No rescaldo da descida de nível coletiva de 9 países da zona euro, incluindo a França, tornou-se claro que a política da UE de fundos de resgate conjugados com austeridade económica está esgotada. Chegou a hora de Angela Merkel e os seus parceiros encontrarem uma saída credível, escreve Wolfgang Munchau.
Por um lado, a notícia de sexta-feira não foi exatamente uma surpresa. A descida de notação da França era um choque anunciado. Tal como aconteceu com o falhanço das negociações entre os investidores privados e o Governo grego sobre uma participação voluntária na redução da dívida. Uma proposta inicial que era realista foi rejeitada. Não nos devemos fingir surpreendidos.
E estes dois acontecimentos são importantes porque nos mostram o mecanismo que está por trás do desenrolar dos acontecimentos deste ano. A zona euro caiu numa espiral de desclassificações, quebra de produção económica, aumento da dívida e mais desclassificações. A recessão está no início. A Grécia está agora incapaz de cumprir a maior parte dos seus compromissos e pode ter de deixar a zona euro. Quando isso acontecer, as atenções vão voltar-se imediatamente para Portugal e vai começar o próximo ciclo de desclassificações.
O insuficiente fundo de resgate da Europa, o Fundo Europeu de Estabilidade Financeira, também agora está a enfrentar uma desvalorização porque a sua avaliação está intimamente ligada à dos seus países-membros. A forma como o FEEF foi arquitetado significa que a sua capacidade de empréstimo está agora reduzida. Apesar da descida de nível de notação da França não ter sido uma surpresa, os Estados-membros da zona euro não têm um plano B para esta situação, apenas alguns cenários de emergência para a remediarem. Podem decidir manter ao mesmo tempo o FEEF e o seu sucessor permanente. Podem decidir atribuir imediatamente a este novo organismo todo o seu capital. Mas, num ano mau como este, tal decisão vai criar buracos nos orçamentos nacionais.
Vingança da UE contra as agências de notação
Aos descer a notação da França e da Áustria mas não da Alemanha nem da Holanda, a Standard & Poor’s também conseguiu moldar as expectativas geoeconómicas de um falhanço eminente. Uma desclassificação de todos os membros com triplo A teria sido politicamente mais fácil de enfrentar. A Alemanha é, agora, o único grande país a manter o triplo A. Esta decisão faz com que seja ainda mais difícil a Alemanha aceitar a ideia das euro obrigações. A diferença de notações entre a França e a Alemanha tornarão a relação ainda mais desequilibrada.
A reação instintiva imediata às notícias de sexta-feira lembra-nos, também, que a crise e a sua resolução têm lugar em universos paralelos. O comentário de Angela Merkel de que a UE deve agora concluir rapidamente o tratado económico é um exemplo típico desse desligamento. Aconteça o que acontecer, a disciplina económica é sempre a sua resposta. A resposta à crise foi incapaz de reconhecer o importante papel do setor privado nos desequilíbrios internos da zona euro. A conclusão do tratado económico, que é agora a prioridade das prioridades da política da UE, é, no melhor dos casos, uma distração irrelevante. Muito provavelmente, aumentará a tendência para os ciclos de austeridade do género que vimos na Grécia. Também é de esperar que a UE administre uma boa dose de vingança contra as agências de notação. Justificada ou não, também isto é uma distração.
Escrevi, recentemente, que a cimeira de dezembro era a última possibilidade de recomeço completo do sistema. Nessa altura, podia imaginar-se um bom compromisso que combinasse um orçamento conjunto para a zona euro, euro obrigações, uma política destinada a corrigir os desequilíbrios dentro da zona euro e, nesse contexto, duras restrições nos orçamentos nacionais. Angela Merkel e os seus acólitos em Berlim e Bruxelas celebraram as conclusões da cimeira de 8 e 9 de dezembro como uma vitória porque não incluía nenhuma das decisões expostas acima, exceto a componente de equilíbrio orçamental.
Falta de ajustamento macroeconómico
Agora que conseguiu tudo o que queria, o sistema continua por resolver. A cada volta da espiral aumentam os custos políticos e financeiros de uma resolução eficaz. Ultrapassámos o limite até ao qual os eleitores e os seus representantes estão disposto a pagar os sempre crescentes custos de reparação do sistema. Na passada semana, dois importantes deputados da CDU, o partido no poder, a quem sempre considerei como vozes moderadas, defenderam que a saída da Grécia da zona euro não seria um grande problema. As expectativas mudam rapidamente bem como a aceitação de um fim violento.
E não, as enormes injeções de liquidez do Banco Central Europeu também não vão resolver o problema. Não quero subestimar a importância de tal decisão. O BCE evitou uma crise de crédito e merece consideração por isso. O regresso de grande quantidade de dinheiro a longo prazo pode ter até algum impacto na disposição dos bancos para participarem nos leilões de dívida pública dos governos. Se tivermos sorte pode conduzir-nos a um intenso período de compra e venda de dívida na primavera. Mas uma chuva de liquidez não consegue resolver o problema subjacente de falta de ajustamento macroeconómico.
Nem mesmo as reformas económicas, apesar de necessárias por outras razões, conseguem resolver este problema. Esta é outra das ilusões europeias. Chegámos a um ponto em que uma resolução eficaz da crise exigiria uma forte autoridade económica central, com o poder de cobrar impostos e alocar receitas em toda a zona euro. Mas não é isso que vai acontecer, claro.
Esta é a principal implicação das descidas de notação da semana passada. Estamos para além do ponto onde uma solução técnica funcionaria. As ferramentas estão esgotadas.
CONTRAPONTO
Intrusão antidemocrática
Perante a queda geral, "tão exagerada como contraditória", da notação de 9 países da zona euro pela S&P, o Süddeutsche Zeitung mostra-se bastante indignado: "Monopólio lança pedras à política de governos democraticamente eleitos", lamenta o diário de Munique, que apela à responsabilização destes “autoproclamados examinadores”. Para o jornal:
A agência lança uma mensagem que ninguém encomendou num momento adequado, duas semanas antes da próxima cimeira da UE: ‘Façam o que vos mandamos. Não têm escolha.’ A agência não hesita em nivelar países do clube do euro com países em vias de desenvolvimento. Quem empresta dinheiro à Itália e à Espanha corre o mesmo risco que correria se mandasse dinheiro para a Índia, para a Colômbia ou para as Bahamas. É um absurdo e é ridículo. […] Mas há ainda o perigo de a Standard & Poor’s […] tentar intervir diretamente na política europeia. Esta não é a função de uma agência de notação. Os norte-americanos fazem cada vez mais pressão para que os europeus do Velho Continente adotem os princípios anglo-saxões na sua política económica e financeira. Ou seja, imprimir moeda, quando é necessário, para salvar os bancos e enveredar por programas de recuperação. Quem não fizer isso, apanha uma nota negativa.
O Cartoon está magnífico.
ResponderEliminarO cartoon plagia os soldados americanos urinando sobre os mortos afegãos... mórbido, mas com ligação.
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