo já sabem. Talvez o que muitos não saibam é que se nós “abrirmos” mais esta palavra latina encontraremos o radical vir. O que significa vir em latim? A tradução: homem. Neste caso, género masculino. Desta forma, podemos dizer que eu sou virtuoso quando tenho a “força” de controlar as minhas ações. Mais adiante isso ficará claro. Veremos agora a etimologia da palavra vício.
Vício também tem origem na língua latina. Vem de vitium. E o que isso significa? A tradução imediata: aquilo que é relativo ao mal. Posso dizer que sou vicioso cada vez que me deixo dominar pelos objetos. É simples. Você, provavelmente está a ler isto diretamente da internet. Se for este o caso, peço que pare um pouco a leitura. Agora olhe para seu computador. Pois bem, se você disser assim: - “eu não consigo ficar sem internet”! É bem provável que isso já seja um vício.
Dito isto fica mais fácil compreender o que é vício e o que é virtude. O vício existe em mim quando o objeto me domina e a virtude passa a existir quando eu domino o objeto.
Ao escrever isso, lembrei-me de uma amiga que sempre me dizia: - “ainda terei muito dinheiro. No dia que tiver vou colocar um monte sobre a mesa, depois vou-me distanciar um pouco e farei a seguinte indagação: sou eu que mando em ti ou é você quem manda em mim”? Como ela é virtuosa em quase tudo, a resposta eu já sei.
Ocorre que quando pensamos em vício, o que nos vem logo à cabeça? Cigarro, bebidas, haxixe, maconha, crack, etc. Porém, há muitas outras formas de vício.
No meu entendimento há um vício que está em toda parte e em quase todas as famílias. Pelo menos um dos seus membros está fortemente ligado a ele. Este é o vício do consumo. A maioria (dos brasileiros) tem cabeça de burguês e bolso de proletário. Muitos sonham com a riqueza súbita. Consomem muito mais do que arrecadam. Por isso vivem mais quebrados que “arroz de terceira”, como dizia meu pai... rs!
Antes de lhe apresentar mais ideias sobre este assunto preciso confessar-lhe algo. Este que vos escreve também está a lutar para se libertar desse vício, e não é fácil. Às vezes tenho recaído, mas com ajuda de alguns amigos estou conseguindo vencê-lo.
Aqui cabem mais duas questões: no seu entendimento alguém que está com um vício admite-o facilmente? Todas as vezes que questionei as minhas educandas e educandos, a resposta foi unânime: Não! A segunda: para que alguém consiga sair de um determinado vício o que é necessário que aconteça? A resposta sempre foi: é preciso que a pessoa aceite que está com o vício e peça ajuda.
A teoria do “enrabamento”
Peço perdão pelo termo chulo, mas tem sido a melhor forma para sensibilizar os atores sociais com os quais tenho interação. Sensibilizar em face de quê? De que muitas pessoas projetam a responsabilidade do que ocorre com elas nos “ombros” dos outros.
As pessoas vitimistas são as que mais fazem isso. Pela experiência que tenho na gestão de pessoas é-lhes muito comum “tirarem o seu da reta” e responsabilizarem os outros pelas suas próprias falhas. Poucos são os que tem humildade para assumir que foram os responsáveis por um determinado projeto não ter dado certo.
Você sabe quem foi o primeiro a combater a teoria do “enrabamento”? Foi Sócrates lá na Grécia antiga. Ele dizia: - “parem de culpar os deuses pelo que acontece connosco. Nós somos os únicos responsáveis a partir das escolhas que fazemos”.
Assim, muitos que são viciosos além de não assumirem tais vícios, culpam os outros pela situação em que se encontram. Por exemplo: - “eu sou professor e estou endividado porque ganho pouco. A culpa da minha situação é do governador. É dos políticos que roubam muito e pagam-me este salário de fome”! Ora, uma pessoa que está com o vício do consumo, não importa o quanto ganha, ela sempre gastará mais do que arrecada. Eu durante 15 anos recordo-me de que só um mês consegui terminá-lo sem entrar no limite do cheque especial. De quem foi a responsabilidade? Minha. Eu disse muitos “sim” à falsa necessidade de ter... Agora o momento já é outro.
