1. A Europa não interessa à província
Eu sei que José Sócrates foi, por cá, o tema da semana: é um erro desvalorizar o que ele disse como seria errado sobrevalorizar o seu regresso. Tenho pena de que na entrevista não se tenha falado um pouco da Europa e da moeda única. Gostaria de saber o que pensa o antigo primeiro-ministro sobre o que está a acontecer no Chipre e como isso nos afeta. Nos últimos dias, tenho ouvido muita gente refletida falar sobre o Chipre. Há quem ache tudo uma calamidade e compare Merkel a Hitler – até os mais informados estão a perder a cabeça. Outros acham que está tudo bem e dizem que o Chipre não só merece o que está a acontecer (era uma lavandaria de rublos!) como a solução adotada pelo Eurogrupo – a penalização dos acionistas, obrigacionistas e depositantes – é bem melhor do que o castigo dos contribuintes. Não foi o facto de a conta ser apresentada só aos contribuintes que levou a Irlanda ao tapete e agora ameaça o Estado social? Não chegou o momento de acabar com a privatização dos lucros (ganham os acionistas) e a socialização dos prejuízos (pagamos nós) quando eles chegam, como agora?
Ponto final: Foi pena a entrevista a Sócrates ter ignorado a Europa.
2. A boa decisão económica...
Do ponto de vista teórico, não tenho dúvida alguma de que a penalização dos depositantes que tinham dinheiro nos 2 bancos cipriotas em causa (acima dos 100.000 euros) é adequada. Por um lado, antes de eles serem atingidos, os primeiros a perder foram os donos dos bancos – os acionistas; depois perderam os obrigacionistas – quem emprestou dinheiro aos mesmos bancos; só depois pagaram os depositantes. É justo que assim seja. Por um lado, além de a ordem ter sido respeitada, nenhuma instituição financeira pode garantir os depósitos a 100%, seria impossível fazê-lo – como concederiam crédito, com que liquidez? Por outro lado, os depósitos também são investimento, especialmente quando feitos em bancos que oferecem juros líquidos de 4,5% ao ano ou mais – há fundos de investimento em ações que nem isso garantem. Portanto, se respeitada a fronteira dos 100.000 euros, a verdade é que ninguém se pode queixar: não é legítimo pedir aos contribuintes que deem o corpo às perdas dos depositantes, sofrendo aumentos de impostos, corte de salários e desemprego para lhes salvar as poupanças.
Ponto final: Do ponto de vista teórico faz sentido que os depositantes possam perder parte das poupanças.
3. …pode ser má decisão política...
Mas então onde está o problema, se o Eurogrupo decidiu aparentemente bem? Vejamos: quando os bancos irlandeses foram ao tapete, o governo irlandês garantiu não só todos os depósitos, mas também as dívidas dos bancos, ao contrário do que aconteceu no Chipre. A maior parte dessa dívida não estava nas mãos de irlandeses, estava nas carteiras de investidores ingleses, alemães, franceses, etc. Ao garantir isto, ao assegurar que todas as obrigações da banca irlandesa seriam pagas, a Alemanha respirou de alívio: não teria perdas nenhumas. Os únicos a pagar a conta foram, portanto, os irlandeses, que tiveram de pedir o empréstimo à troika com juros inicialmente demasiado altos. Dois pesos e duas medidas, não é? Uns totalmente protegidos, outros nada. Porquê a diferença de tratamento? Talvez porque, desde a crise irlandesa, os compradores de dívida se tenham posto a milhas do Chipre e da Grécia – desfizeram-se do que tinham – e tenham reduzido a exposição a Portugal, à Irlanda (estão a voltar agora, mas com mais garantias) a Espanha e a Itália. Ou seja, agora já podem aceitar que se aplique a melhor teoria económica: em caso de falência de um banco, pagam todos – dos acionistas aos obrigacionistas. Afinal, eles (os alemães) já não são nem uma coisa nem outra nesses países suspeitos. Um paranoico diria que chegou também o momento de reduzir o valor dos resgates, daí a decisão de fazer pagar os depositantes. Também neste caso já foi dado tempo para repatriar os depósitos ou desviá-los para bancos em países mais seguros, mais a norte...
Ponto final: Há um incentivo claro para desviar o dinheiro para a Alemanha, onde não há insegurança.
4. … que protege mais os alemães...
É verdade, os alemães e os franceses também perderam o dinheiro que tinham emprestado ao Estado grego. A certa altura, tiveram de aceitar o tal corte de cabelo quando se percebeu que a Grécia não seria capaz de pagar tanta dívida pública – dinheiro que serviu também para recapitalizar a banca grega. Ou seja, eu não estou a defender que as perdas estão todas localizadas a sul e na Irlanda. Nada disso, também há perdas a norte e podem surgir mais, basta que, por exemplo, Portugal tenha de reestruturar a sua dívida pública, embora os investidores privados sejam hoje em menor número, muitos deles sejam portugueses (são os nossos bancos que têm comprado fatias significativas da nossa dívida) e de quase metade da dívida estar nas mãos da troika, o que dissemina o impacto por vários países. Ou seja, embora o Estado alemão seja de longe o maior contribuinte para os fundos de resgate, os privados alemães estão menos expostos aos países em risco. Daí talvez (é uma especulação minha) esta vontade de testar estratégias mais radicais, apesar de isso dificultar mais a vida aos países em dificuldades: tira-lhes liquidez, pode aumentar os juros no sector privado, pode gerar uma fuga de capitais, para não falar das pessoas que podem decidir levantar o dinheiro que tinha a prazo. São “ses”, é verdade, mas não fantasias. As consequências vão ser medidas em breve, quando os bancos nacionais revelarem os fluxos de capitais na zona euro. Será que a Alemanha voltou a ganhar com isto? Será?
