(per)Seguidores

quinta-feira, 19 de setembro de 2013

Uma narrativa pessoal, longe de ser um ensaio…

O historiador britânico, Antony Beevor, em entrevista ao i, diz acreditar que os alemães não querem liderar politicamente a União Europeia, ao contrário da França.
Luís Rosa e Pedro Rainho
Visitou Portugal pela primeira vez na semana passada para participar no encontro anual da Fundação Manuel dos Santos, dedicado à relação de Portugal com a Europa no presente e no futuro. Desiludido por Lisboa não ser uma "bicycle city", culpa das 7 colinas e não só, Antony Beevor ficou ainda espantado na sua primeira visita a Portugal com o número de pessoas receosas de uma tentação hegemónica da Alemanha sobre o resto da Europa. O historiador britânico, profundo conhecedor da história alemã do séc. XX, acredita que os alemães não querem liderar politicamente a Europa, estando mesmo bastante relutantes em controlar economicamente os restantes países europeus. Beevor alerta que a Europa pode entrar em declínio económico se não revir as suas políticas ambientais, que impedem a descida do preço da energia e, consequentemente, o crescimento industrial.
A crise da dívida soberana colocou em confronto 2 Europas: a Europa do Norte e a do Sul. A primeira, com a Alemanha, Holanda e os países nórdicos a liderar, diz que a segunda andou a esbanjar o dinheiro dos seus contribuintes e que não pode continuar a ter défices consecutivos. A segunda diz que necessita de investir para combater as desigualdades económicas e sociais que a separaram do norte da Europa. Este clima significa que o projecto europeu, que tem a solidariedade como principal sustentáculo, morreu?
Há um paradoxo terrível. A União Europeia, que foi desenhada para, através da unificação, prevenir o conflito e reduzir o nacionalismo, está neste momento a provocar esse mesmo nacionalismo. Porque o sistema do euro foi um enorme desastre. Nunca foi pensado, foi um projecto político, em vez de um projecto económico, uma ideia para acelerar a unificação sem ter em consideração os perigos envolvidos.
A que perigos se refere?
Se uma parte da Europa tem uma produtividade 20% inferior à zona a norte, surgirá, inevitavelmente, um desequilíbrio económico. Se olharmos para os países recentes - a Bélgica, de 1830, a Itália, de 1860 -, não encontra esse sentido de solidariedade entre o norte e o sul, ou entre a Flandres e a Valónia. Como Estados-nações, não têm o sentido de solidariedade inter-regional que encontra em países muito mais antigos. Em Inglaterra houve sempre a ideia de que Londres e o sudeste teriam de subsidiar o norte. A atitude, agora, é, naturalmente, a de se questionar porque haverão de continuar a financiar a Escócia se eles querem a independência.
Em Espanha, por exemplo, uma parte do país também rejeita ter de continuar a financiar outra parte.
Com a Catalunha é diferente. A região convenceu-se de que é o protagonista do crescimento financeiro quando, na verdade, é a região de Madrid que gera mais riqueza. A região ainda acredita que ocupa uma posição de destaque.
Falávamos do projecto europeu.
A teoria da União Europeia foi a de que só a unificação preveniria uma nova guerra na Europa. Mas isso é um disparate. A verdadeira questão é a da democracia. As democracias não se digladiam. É uma questão de governação. A União Europeia provocou aqueles mesmos nacionalismos que tinha esperança de que desaparecessem.
Resultado da crise?
Ainda antes da crise, nas eleições francesas, Le Pen venceu os socialistas, atirando-os para 3.º lugar. O governo de Sarkozy simplesmente não percebeu o que se tinha passado. Viviam num mundo absolutamente falsificado. As pessoas não perceberam que muitos dos que votaram em Le Pen nem sequer gostavam de Le Pen. Votaram em protesto contra as elites políticas em Paris e em Bruxelas, porque sentiam que elas estavam a perder o controlo sobre a situação. Isto antecede a crise económica causada pelo euro. O verdadeiro perigo não é o de uma guerra entre Estados. É ridículo dizer que essa foi, alguma vez, uma preocupação a ter em conta. A verdadeira preocupação deverá ser a da frustração e da agitação social.
Nos países do sul?
Estou convencido de que começará em Paris. No passado, os protestos em Paris levaram sempre a que o governo recuasse e entregasse o dinheiro, fosse pelo que fosse. Mas os governos não poderão ceder, no futuro. Simplesmente porque não haverá dinheiro, porque será controlado a um nível muito mais central e isto não vai alterar-se com as eleições gerais na Alemanha. Há, na verdade, uma ideia muito forte na Alemanha, entre os contribuintes, de que não vão querer pagar os problemas da Europa do Sul. A ideia fantástica de que teríamos uma noção de solidariedade entre todos os países europeus foi uma ilusão desde o início.
Outro facto interessante desta crise foi a confirmação de que quem manda é a Alemanha.
Está, de facto, no comando. A Alemanha não quer estar politicamente nessa posição. Os franceses sempre estiveram convencidos de que poderiam controlar a União Europeia, enquanto os alemães financiavam esse projecto. A burocracia europeia foi instituída pelos gens technocrates [os tecnocratas] de Vichy. Esta é uma questão que as pessoas tendem a desprezar e é uma das razões para que haja um sentimento negativo em relação à democracia. Esse é o grande problema, porque, na verdade, o elemento-chave é a democracia. Sem uma democracia efectiva, as pessoas vão perder toda a crença no processo de decisão, quer estejam na capital, quer - mais ainda - estejam distantes de Bruxelas.
No sul, a forma como Angela Merkel e as instituições alemãs têm conduzido a agenda europeia tem reavivado a ideia da Alemanha imperial. Esta é uma percepção justa?