O caminho mais fácil...
No seu entendimento o que é mais fácil: sermos viciosos ou virtuosos? Por outras palavras, nós estamos mais afetos ao vício ou à virtude?
Aqui novamente as respostas foram: - “é mais fácil sermos viciosos”. E por quê? Essa resposta não é tão simples. No meu entendimento é porque no vício o hedonismo – em grego hedós = prazer - é imediato. E o que significa isso?
Pense! É fácil de entender. Quando uma pessoa tem o vício do cigarro e fuma com muita frequência, se está há 3 horas dentro de um autocarro, ao sair, depois da primeira tragada, o que sente? Sensação de prazer. Por isso o vício nos pega com facilidade...
A prova disto é fazermos uma caminhada. É prazeroso sair debaixo das cobertas numa manhã de frio para andar? Não. Contudo, depois da caminhada, ao longo dos dias que você está andando, sentirá prazer ou dor? Você sabe como moldamos o nosso caráter? Responderei com o que nos dizia Aristóteles a respeito deste facto. Pelo hábito, dizia ele.
Se você é tomado por uma força que o leva à inércia, à ausência de qualquer movimento, denominada preguiça e não sai para fazer a caminhada no primeiro dia, no segundo dia que se propôs... No trigésimo, será mais fácil ou difícil sair debaixo das cobertas? Quase impossível... rs
Entretanto, se você é tomado por uma energia que te coloca em movimento, chamada vontade – volens em latim -, ao escolher sair caminhar um dia, depois no outro dia... No trigésimo será mais fácil ou difícil? A resposta está clara.
Por isso a expressão “só uma andorinha não faz a primavera” é de Aristóteles. Não é com uma atitude virtuosa que alguém pode dizer que já é assim. É necessário que consigamos incorporar isso como um hábito. Lembrando: o hábito constrói-se pela repetição.
Duas regras de ouro
Primeira: o vício dá-nos prazer no início e dor depois. A virtude dá-nos dor no início e prazer depois.
Segunda: todo o vício mata. Só que uns matam mais rápido e outros lentamente.
Por isso a pessoa que tem vícios morre antes dos que são virtuosos. Exceto nos casos de acidente.
O homem forte e o homem fraco para Espinosa (1632-1677)
Grande parte desta forma de pensar que tenho hoje acerca deste assunto, aprendi com Espinosa. Em muitos dos artigos que ainda estão por vir, você irá deparar-se com o seu pensamento.
Espinosa dizia que há dois tipos de homens. O homem fraco e o homem forte. O forte é o homem ético. Aquele que procura ser virtuoso em tudo o que faz.
Já o homem fraco é o homem da moral. Ele vive de uma moral heterónoma, ou seja, age conforme o que os outros dizem. O homem fraco é o homem vicioso. Deixa-se dominar pelas coisas, pelos outros.
No artigo da próxima semana escreverei sobre o pior dos males: a inveja. Você compreenderá que o conceito de conatus para Espinosa é fundamental. Se eu quiser ter meu conatus fortalecido, necessito ser virtuoso e não vicioso.
No meu entendimento Sartre prolongou a filosofia espinosiana quando nos apresentou os conceitos de “em-si” e “para-si”. O que aceita continuar com os vícios é um ser “em-si”. O que busca ser virtuoso torna-se um ser “para-si”. E por quê? Porque o grande desafio na nossa vida é sermos o fundamento do nosso próprio fundamento moral. Essa é outra regra de ouro, no meu entendimento.
Espero ter contribuído na sua formação com esta pequena reflexão e desejo que as suas escolhas sejam sempre as melhores. Portanto, que o conduzam ao caminho da virtude.

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