Ponto final: Os investidores privados alemães estão mais protegidos.
5. … e expõe os bancos do Sul
Pode ser apenas mais uma teoria da conspiração ou apenas o curso natural das coisas: é normal que os países se protejam. Aceito isso. Como aceito que os erros que Portugal cometeu (que Sócrates cometeu e Passos, embora em sinal inverso, está a agravar) impliquem parte desta Grande Recessão. Mas temos de nos inquietar com as declarações de Schäuble e do peão holandês, aquele rapaz que lidera o Eurogrupo – o tal sítio onde se juntam os ministros das Finanças do euro – e que aceitou violar a diretiva europeia que protege os depósitos abaixo de 100.000 euros. Depois dessa decisão – que acabou por ser corrigida – a ideia de penalizar os depositantes deixou o Eurogrupo sob suspeita. Será gato escondido com o rabo de fora? Esta semana, a Bolsa portuguesa teve a maior queda do ano e os bancos sofreram mais um abalo: BES –12%; BCP -10,38%, BPI -8,23%. Em Itália e em Espanha aconteceu o mesmo: o sector financeiro tremeu com o perigo de fuga de capitais. Não quer isto dizer alguma coisa? Talvez, embora os juros da dívida pública portuguesa não tenham quase mexido, o que é bom. Seja como for, o medo e a dúvida voltaram. O que me leva ao último ponto. Se a ideia era impor uma nova matriz para lidar com a falência de bancos, devia ter sido tudo feito com cuidado, sem avanços e recuos, sem ilegalidades e sem as declarações incendiárias de Merkel, Schäuble e Dijsselbloem, que, como sempre, confundiram economia com moralismo calvinista. Eu acho que é tudo mais simples, é nacionalismo económico – não é nacional-socialismo. Chamar Hitler para aqui é primário, grave e injusto.
Ponto final: Estão a Alemanha e o Norte da Europa a deixar cair o Sul?
André Macedo
Já disse que não costumo comentar opiniões, mas não há regra sem exceção, sobretudo quando a falácia nos pode manipular, mesmo respeitando quem as profere.
Esqueço a opinião sobre (a ressurreição de) Sócrates, por não lhe atribuir qualquer mais valia na solução do problema central...
“A boa decisão económica pode ser má decisão política, que protege mais os alemães e expõe os bancos do Sul” - André Macedo
Ponto final: Do ponto de vista teórico faz sentido que os depositantes possam perder parte das poupanças.
Ponto de interrogação: Do ponto de vista teórico, não faz sentido que os depositantes possam perder parte das poupanças:
Primeiro porque tal medida nunca foi aplicada, porque não há qualquer teoria económica (qual será?) que a pudesse racionalmente justificar;
Segundo porque qualquer teoria económica(-financeira) defende que sejam os capitalistas, que usufruem dos lucros, são apenas quem corre os riscos e, no caso, os riscos são dos acionistas e não dos clientes;
Terceiro porque a aplicar-se a teoria económica aos bancos (fruto de fraudes pessoais e sistémicas), teria que ser aplicada a todas as outras empresas (um banco é uma empresa, que vende dinheiro) onde se detetassem as mesmas causas…
A verdade mesmo, é que anda o Poder a privatizar os lucros (os acionistas ganham sempre) e a nacionalizar os prejuízos (pagamos todos nós)!
Ponto final: Há um incentivo claro para desviar o dinheiro para a Alemanha, onde não há insegurança.
Ponto de exclamação: Constata-se que o resultado de (mais) esta medida, é que grande parte do dinheiro dos depositantes (e especuladores) vá a caminho de bancos alemães (a juro de 0%), onde (para já) a insegurança é o isco, o que não deve constar de nenhuma teoria económica, mas de qualquer estratégia, que podemos encaixar numa das várias teorias da conspiração…
Ponto final: Os investidores privados alemães estão mais protegidos.
Ponto de exclamação: Se houvesse uma teoria económica (universal) os investidores privados alemães nunca estariam mais protegidos do que qualquer outro, de qualquer outro país.
Os alemães e o editorialista, agora, colocam no mesmo saco, acionistas, obrigacionistas e depositantes, como se juridicamente se pudesse confundir os deveres e os direitos de cada um dos “figurantes”…
Para levantar uma ponta da estratégia (e não da teoria económica) basta lembramo-nos desta notícia: “As poupanças estão salvas... mas apenas na Alemanha”
O jornal Die Tageszeitung recorda que a chanceler Angela Merkel e Peer Steinbrück, o seu antigo ministro das Finanças, que é agora o seu adversário social-democrata nas eleições, tinham declarado em 2008 que todas as poupanças dos alemães seriam “salvas” apesar da crise.
Ponto final: Estão a Alemanha e o Norte da Europa a deixar cair o Sul?
Reticências: A Alemanha e o Norte da Europa estão a deixar cair o Sul, que não escaparão ao mesmo destino num futuro próximo, para subirem eles, não só através das táticas financeiras, mas também através dos efeitos colaterais nas respetivas economias, pelo que cada vez mais, mais gente, conclui pela “confusão” que fazem entre economia com moralismo calvinista/luterano…
E assim sendo, a teoria não tem nada de económica, mas religiosa e de doutrina protestante, sobre a qual nem o Papa Francisco tem jurisdição, nem nos pode valer…
Ponto final: HAJA MORALIDADE!
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