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quarta-feira, 3 de abril de 2013

Revisitando a “revisão constitucional” ad hoc…

Em maio, a reforma do Estado terá de estar pronta para ser vertida no documento de Estratégia Orçamental. Até aqui, pouco se sabe do que o Governo quer ou vai fazer, mas os antigos ministros têm deixado as suas contribuições para o tema. Na área da Saúde, o maior medo é que o sector perca qualidade e que os profissionais se sintam cada vez menos motivados para o trabalho. 
"Uma coisa é refundar o Estado outra coisa é reformar. Sou a favor de uma reforma do Estado mas não de uma refundação do Estado", afirmou Maria de Belém Roseira, ministra da Saúde de António Guterres entre 1995 e 1999.
Saúde
Constantino Sakellarides, Escola Nacional de Saúde Pública: "Esta refundação não é mais do que austeridade. É preciso reconhecer qual o impacto da crise/austeridade no SNS - e isto deveria ter sido feito há 2 anos -, se não conseguirmos explicitar o impacto, não poderemos negociar nada".
Luís Filipe Pereira, Ministro da Saúde 2002-2005: "Podemos ter um sistema em que o Estado, a iniciativa privada  e a iniciativa social coexistem. Agora, o Estado é dono de todos os equipamentos e emprega todas as pessoas, mas tenho defendido que temos de aproveitar as misericórdias e as iniciativas sociais e não olhar tanto para a pertença dos serviços".
Correia de Campos, ministro da Saúde de António Guterres (1999-2002) e José Sócrates (2005-2009): "O sector privado desconfia, tem a ideia de que no sector público se trabalha pouco. O sector público desconfia do privado porque acha que este está sempre a tentar aproveitar-se, através de abuso ou corrupção", lembrando que "estamos a desmotivar toda a gente por causa da forma como até aqui se tem conduzido as reformas". E lembra que a grande questão é: "Como é que se pode melhorar a liderança quando se decapitam essas mesmas lideranças?”
Ana Jorge, que liderou a pasta da Saúde no último governo de José Sócrates (2009-2011): "Penso que poderá estar em risco a saúde de qualidade para todos os portugueses, penso que mais cortes, mais redução para a Saúde pode ser muito perigoso nesse sentido. Penso que há uma ou outra situação que é complexa, há uma grande desmotivação por parte dos profissionais", afirmou em outubro.
Educação
Roberto Carneiro, Ministro da Educação 1987-1991: "O Estado engorda, engorda, engorda e gere cada vez pior o seu dinheiro. O Estado é um mau gestor e todos sabemos disso. É necessário alterar esta fórmula". "O Estado não pode ser o gestor de tudo"
Isabel Alçada, Ministra da Educação 2009-2011: "A Educação é um sector que não permite grandes alterações, a ação educativa dos professores tem sido fruto de um desenvolvimento continuado, realizado com congruência e consistência - têm sido feitos ajustes mas nunca mudanças profundas - uma mudança radical de rumo é um erro".
Defesa
António Figueiredo Lopes, Ministro da Defesa 1995-1995: "Temos de definir quais são os grandes objetivos para a Defesa nacional, qual o nível de intervenção e capacitação das Forças Armadas quer no quadro nacional quer no contexto das alianças internacionais que temos estabelecido. Há um grande esforço de adequação de recursos mas falta um enquadramento de ação estratégico que nos leve a olhar para as Forças Armadas como um esforço combinado do país".
Rui Pena, Ministro da Defesa 1999-2002: "É sempre possível fazer cortes mas é preciso fazê-los com jeito. Não podemos fazer uma refundação do país e acabar com as Forças Armadas".
Segurança Social
José Vieira da Silva, Ministro da Solidariedade social, 2005-2009: "O governo fala da necessidade de reduzir a despesa mas já foi tudo feito. O sistema de segurança social é de redistribuição de rendimentos, não estamos a falar de uma seguradora".
Fernando Negrão, Ministro da Solidariedade Social, 2004-2005: "O problema [na segurança social] é estrutural, tem que ver com políticas de incentivo à natalidade. E enquanto estas políticas não têm frutos, tem de haver mudanças a curto prazo".
Bagão Félix, Ministro da Solidariedade Social, 2002-2004: "Hoje há menos alunos do que em 1995 e gasta-se muito mais. Justifica-se?"
Silva Peneda, Ministro da Solidariedade Social, 1987-1995 (e atual presidente do CES – Conselho Económico e Social): "Sem crescimento económico não há saída. Sem crescimento económico acaba o Estado social. O problema está no crescimento". "Para mim refundar passa pelo crescimento económico".
Nem vem a propósito falar sobre a “revisão constitucional” ad hoc, intentada por Gaspar e secundada pelo PM, mas como o artigo surgiu, por que não refletirmos?
Penso que nas circunstâncias que vivemos, haverá lugar a algumas dúvidas sobre a possibilidade de a “refundação” ou a “reforma” do Estado se venha a concretizar, no que quantitativamente diz respeito, não só pela periclitante legitimidade do governo que nos “levou na cantiga”, mas também pela injustificável filosofia que a sustenta, para além da inconstitucionalidade desta Revisão Constitucional, de facto, ou por meio do facto consumado…
Mesmo tendo em conta que as análises e declarações são de ex-ministros de vários setores onde se quer, simplesmente, cortar, e que por serem “ex” quer dizer que já foram avaliados eleitoralmente como “inadequados para a função”, constata-se que quase nenhum justifica alterações por razões quantitativas, antes se baseiam em eficácia de gestão e em doutrinas político-ideológicas, no que não são secundados por nenhum ministro em exercício.
De todas as declarações, sublinho a de Silva Peneda, que vem mostrando uma maturidade política e uma coerência doutrinária com a social-democracia, que demonstra que gente de tal estirpe está mesmo em extinção…
Entretanto, também Teodora Cardoso, presidente do Conselho de Finanças Públicas, que tem mostrado igual coerência, mas puramente técnica, diz que as propostas do FMI para cortar despesa, os tais 4.000 milhões de euros, são superficiais.
E se recuperarmos as declarações dos peritos internacionais sobre o assunto, podemos constatar que Teodora Cardoso e outros tem razão e só podemos estar de acordo com os parâmetros que são contemplados na análise para chegarem às conclusões, se adotarmos um método avaliativo “científico”, que sustentam.
Peguemos em três:
1. “É errado reduzir o debate sobre a reforma do Estado em Portugal a estereótipos como grande é mau, pequeno é bom. O debate não pode ser feito desta forma”, Geert Bouckaert;

