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domingo, 21 de abril de 2013

Porque persistir no que não funciona é desastroso…

«Felizmente a questão de uma eventual saída do euro deixou de ser um tema tabu. Há já hoje, em Portugal e no exterior, muita reflexão sobre essa matéria.
João Ferreira do Amaral
Para quem, como eu, não tem a religião do euro - ficou provado que a participação no euro foi um desastre de grandes proporções, que põe em causa a própria sobrevivência do nosso País -, é prioritário para Portugal sair do euro, uma vez que não temos qualquer possibilidade de crescer rapidamente dentro de uma zona monetária com uma moeda tão forte como é a moeda europeia.
Acho espantoso que os defensores da nossa participação no euro, depois de terem sido completamente desmentidos nas suas afirmações que aconselhavam a nossa participação na moeda única, façam agora o seguinte raciocínio: "Como a participação no euro foi um desastre, a partir de agora é que vai ser um êxito."
O argumento é obviamente pouco inteligente e revela uma incapacidade de análise crítica confrangedora, própria - como já tive oportunidade de dizer - das nossas elites. E a afirmação é tanto mais descabida quanto é certo que a nossa estrutura produtiva está hoje ainda muito mais débil do que estava em 1992. Logo, mais alguns anos de moeda forte terão um efeito muito mais devastador ainda do que tiveram nos 15 que decorreram entre o início da caminhada para a moeda única e a crise actual. Quem considera que temos possibilidade de estar no euro com a economia no estado de debilidade em que actualmente se encontra, a meu ver, não sabe o que diz.
Mas quando as questões monetárias entram no domínio religioso, é impossível debater as coisas de forma minimamente racional. Por isso, é confrangedora a incapacidade desses dogmáticos do euro para refletirem sobre o desastre: não o da nossa saída, como costumam ameaçar, mas daquele que resultará da nossa permanência na moeda única.

A prioridade das prioridades deve ser repor o equilíbrio na nossa estrutura produtiva entre produção de bens transaccionáveis e não transaccionáveis. Um país como o nosso, quando tem apenas - como na actualidade - 13% do PIB originado na indústria e 2% gerado no sector primário, não vai longe. Precisa de uma reindustrialização urgente (incluindo neste termo o sector primário).
Para tal é necessário um grande golpe de rins, um intenso choque competitivo que, para ser susceptível de ser suportado pela população, tem de provir necessariamente da desvalorização cambial. De outra forma, o choque competitivo será de tal forma doloroso do ponto de vista social que a população não o suportará.
O País precisa também da emissão monetária própria para permitir ao Estado evitar a bancarrota interna. E não só: a emissão monetária própria é também necessária para amenizar os efeitos negativos da desvalorização cambial, em particular sobre os mais endividados e os de menores rendimentos.
Mas a saída da zona euro não deve ser feita de qualquer maneira. Deve ser controlada. Existiria aí, sim, um desastre se fôssemos empurrados para fora do euro - situação que considero inevitável, se persistirmos em manter-nos lá a todo o custo.
Também não me parece viável nem desejável, do ponto de vista político, a solução que alguns autores propõem de uma saída de um dia para outro, que apanhe os cidadãos desprevenidos, após uma preparação secreta. Tal seria politicamente inaceitável, exigiria certamente a declaração de um estado de excepção e é mais do que duvidoso que se pudesse manter o sigilo na preparação da saída. Por isso, a saída deve ser anunciada simultaneamente pelas autoridades nacionais e comunitárias.
Para sairmos de forma controlada, para além de só se dever encarar a questão quando a zona euro estiver minimamente estabilizada, há pelo menos 5 condições que deverão ser asseguradas:
a) Anunciar-se-ia amplamente (e cumprir-se-ia, claro) que as aplicações financeiras em instituições portuguesas manteriam o seu valor em euros, de modo a não se gerar um pânico na transição para a nova moeda; quanto ao Estado, continuaria a honrar a sua dívida em euros. Esta garantia deveria ser prestada pelas autoridades nacionais e comunitárias em conjunto.
b) O balanço dos bancos não seria prejudicado, pelo que os créditos a famílias, empresas e Estado aumentariam na nova moeda em função da desvalorização desta.
