(per)Seguidores

segunda-feira, 22 de abril de 2013

Lá se vai a União dos cidadãos, política e económica...

A crise acentuou os egoísmos nacionais nos países da UE, abandonando o projeto cooperativo em que se baseia a construção europeia. E, afastando uma divisão irracional entre o Norte e o Sul, que pode levar a UE ao suicídio, é preciso recuperar a coesão e a interdependência, defende uma filósofa espanhola.
A atuação da UE está a causar um merecido descontentamento entre os seus cidadãos. Diz-se que agora é uma “Desunião Europeia”, onde os líderes de cada país lutam por conseguir os votos dos eleitores dos seus países de origem sem se importarem com o todo dessa entidade supranacional, da qual um dia nos sentimos já orgulhosos.
Nós, europeus, inventores do Estado nacional, também idealizámos uma comunidade de soberanias partilhadas capaz de ir assentando as bases de uma sociedade cosmopolita. A união económica exige o reforço da união política e, como condição possibilitadora de uma e de outra, potenciar-se-ia a Europa dos Cidadãos, chave da abóbada de tudo o resto.
Mas a crise atual tornou evidente que nenhuma dessas metas tinha sido alcançada, porque foi o egoísmo de cada país que presidiu à atuação de cada um deles no seio da suposta união, e não a cooperação imprescindível para que funcione como uma união na ordem cidadã, política e económica. Não há uma verdadeira democracia europeia, os governantes fazem acordos bilateralmente, alterando as lealdades ao sabor da conveniência conjuntural, mas sem atenderem às aspirações dos supostos cidadãos europeus.
Este funcionamento é suicida. E não apenas porque contraria o sentido da democracia, não apenas porque é imoral tomar decisões sem ter em conta os seus destinatários, mas também porque algo tão simples se torna irracional. Tanto tempo a vangloriarmo-nos de que o progresso humano beneficiou com o avanço racional liderado pela Europa, para desembocar na mais pueril irracionalidade.
Cooperar a partir da coesão social
Porque já há muito sabemos que o racional não é procurar o máximo benefício de maneira egoísta, custe o que custar, mas sim ter a inteligência suficiente para cooperar a partir da base da coesão social. Os velhos anarquistas tinham razão ao defenderem que é a ajuda mútua que beneficia as espécies e não a impiedosa concorrência, que é mais inteligente gerar aliados do que adversários, amigos do que inimigos.
A razão humana integral não é estupidamente egoísta, mas sim cooperativa. Como bem disse Michael Tomasello, “nunca verão dois chimpanzés a carregarem, juntos, um tronco”; foi a capacidade de cooperar que fez a espécie humana progredir. Quem trabalha lado a lado não só consegue mudar o tronco de lugar, como também gera um vínculo de amizade que vale por si só e para trabalhos futuros.
Parecia ser esse o coração do projeto de uma Europa unida, que poderia estender-se a outros lugares. E é desalentador ver como a Europa que inventou a democracia na Grécia clássica, que cunhou a ideia da dignidade humana como núcleo da vida partilhada, que potenciou a racionalidade não apenas científica mas sobretudo moral, que descobriu o Estado social e a possibilidade de uma comunidade supranacional, atraiçoou a sua própria identidade com um tenaz empenho suicida, sem o menor afeto pelos ideais que a constituem.
À atuação em Chipre que, sob todas as perspetivas, é mais fruto da improvisação egoísta e desleixada do que de uma preocupação inteligente com o bem da população, soma-se esta história recente de queixas nos países do Sul, onde se foi gerando uma profunda aversão aos supostos parceiros do Norte. Uma situação da qual beneficiam os populismos e os totalitarismos de um ou outro sentido que, numa sociedade justa, não teriam qualquer oportunidade de medrar.
Recuperar a identidade
Como é possível que os que estão em boa situação tenham tanta dificuldade em perceber que os países e as pessoas são interdependentes, que é falso que o meu lucro dependa das perdas alheias? É justamente o contrário, se os países do Sul ficarem esgotados, como está a acontecer, não só eles, mas também os países do Norte ficarão a perder.
Dizia Kant, alemão de Königsberg, que até um povo de demónios, de seres sem sensibilidade moral, preferiria um Estado de direito a uma situação de guerra de todos contra todos. Mas, isso sim, acrescentava: com quanto que tenha inteligência. E, preciso eu: autêntica inteligência humana, como a que se revela no jogo do ultimato.
Nele, um jogador oferece créditos a outro, que os pode aceitar ou recusar. Se aceita, ganham os dois; caso contrário, nenhum ganha nada. Se é verdade que a racionalidade humana trata de maximizar o lucro unilateralmente, quem responde deveria aceitar qualquer oferta superior a zero e quem oferece deveria oferecer a quantidade mais próxima possível de zero.
Mas os que respondem tendem a recusar ofertas inferiores a 30% do total, porque não querem receber uma quantidade humilhante e, por isso, os proponentes tendem a oferecer entre 40 e 50% do total para poder ganhar alguma coisa. Como se não bastasse, são os chimpanzés que mostram uma racionalidade maximizadora quando entram num jogo do ultimato adaptado a eles, e não as pessoas.
Por si só, já é suficientemente má a humilhação dos que estão em pior situação e, além do mais, nem é sequer inteligente. Inteligente, no caso da Europa, é recuperar a própria identidade criando uma autêntica democracia, baseada na coesão social e na ajuda mútua.

Sem comentários:

Enviar um comentário