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terça-feira, 2 de abril de 2013

Como ficarmos mais ricos, mas sem enriquecer…

As escolas e outros espaços públicos de manifestação popular e de discussão de ideias deviam saber lidar muito mais com as discordâncias. É lamentável conversar com alguém que não aprendeu ainda a aceitar controvérsias, críticas e coisas do género.
Jackislandy Meira de Medeiros Silva
Tem muita boa gente a ir e vir a gabinetes de repartições públicas; a assumir cargos de gerência; a dirigir escolas; a lecionar em Universidades; a pregar em púlpitos de igrejas; ou a legislar nos municípios; e até a gerir o executivo das cidades... Gente de todo e qualquer tipo que precisa urgentemente de uma lição de filosofia, a discordância!
Se fôssemos mais flexíveis com as discordâncias, depressa destruiríamos a soberba de que somos os donos da verdade e de que ninguém sabe mais do que nós. Não deveria ser tão estranho alguém discordar de nós, até porque ninguém é obrigado a concordar com tudo nem com todos. Ainda bem que o concordar é relativo à força da persuasão! Tem que se convencer alguém a concordar com você, e isso não é tão simples assim. Posso até conviver consigo, mas nunca estou obrigado a concordar com os seus pensamentos. 
Volta e meia, algumas pessoas aproximam-se de nós – pelo menos já passei por experiência parecida – para dar uma opinião esperando apenas uma confirmação positiva acerca do assunto. Ou seja, o desejo de autoafirmação das pessoas é tão forte que o diálogo crítico e autêntico acaba banalizando-se ou mesmo por ficar para segundo plano. Muitas vezes, sufocamos o diálogo em virtude de uma acomodação simples e passiva às opiniões alheias, quando, na verdade, segundo Paulo Freire, o diálogo “é uma relação horizontal de A com B. Nasce de uma matriz crítica e gera criticidade (Jaspers). Nutre-se de amor, de humanidade, de esperança, de fé, de confiança. Por isso, só o diálogo comunica. E quando os dois polos do diálogo se ligam assim, com amor, com esperança, com fé no próximo, se fazem críticos na procura de algo e se produz uma relação de 'empatia' entre ambos” (FREIRE, Paulo. Educação e Mudança. 12ª ed. São Paulo: Paz e Terra, p. 39).
Conversar sobre futebol, novelas, religião, política, família e etc. implica com temas que dividem a opinião da maior parte das pessoas. Muitas não têm argumentos plausíveis que fundamentem os seus pontos de vista e acabam por forçar os seus ouvintes a admitir, por amizade, que estão certas. Mas é um equívoco e uma ilusão acharmos que preservamos as nossas amizades ao não contra-argumentarmos a favor da verdade ou da riqueza de outros olhares. A minha visão é apenas uma no meio a outras tantas! Abrir-se ao novo é uma experiência irrenunciável!
Só uma educação com base na ironia socrática ou na humildade nos pode levar a descobrir o valor das discordâncias. Discordar eleva a discussão ao grau de maturidade intelectual em que ambos estão suscetíveis a mudar de opinião. Discordar disto, tira o ranço de autoridade que há no diálogo entre duas pessoas que se dizem civilizadas. Discordar fortalece os argumentos que se pretendem afirmar. Discordar permite-nos ir além do óbvio. Discordar põe à prova algumas verdades estabelecidas. Discordar quebra o gelo num grupo, numa palestra chata ou numa reunião burocrática. Discordar é também saber aceitar as discordâncias e contradições no seu discurso, até porque ninguém está totalmente certo nem totalmente errado. Aliás, quando discordamos, aprendemos que não somos suficientes, e sim necessários.
Aceitar, superar ou vencer as discordâncias é a meta de todo o educador, pois é impossível continuar a crescer sem saber da sua incompletude, de que nunca se estará pronto. Educa-se educando, numa troca infinita de ideias que não se acabarão. “A educação crítica considera os homens como seres em devir, como seres inacabados, incompletos numa realidade igualmente inacabada e juntamente com ela. Por oposição a outros animais, que são inacabados, mas não históricos, os homens sabem-se incompletos. Os homens têm consciência de que são incompletos, e assim, nesse estar inacabados e na consciência que disso têm, encontram-se as verdadeiras raízes da educação como fenómeno puramente humano. O caráter inacabado dos homens e o caráter evolutivo da realidade exigem que a educação seja 'uma atividade contínua'. A educação é, deste modo, continuamente refeita pela práxis” (FREIRE, Paulo. Conscientização: teoria e prática da libertação: uma introdução ao pensamento de Paulo Freire. São Paulo: Cortez & Morais, 1979, p. 42).
É essa sensação de inacabado que resulta das discordâncias. Daí, serem tão importantes para a transformação dos valores e do modo como é visto o mundo, do modo como se contam as histórias, do modo como se falam coisas novas. Discordar, minha gente, não é ofender ninguém, mas falar de um outro modo o que ninguém, talvez, tenha falado, permitir-se ao risco de pensar novamente o que já foi pensado.

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