c) Para evitar um incumprimento generalizado por parte dos devedores à Banca, o Estado substituir-se-ia a estes no montante do aumento da dívida em moeda nacional que resultasse da desvalorização. O Estado financiaria este acréscimo de dívida (que é interno) através de empréstimos contraídos junto do Banco de Portugal expressos na nova moeda.
d) Entraríamos no Mecanismo de Taxas de Câmbio II, que regula as relações dos países do euro com as dos estados membros que não adoptaram a moeda europeia. Tal significa que, ajudados pelo BCE, teríamos de manter a nova moeda numa banda de flutuação de 15% em relação a uma taxa de referência da nova moeda relativamente ao euro; esta taxa de referência seria desvalorizada todos os meses em regime crawling peg (desvalorização deslizante), de modo a que a desvalorização da nova moeda se fizesse de forma progressiva.
e) Seria obtida a cooperação das autoridades europeias em dois pilares: governos e BCE. Os governos autorizariam um novo empréstimo (empréstimo que, em qualquer dos casos, vai ser necessário) que será fundamental para honrar a dívida do Estado e sustentar a balança de pagamentos durante o período de um ano, um ano e meio que a desvalorização da moeda demorará até ter efeitos positivos no reequilíbrio das contas externas; o BCE comprometer-se-ia a renovar durante algum tempo a dívida dos bancos portugueses e também - como, aliás, é seu dever - a ajudar a nova moeda a manter-se na banda de flutuação. Abriria ainda uma facilidade especial, temporária, de crédito aos bancos portugueses durante a fase de transição para a nova moeda, a utilizar, se necessário, de modo a reagir imediatamente a qualquer sintoma de pânico.
Não me parece inviável obter o apoio das instituições comunitárias e dos estados-membros para uma saída controlada do euro, pois a saída da zona euro será benéfica para Portugal e sê-lo-á também para os outros parceiros da moeda única.
Queiramos ou não, a verdade é que a débil situação estrutural da nossa economia será sempre e cada vez mais um factor potencial de instabilização da zona euro e, por isso, os nossos parceiros receberão certamente, com alívio, essa saída (se for controlada) e tomarão uma atitude cooperante.
Há, pois, condições para um divórcio de mútuo consentimento. Mais: arrisco-me a afirmar que os mercados também a encararão com optimismo, se forem prestadas as garantias suficientes que acima referi.
Com efeito, a confiança que nos atribuíam por pertencermos ao euro, perdeu-se há muito tempo. Estava assente no pressuposto de que, em caso de dificuldades de um país, os outros ou as instituições europeias o apoiariam incondicionalmente. Esse pressuposto - no qual nunca acreditei - esfumou-se completamente. Então, só há uma possibilidade de cumprirmos os nossos compromissos: é recomeçarmos a crescer rapidamente com base na produção de bens transaccionáveis, gerando saldos positivos na balança de pagamentos. Objectivos que os mercados sabem muito bem que não conseguiremos alcançar continuando a fazer parte do euro.
A saída é uma condição essencial para evitar a estagnação durante décadas e para manter um mínimo de autonomia em termos políticos, mas não nego que tem riscos. A verdade é que também o tem qualquer operação cirúrgica que infelizmente precisemos de fazer. Sofrer uma intervenção cirúrgica é arriscado e doloroso. Mas, muitas vezes, é a única forma de salvar o doente.
Para Portugal poder ganhar de novo esperança no futuro, a primeira ruptura a fazer é - volto a repetir - a saída do euro. Mas não será a única. É importante também fazer um corte relativamente ao que tem sido o essencial da política externa.
Reforço de novas alianças não europeias
Desde que aderiu à então CEE, em 1986, Portugal optou pelo completo seguidismo em relação à Europa. Tudo em nome do princípio absurdo de que o que é bom para a Europa é bom para Portugal.
Nenhuma autonomia de pensamento, nenhuma visão sólida dos interesses nacionais permanentes presidiu a esta antipolítica que foi o seguidismo europeu. Este comportamento é bem característico da qualidade das nossas elites, a que já me referi. Elites que, neste domínio, devem ter personificado um caso único em toda a História.