Fico espantado com o facto de que uma quantidade considerável de pessoas em Portugal tenha vindo a expressar esse medo. Não vejo a Alemanha ter essa posição. Se a Alemanha ganhar controlo sobre alguma área, será muito mais sobre a Europa central, e em termos económicos. Agora, a Alemanha está a ser forçada a exercer um controlo económico, que será uma forma de controlo político sobre outros países caso eles entrem em bancarrota ou se aproximem dessa situação e precisem de um resgate financeiro. Jean Claude Trichet, ex-presidente do Banco Central Europeu, dizia no ano passado que os países deveriam ter o direito de controlar o rumo da economia de outros países. Essa é uma ideia aterradora, porque o único país capaz de fazê-lo é a Alemanha. E já temos anedotas suficientemente más acerca do IV Reich. Essa ideia não faz parte dos planos alemães, e quem quer que pense isso está completamente equivocado. Os alemães estão, sim, bastante relutantes. E o que acho surpreendente foi o tempo que levou a que os alemães acordassem para a forma como a sua economia está a ser feita refém pelo sul.
Mas não se terá a Alemanha esquecido da solidariedade europeia que, com o fim da II Grande Guerra, lhe permitiu recompor-se enquanto nação? Essa posição não está a impedir que outros países europeus percorram o mesmo caminho que a Alemanha percorreu?
Os alemães deram o seu contributo com o Plano Marshall, depois da guerra. O ponto de vista da Alemanha, penso eu, é o de que os problemas da Grécia advieram de um gasto exorbitante. Não é que tivessem investido esse dinheiro em infra-estruturas industriais ou algo do género. Investiram-no em projectos de prestígio, de que podemos traçar uma lista de projectos "elefante branco" desnecessários. E a Alemanha sente muito pouca simpatia por isso. Sente ainda menos simpatia quando começa a ver imagens de Angela Merkel com o bigode de Hitler. O outro ponto de vista é que esta é uma forma de compensação pela ocupação da Grécia pela Alemanha. Isso deveria ter ficado resolvido há muitos anos, mas começar a invocar essa questão subitamente já é demasiado tarde.
É o medo do tal imperialismo a regressar.
Isso seria verdade se a Alemanha tivesse ambições imperialistas. Tem certamente ambições económicas, não há quaisquer dúvidas sobre isso. Mas também a China tem, tal como qualquer economia com um nível de competitividade em ascensão. Todos os países devem ter esse tipo de ambição porque, caso contrário, serão destruídos. Este é um aspecto terrível, mas a crise na Europa tornou-a introspectiva. Estamos a olhar para dentro, durante todo este período de crise, e não estamos a ver os perigos que chegam de fora.
Perigos económicos?
Os perigos económicos que advêm da total falta de competitividade. No último fim-de-semana houve uma conferência em Itália, e está-se a despertar para o facto de que o custo de energia na Europa é o dobro e o do gás é 4 vezes mais alto que noutros pontos, e isto significa que a produção na Europa deverá decair 1/3, enquanto na América, onde esses custos são muito mais baratos, ele vai duplicar nos próximos anos. A obsessão com a União Europeia e com a zona euro levou a Europa a olhar para dentro, em vez de ver como o resto do mundo está a funcionar. Neste momento há uma espécie de batalha entre o departamento da indústria e o departamento ambiental em Bruxelas. Não podemos de forma alguma concordar com isto, porque os projectos de energia renovável e os objectivos que foram traçados em qualquer um dos países retiraram a competitividade económica à Europa. Tem de haver um debate rigoroso sobre se queremos ser ecologistas ou sobreviver economicamente. A Europa não pode dar-se a esse luxo.
É a economia a tomar controlo sobre o centro de decisão política?
A economia vai tomar controlo sobre o lado político e sobre qualquer aspecto. Porque, de outra forma, será uma forma de destruição dos standards de vida. Foi interessante, durante esta crise na Grécia, creio que no ano passado, que Christine Lagarde [presidente do Fundo Monetário Internacional] tenha vindo dizer que sentia mais simpatia pela África subsariana do que pela Grécia.
Como interpretou essa declaração?
Creio que ela estava a assinalar que, em muitas áreas europeias, será como regressar a um estado de países em vias de desenvolvimento do mundo emergente. Este é o terror na Grécia, o de serem efectivamente expulsos do euro e subitamente rejeitados pela Europa como a vêem. Não há forma de a Europa se habituar a esta ideia de que não é quase um direito humano ter um determinado nível de vida. Isso não pode existir.
