Ao impor austeridade fiscal aos seus parceiros da Zona Euro, ao mesmo tempo que recusa teimosamente o reforço do papel do BCE e um maior apoio mútuo às dívidas nacionais, a Alemanha é mais um obstáculo do que uma ajuda para a moeda única, argumenta Anatole Kaletsky.
“Os Prestamistas” de Quintin Massys
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O mundo tem estado a assistir com horror e fascínio ao trabalho dos investigadores que buscam a causa para um naufrágio eminentemente evitável em Itália. Enquanto isso, a causa de um muito maior naufrágio salta à vista.
À medida que a Grécia avança para a bancarrota, que França, Itália e Espanha sofrem descidas de notação de crédito e que as negociações do tratado fiscal do mês passado chegam a um impasse, o euro caminha na direção das rochas e a força condutora está a ficar bem clara. A verdadeira causa do desastre do euro não é a França, a Itália ou a Grécia. É a Alemanha.
O problema fundamental não reside na eficiência da economia alemã, embora tenha contribuído para a divergência dos resultados económicos, mas no comportamento dos políticos e banqueiros centrais alemães. O Governo alemão não se limitou a vetar permanentemente as únicas políticas que podiam ter colocado a crise do euro sob controlo – garantias coletivas europeias para dívidas nacionais e intervenção em grande escala do Banco Central Europeu. Para piorar a situação, a Alemanha tem sido responsável por quase todas as políticas erradas postas em prática pela Zona Euro, que vão desde subidas loucas da taxa de juros no ano passado pelo BCE até exigências excessivas de austeridade e perdas bancárias que agora ameaçam a Grécia com uma bancarrota caótica.
Mario Monti, o primeiro-ministro italiano nomeado pela Alemanha, foi explícito, ao advertir que a Alemanha iria sofrer uma "forte reação negativa", se persistisse na oposição a medidas para aliviar a pressão financeira sobre os outros membros do euro, como seja à emissão de obrigações com garantias conjuntas. Enquanto isso, muitos dos principais economistas do país, ex-banqueiros do banco central e grandes empresários começam a escrever artigos em que defendem a saída do euro, baseados em que as políticas da Alemanha são incompatíveis com as de outros membros.
Federação ou desintegração
O terrível reconhecimento de que a carta fora do baralho na Zona Euro é a Alemanha torna mais fácil entender as desconcertantes voltas e reviravoltas da crise da moeda europeia e como pode acabar. Como os eurocéticos têm argumentado desde o início dos anos 1990, existem, em última análise, apenas dois resultados possíveis para o projeto da moeda única. Ou o euro se desintegra ou a Zona Euro se transforma numa federação fiscal de grande escala e cria uma união política. Esta dicotomia é hoje amplamente reconhecida. A questão está em saber o que se entende exatamente por uma "federação fiscal". É aqui que chegamos à raiz da culpa da Alemanha na crise atual.
Para o euro sobreviver, terão de ser satisfeitas três condições necessárias. A primeira, aquela em que a Alemanha insiste, é a imposição de disciplina orçamental, que só pode ser executada por controlo centralizado da UE sobre as políticas fiscais e de gastos dos governos nacionais.
A segunda é um elevado grau de responsabilização coletiva europeia pelas dívidas nacionais dos governos e por garantias bancárias. Este apoio mútuo é o reverso do federalismo fiscal, como Monti deixou bem claro; mas é um entrave que os alemães têm recusado sistematicamente nem que seja debater.
A terceira condição é o apoio do BCE à federação fiscal, comparável ao apoio monetário aos mercados de dívida pública pelos bancos centrais nos EUA, Reino Unido, Japão, Suíça e todas as outras economias avançadas. É por causa deste apoio do banco central aos seus mercados de títulos de dívida governamental que EUA, Reino Unido e Japão conseguem financiar défices muito maiores do que a França ou a Itália, sem qualquer preocupação séria sobre abaixamentos dos níveis de crédito.
Austeridade a mais, intervenção a menos
O problema fundamental na Zona Euro é que a Alemanha se concentra inteiramente na primeira. Força os outros governos a adotar metas de austeridade cada vez mais draconianas e irrealistas, recusando-se sequer a discutir procedimentos de garantias coletivas de dívida e a intervenção do banco central. Por causa da intransigência alemã sobre estas duas questões, o novo tratado do euro a que supostamente se chegou no mês passado é como um banco de três pernas apoiado só numa delas.
Quer isto dizer que o euro se vai garantidamente desintegrar? Não necessariamente, por duas razões opostas. A possibilidade otimista é que o inútil "pacote fiscal" do mês passado fosse apenas uma tática de diversão, enquanto Angela Merkel preparava a opinião pública e os políticos alemães para os compromissos que se avizinham, com garantias conjuntas de dívida e empenho do BCE numa flexibilização quantitativa de estilo anglo-saxão.
A alternativa pessimista é que a Alemanha esteja genuinamente determinada a impedir a flexibilização fiscal e monetária necessária para o euro ter uma hipótese de sobrevivência. Se for esse o caso, então os restantes membros do euro vão, em breve, enfrentar uma escolha histórica. Abandonar o euro? Expulsar a Alemanha ou pedir-lhe simplesmente para sair? Ou, mais provavelmente, fazer acordos entre si para uma estratégia monetária e fiscal que provoque a saída da Alemanha?
França, Itália, Espanha e os seus parceiros da Zona Euro têm meios para salvar o euro e, de caminho, poderem escapar à hegemonia económica alemã. A única questão está em saber se têm a autoconfiança e entendimento económico necessários para se unir contra a Alemanha.
Em todo o caso, em breve os dirigentes da Europa vão ter de parar de atribuir a crise do euro à economia mundial, aos bancos ou à prodigalidade de governos anteriores. Como escreveu Shakespeare: "A culpa, caro Brutus, não está nas nossas estrelas / Mas em nós mesmos, que aceitamos ser subordinados."
Os Mr. Scrooge continuam vivos e bem vivos!
ResponderEliminarQuem sabe se as casas de compra de ouro não serão alemãs?
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