Com efeito, tem sido relativamente frequente ao longo dos tempos que um estado emergente estabeleça como objectivo nacional dotar-se de moeda própria. Compreende-se porque é um instrumento importante para a sua autonomia. Mas que uma elite, como a portuguesa, estabeleça, como único projecto nacional consistentemente prosseguido, perder a autonomia monetária deve ser caso único da História e revela bem a qualidade dessa elite.
Este seguidismo europeu só recentemente tem vindo a ser corrigido (mas não no que se refere ao programa de ajustamento económico e financeiro) de forma ténue, devido, em primeiro lugar, à crise. A mudança começou ainda no tempo dos governos Sócrates e tem continuado no actual governo, o que, em minha opinião, constitui um aspecto positivo. Positivo mas insuficiente.
É preciso ir muito mais além e ter noção de que os nossos aliados de futuro não se podem encontrar numa Europa dominada pela Alemanha, que já provou ser implacável para com os mais débeis.
Seria um desastre embarcarmos numa estratégia de "orgulhosamente sós". Pelo contrário, existem felizmente muitas alternativas: toda a América (do Norte e do Sul), Angola, China e outras nações do Extremo Oriente são parceiros que podem e devem ter muito mais entrada no nosso futuro.
Vou dar um exemplo. Temos já hoje uma enorme riqueza ainda por explorar, que é a nossa plataforma continental - e espera-se que venha até a alargar os seus limites. A Europa já olha gulosa para essa oportunidade (ver a recente Declaração de Limassol sobre o assunto, de Outubro de 2012, em que se acena com fundos para uma política marítima europeia). Já inventou uma política marítima europeia e, sabendo o que a casa gasta, já promete fundos às nossas elites para que estas abram mão dos recursos.
Não devemos deixar a Europa, enquanto tal, imiscuir-se no aproveitamento da nossa plataforma continental (o que não quer dizer que não acolhamos países europeus individualmente considerados). Mas as grandes parcerias que devemos estabelecer para aproveitarmos essa riqueza devem estar na América, em particular, nos Estados Unidos e Brasil.
Conclusão | O ressurgimento nacional
Quando aderimos à moeda única, entrámos no projecto errado. Errado para nós e, quase certamente, errado também para a Europa. Temos de mudar de projecto. Persistir naquilo que visivelmente não funciona, além de obtuso, é desastroso. Esta mudança é uma condição essencial para permitir um ressurgimento nacional, que passa necessariamente pela adopção de novas estratégias e por novos posicionamentos no mundo.
Não se trata de cortar com a Europa. Mas precisamos de ter consciência de que a Europa de 2013 pouco já tem que ver com a de 1986. É hoje um espaço de domínio alemão.
Por isso, temos toda a vantagem em adoptar um posicionamento na cena europeia semelhante aos Ingleses que, como sempre, viram muito melhor do que os outros o que verdadeiramente significava a moeda única.
Trata-se de ganhar de novo autonomia monetária, que permita libertar o Estado da bancarrota interna e que possibilite a inadiável reindustrialização através de um choque competitivo que só pode vir de uma significativa desvalorização cambial.
Trata-se também de avançar para projectos verdadeiramente nacionais, como a exploração das riquezas marítimas (e não nos enganemos: elas são, de facto, muitas) em parcerias com países de outros continentes.
Temos um futuro à nossa frente, que pode ser aliciante e digno. Mas para isso é preciso cortar com a asfixia europeia. Persistirmos numa atitude seguidista face à Europa, atitude que era já inadequada quando a Europa funcionava bem, mas que se torna agora incompreensível quando a União se transformou num espaço de exercício do poder alemão, é não só inadequado mas positivamente tolo.
Portugal merece melhor.»
O novo livro de João Ferreira do Amaral, "Porque devemos sair do euro: O divórcio necessário para tirar Portugal da crise", é lançado terça-feira, no El Corte Inglés. O autor argumenta que podemos e devemos sair do euro, permanecendo na União Europeia. Explica como e quando e aponta os caminhos para um Portugal pós-euro

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