Significa que serão os países europeus a ir ao encontro das condições de vida na China e não a Europa a obrigar a China a fazer subir a fasquia das condições para os seus trabalhadores?
Um das tensões internacionais - e é por isto que as pessoas têm vindo a fazer paralelos entre 1913 e 2013, o que me parece perigoso e ridículo - tem que ver com o facto de, na I Grande Guerra, haver países em crescimento e países em declínio. Estamos a ver áreas em declínio, em contraste com outras áreas que estão a crescer, e isso, naturalmente, cria tensões à escala mundial. Mas o problema é que, a não ser que haja um certo nível de competitividade na Europa, ela não vai conseguir enfrentar os desafios que surgem da China.
Temos vindo a constatar, há já largos meses, que as taxas de desemprego estão a níveis muito elevados. E, se nos focarmos apenas no desemprego jovem, esses valores disparam. Ao mesmo tempo, o apoio social que servia de rede de amparo está a ser encolhido.
Certamente. E vai ficar pior.
Não estão a criar-se as condições para uma espécie de levantamento generalizado da população?
Sim e não. Mas o problema é que será um período de frustração. Estamos a viver num vácuo ideológico. Este é um dos aspectos-chave.
Uma falta de visão alternativa?
Sim, porque a esquerda não surgiu com quaisquer soluções ou contrapropostas sobre como reorganizar a sociedade ou a economia. Em Paris, surgem com ideias como se pudessem reinventar o mundo. O ministro da Indústria fala de recuar na globalização, como se, de alguma forma, se pudesse regressar a um mundo pré-globalizado. O génio não pode voltar à garrafa, temo bem.
David Cameron, o primeiro-ministro britânico, já disse que queria realizar um referendo para perceber, junto dos cidadãos, se eles querem ou não permanecer na União Europeia.
Ele não queria fazê-lo. Teve de prometer esse referendo, não tinha outra opção.
Por pressão externa?
Por pressão política, em parte de dentro do seu partido, em parte da direita no Reino Unido. Foi uma medida de sobrevivência política.
Essa pressão política tem correspondência com a vontade popular, isto é, poderão os britânicos dizer "queremos abandonar o barco"?
Cameron foi encorajado pelos sinais que vimos recentemente por parte da Holanda, onde foi dito que nunca se quis, como agora, uma maior aproximação no seio da União. Mesmo Angela Merkel dá sinais de desejar uma repatriação do caminho, regressando aos governos nacionais.
Posições no sentido de se descentralizar o poder na UE?
Sim, no sentido da descentralização. Isto é bastante importante e é o que Cameron quer. Cameron não quer sair da UE, quer continuar, mas quer uma União Europeia reformada, que não continue a aumentar os seus orçamentos, como fez no passado, e que não continue a impor mais e mais regulação. Este é o perigo do euro, que se tenha cada vez mais controlo social, económico e político e que, como resultado disso, se esteja a tornar as empresas cada vez menos competitivas. O custo de implementar as regulações que chegam de Bruxelas estava a tornar-se proibitivo e essa é outra das razões para que se estivesse a gerar um certo sentimento anti-europeu. Mas também se levantava a questão: quereremos fazer parte de um sistema que se fecha a si mesmo num projecto de unificação como o euro, que é, na verdade, desastroso?
Qual seria a sua resposta ao referendo?
Espero que nos mantenhamos na UE, mas que Bruxelas se reforme a si mesma depois de constatar o cenário desastroso para o qual se dirige.

4 comentários:

  1. há muito espelho a ser mirado para se ver a figura triste que se vê. Ainda tenho presente as posições publicas de figuroes e partidos a clamarem contra a perca de indpendencia nacional ao entrar na UE. E tinham razão pois agora clamam com toda a razão pelo desclabro das contas publicas que a merkl/troika têm toda a culpa e que nos forçou a pedir ajuda pelo SoTROCAS! e para honrar a independencia nacional a merkl devia não cobrar juros? será que não há espelhos por esses locais frequentados por esses "democratas"

    ResponderEliminar
    Respostas
    1. António Cristóvão
      Em política não há inocentes e nas finanças não há gente séria...

      Eliminar
  2. Passei em breves leituras, sempre intenso por aqui. :-)
    bom fim-de-semana, Miguel!

    ResponderEliminar
    Respostas
    1. Andy, bem-vinda!
      E escolheste logo o texto mais comprido...
      Bom fim de semana e aparece (se não tens fobia do futuro)...
      E produz!

      Eliminar