2. “Há erros mais comuns quando se lançam reformas e que depois as colocam em risco mais tarde:
a) Prescrição da solução antes de fazer o diagnóstico;
b) Falhar na construção de coesão suficiente para fazer a reforma;
c) Capacidade de implementação insuficiente;
d) Falta de aplicação sustentada ao longo do tempo e
e) Ignorar fatores locais”, Christopher Pollitt.
 3. “Há 5 pilares em que deve assentar uma reforma:
a) Medição do desempenho;
b) Aumento da transparência;
c) Aumento da motivação dos funcionários;
d) Aumento da confiança no Governo e
e) Melhoria da liderança”, Giovanni Valotti.
E por não se ter começado por aqui é que o debate sobre a “refundação/reforma” do Estado nasceu manca ou para aí caminha, mesmo sabendo-se que “apanha-se mais depressa um mentiroso do que um coxo”
Peritos internacionais em administração pública e vários portugueses especializados na área indicaram que o debate sobre a  reforma do Estado em Portugal começou mal ou, pelo menos, de forma bastante enviesada.
Em novembro, o Governo lançou a discussão apontando para metas quantitativas para cortar na despesa e já disse que “o Estado possível” terá de ser mais pequeno. O FMI já lançou um estudo recheado de metas (para o número de empregados inclusive) para reduzir pelo menos 4.000 milhões de euros em 2 anos.
No entanto, não se refletiu sobre que tipo de Estado se quer em Portugal, independentemente da dimensão; não se sistematizaram “os erros mais comuns” cometidos noutros países, lamentaram vários especialistas na conferência que decorreu em Lisboa, organizada por Banco de Portugal, Conselho de Finanças Públicas (CFP) e Fundação Gulbenkian.
É errado reduzir o debate sobre a reforma do Estado em Portugal a “estereótipos como grande é mau, pequeno é bom”. “O debate não pode ser feito desta forma”, pediu Geert Bouckaert, da Universidade de Lovaina, um dos maiores especialistas europeus em administração pública. “Querem um Estado como? Centralizado ou descentralizado, regulatório ou participativo?”. “É isto que está na ordem do dia”, insistiu.
A posição de Bouckaert colide, por exemplo, com a do FMI e do ministro das Finanças, que nos seus contributos recentes defenderam que o único Estado possível de pagar em Portugal é um mais reduzido. “Portugal tem um Estado centralizado. Provavelmente, precisam de descentralizar mais. Estas tendências estão em debate até nos estados escandinavos”.
O inglês Christopher Pollitt, também da Universidade de Lovaina, elencou os erros mais comuns quando se lançam reformas e que depois as colocam em risco mais tarde: “prescrição da solução antes de fazer o diagnóstico”, “falhar na construção de coesão suficiente para fazer a reforma”, “capacidade de implementação insuficiente”, “falta de aplicação sustentada ao longo do tempo”, “ignorar factores locais”, disse o professor.
“Estamos objetivamente a desmotivar toda a gente”, disse António Correia de Campos, ex-ministro do Governo PS. Num comentário à intervenção de Giovanni Valotti, da Universidade de Bocconi, o eurodeputado lembrou os cinco pilares em que deve assentar uma reforma apontados pelo italiano: “medição do desempenho, aumento da transparência, aumento da motivação dos funcionários, aumento da confiança no Governo e melhoria da liderança”, concedendo que houve melhorias ao nível da transparência. No resto, nem por isso.
Na abertura, Carlos Costa, governador do Banco de Portugal, falou da necessidade de um novo contrato social.
Teodora Cardoso, presidente do CFP, disse que as propostas do FMI para cortar despesa “são superficiais”.

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